Mônica Bergamo / Folha de S. Paulo
Em
carta a amigo, ex-ministro do STF diz que declina o convite por problemas de
saúde
O ex-ministro
do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello cancelou sua
participação no encontro da Faculdade de Direito da USP que lançará a "Carta
às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de
Direito". Na ocasião, o ex-presidente da corte faria a leitura
do documento no Pátio das Arcadas.
Em
carta enviada ao ex-procurador-geral
de Justiça de São Paulo Luiz Antônio Marrey, Celso de Mello afirma
declina o convite por motivos de saúde. "Retardei, até agora, a aceitação
de tão honroso convite, na justa expectativa de que pudesse superar os
problemas que me afligem há algum tempo!", afirma.
O
ex-ministro, no entanto, insiste que seu nome seja acrescido como signatário do
documento —que já reúne
banqueiros, personalidades, artistas e intelectuais— e faz duras
críticas a Jair
Bolsonaro (PL), a quem chama de "presidente menor".
"Necessário,
pois, reagir aos pronunciamentos de um político menor (e medíocre) que busca
permanecer na regência do Estado, mesmo que esse propósito individual, para
concretizar-se, seja transgressor do postulado da separação de poderes e
revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas de
nosso país", afirma Celso de Mello a Marrey.
"Bolsonaro,
além de sua distorcida visão de mundo, sustentada e exposta por quem ele
realmente é, desnuda-se ante a nação como um político medíocre e que, além de
possuir desprezível espírito autocrático, também expôs-se, em plenitude, em sua
conduta governamental, como a triste figura de um presidente menor, sem noção
dos limites éticos e constitucionais que devem pautar a conduta de um
verdadeiro chefe de Estado", diz ainda.
Segundo o ex-ministro do Supremo, a única resposta possível do povo brasileiro diante das graves ameaças golpistas feitas pelo chefe de Executivo é "insurgir-se contra as tentações autoritárias e as práticas governamentais abusivas que degradam, deformam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da própria Constituição".
Celso
de Mello ainda afirma que o Brasil atravessa tempos "de extrema gravidade
e de sérias consequências" para a democracia. E diz ser imprescindível que
a cidadania se pronuncie, de forma vigorosa e inequívoca, "pela defesa
intransigente da intangibilidade do regime democrático".
Leia, abaixo, a íntegra da carta enviada pelo ex-ministro Celso de Mello a Luiz Antônio Marrey.
Caríssimo
MARREY,
O
convite feito pelos organizadores do importantíssimo evento que se realizará,
na São Francisco, no próximo dia 11 de agosto — e que me foi gentilmente
transmitido por você— constituiu, para mim, motivo de profunda e imensa honra
e, também, de inexcedível distinção, seja como antigo Aluno da Faculdade de
Direito da USP (Turma de 1969), seja como cidadão, seja como Ministro
aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal!
Recentemente,
escrevi que o presente momento histórico vivido pelo Brasil revela-nos, em tom
de grave admonição, que as instituições democráticas de nosso País e as
liberdades fundamentais dos cidadãos, porque expostas a ataques dos hunos que
as assediam com o subalterno (e corrosivo) propósito de vulnerá-las, sofrem
risco imenso em sua integridade!!!
Neste
momento delicado, em que o Brasil se situa entre o seu passado e o seu futuro,
avizinha-se, perigosamente, a aproximação de tempos procelosos e nublados,
impregnados, por seu efeito desestabilizador, de extrema gravidade e de sérias
consequências para o regime democrático!
Torna-se
importante, por tal razão, que aqueles que respeitam a institucionalidade e que
prestam fiel reverência à nossa Constituição reajam —e reajam sempre com apoio
e sob o amparo da Lei Fundamental do Brasil— às sórdidas manobras golpistas, às
sombrias conspirações autocráticas e às inaceitáveis tentações pretorianas de
submeter o nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades
constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático!!!
Necessário,
pois, reagir aos pronunciamentos de um político menor (e medíocre) que busca
permanecer na regência do Estado, mesmo que esse propósito individual, para
concretizar-se, seja transgressor do postulado da separação de poderes e
revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas de
nosso País!
A
resposta do povo brasileiro às graves (e ameaçadoras) manifestações do atual
Presidente da República, indignas da majestosa importância da Lei Fundamental
de nosso País, além de necessária e imprescindível, só poderá ser uma:
insurgir-se contra as tentações autoritárias e as práticas governamentais
abusivas que degradam, deformam e deslegitimam o sentido democrático das
instituições e a sacralidade da própria Constituição!
Tal
objetivo traduz justa razão para que a sociedade civil —valendo-se dos meios
legítimos proporcionados pela Constituição da República e atuando por
intermédio dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público—
insurja-se contra os excessos governamentais, contra as conspiratas urdidas por
setores retrógrados infensos à necessidade de respeito pela ordem
constitucional, contra os comportamentos políticos desviantes e contra o
arbítrio dos governantes indignos e desprezíveis!
A
Faculdade de Direito do Largo São Francisco é a minha "alma mater"!
A
escolha do solo sagrado das Arcadas reveste-se de altíssimo significado
simbólico, pois nelas, historicamente, sempre floresceram e têm sido permanentemente
cultuados e preservados o espírito da liberdade e o respeito pela democracia!
O
"espírito das Arcadas" não sofre solução de continuidade! Envolve as
gerações de ontem, de hoje e de sempre!!! Elas exprimem o indelével sentimento
de perenidade... Esse "espírito das Arcadas" —de que você também se
acha impregnado— traduz o signo luminoso de nossa identidade comum, o vínculo
poderoso que nos transforma, historicamente, em uma comunidade concreta sob a
égide dos valores comuns da liberdade, da democracia e do respeito ao Direito e
que conferem identidade e homogeneidade ao nosso sentimento de
"pertencimento", à nossa percepção de que integramos, orgulhosamente,
um ente místico destituído de temporalidade, que reflete, aqui e agora, todos
os momentos que compõem o itinerário histórico de nossa "alma
mater"...
São
os vultos do passado (e também do presente) que nos inspiram nessa jornada
mágica pelos caminhos da vida pessoal, acadêmica e profissional, inclusive
aqueles que, mesmo havendo ingressado e cursado as Arcadas, nelas não se
graduaram: Castro Alves, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, José Antonio
Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente), Lafayette Rodrigues Pereira
(Conselheiro Lafayette ), Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Ruy
Barbosa, José Bonifácio, o Moço, Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Affonso
Penna, Campos Salles, Rodrigues Alves, Prudente de Morais, Washington Luis,
Arthur Bernardes, Wenceslau Braz, Bernardo Guimarães, Oswald de Andrade,
Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Monteiro Lobato, Miguel Reale,
Goffredo da Silva Telles Junior (meu Professor e vulto inspirador e
inesquecível dos tempos acadêmicos) e os 13 (treze) Presidentes da República
(entre eleitos ou empossados) que passaram pelias Arcadas do Largo de São Francisco,
entre outros vultos notáveis! Os pronunciamentos do atual Presidente da
República, que muitas vezes se vale do sentimento do medo e da utilização da
ameaça como instrumentos inidôneos e ilegítimos de ação política, parecem
resvalar, perigosamente, para o terreno pantanoso das palavras sediciosas!!!
Vejam-se,
entre outras, por expressivas, suas manifestações em Sete de setembro do ano
passado e o recentíssimo discurso de aceitação, neste domingo de julho, de sua
candidatura presidencial!!!
Bolsonaro,
além de sua distorcida visão de mundo ("Weltanschauung") , sustentada
e exposta por quem ele realmente é, desnuda-se ante a Nação como um político
medíocre e que, além de possuir desprezível espírito autocrático, também
expôs-se, em plenitude, em sua conduta governamental, como a triste figura de
um Presidente menor, sem noção dos limites éticos e constitucionais que devem
pautar a conduta de um verdadeiro Chefe de Estado, capaz de respeitar a
autoridade suprema da Constituição da República!!!
Falece-lhe
o valor fundamental da "gravitas", que era uma nobre qualidade
exigida pelos Romanos em relação aos que exerciam funções abrangidas pelo
"cursus honorum"!
Na
realidade, Bolsonaro —que constantemente insinua a possibilidade de um
"coup d’État", tal a sua profunda aversão à ideia eticamente superior
de democracia constitucional— traduz, em sua trajetória política, a imagem de
um governante que não está, como jamais esteve, à altura do cargo que exerce,
pois lhe faltam estatura presidencial e senso de estadista, de
"statesmanship"!!!
Todas
essas razōes levar-me-iam a aceitar o honrosíssimo convite que me foi dirigido,
pois se torna imprescindível que a cidadania se pronuncie, de forma vigorosa e
inequívoca, pela defesa intransigente da intangibilidade do regime democrático
e de todos os consectários que lhe são inerentes!!!
Ocorre,
no entanto, que, infelizmente para mim, ainda subsistem as graves razões que
lhe expus há poucos dias, impossibilitando-me a altíssima honra e o enorme
privilégio que eu teria de proceder à leitura, no próximo dia 11 de agosto, da
"Carta aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito"!
Peço-lhe,
no entanto, que me conceda a honrosa possibilidade de registrar o meu nome como
signatário de tão relevante e essencial documento na defesa institucional da
democracia em nosso País! Se necessários outros dados identificadores (CPF e
RG), basta avisar-me que eu lhos enviarei!
Uma
última observação: retardei, até agora, a aceitação de tão honroso convite, na
justa expectativa de que pudesse superar os problemas que me afligem há algum
tempo!
Tal,
porém, não se fez possível, a despeito de todo o esforço e tentativa que fiz!
Rogando
a sua compreensão, despeço-me, cordial e afetuosamente, com as nossas
tradicionais Saudaçōes acadêmicas!
CELSO
Nenhum comentário:
Postar um comentário