Folha de S. Paulo
PIB cai menos que o previsto, inflação e
juros baixam e Putin tem meios para causar ainda mais estrago
A recessão
na Rússia vai ser feia em 2022. Mas talvez a economia encolha apenas metade
do que economistas ocidentais e mesmo do governo russo previam em abril. O
desemprego está em mínima histórica. Inflação e taxa básica de juros caem.
No curto prazo, no mínimo, o sistema russo
pode aguentar o tranco econômico, prolongar a guerra, deixar
a Europa ocidental sem gás e causar ainda mais estrago político no
Ocidente, vide a contribuição que deu à degradação
precoce do prestígio de Joe Biden nos EUA, com a inflação do petróleo.
No médio prazo, sabe-se lá. Um bancão
russo, Sberbank, chega a falar em década perdida. No que diz respeito às
perspectivas mais imediatas, os russos se viraram.
Na pesquisa que o Banco Central da Rússia (BCR) faz com economistas sobre o PIB, a previsão mediana em julho foi de queda de 6% neste 2022 e de 1,3% em 2023. No biênio, a baixa composta seria então de 7,2%. Muito? No biênio da Grande Recessão do Brasil, 2015-2016, a baixa foi de 6,7%.
Na estimativa do próprio BCR, o PIB cai
entre 6% e 4% neste ano e entre 1% a 4% em 2023. Propaganda? No chute do FMI, a
recessão deste 2022 seria de 6%. Para alguns bancões americanos, menos de 4%.
A arrecadação do governo russo está dentro
do esperado, mesmo com a recessão. O motivo óbvio é o aumento da receita com
petróleo e gás. Em 2021, foi de 18% da receita total. No primeiro semestre, de
38%, mesmo com o petróleo russo (Urais) sendo vendido a preço de liquidação. A
receita fiscal com petróleo e gás aumentou 33% de 2021 para 2022.
A taxa básica de juros, a Selic deles, caiu
na sexta-feira para 8% ao ano, abaixo do nível de antes da guerra, 9,5%. Logo
depois do início
das sanções ocidentais, no final de fevereiro, fora a 20%.
A situação folgada nas contas externas
(exportações de energia cara) e o controle de capitais valorizaram o rublo. A
inflação começa a cair. Está em 15,9% ao ano (era de 9,2% ao ano em fevereiro).
A taxa de desemprego em maio desceu à
mínima de 3,9%, embora com redução de salário real e de horas trabalhadas. As
vendas no comércio de varejo estão caindo no ritmo de 10% (ante mesmo mês do
ano anterior).
Mas a Rússia se vira. Como disse Elvira
Nabiullina, a presidente do BCR na sexta-feira passada, haverá mais esforços
para "reduzir a dolarização da economia e do setor financeiro", com
"aumento da importância das moedas de países amigos" e do rublo nas
transações externas.
Empresas aéreas, exportadoras, montadoras
de veículos e construção civil apanharam muito por causa das sanções. Mas
Nabiullina diz que a finança das empresas se aguenta e que a poupança das
famílias está alta, até por repressão prudente de consumo e falta do que
comprar. A presidente do BCR diz também que as sanções isolaram a Rússia de
certas flutuações da economia mundial e aumentaram a oferta doméstica de alguns
bens (ora inexportáveis). A confiança do consumidor e a demanda de crédito
despioram.
Ainda assim, disse Nabiullina, a recessão
será menos profunda, mas vai durar mais. Algum crescimento, apenas em 2024. Mas
os russos precisam combinar com o restante do mundo, ao menos com seus amigos.
A pobreza vai aumentar. A economia de
mercado é meio uma ficção em um regime autocrático, que pode meter a mão em
tudo, aliado a cleptocratas.
A Europa vai pastar, mas vai deixar de
comprar energia russa. Sem mudança radical do governo, a Rússia não terá acesso
a tecnologia de ponta e insumos de qualidade. Terá de inventar uma substituição
de importações e contar com a ajuda chinesa. Mas Vladimir Putin e seu governo
parecem ter meios de causar caos na economia e na política mundial por ainda
muito tempo.
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