quarta-feira, 27 de julho de 2022

Elio Gaspari - A sinceridade de Bolsonaro

O Globo

A doutora Lindôra acha que decifrou o capitão

A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que Jair Bolsonaro “acreditava sinceramente” que a cloroquina era um remédio eficaz contra a Covid-19. A esta altura, a pandemia já matou mais de 677 mil pessoas no Brasil. A doutora disse isso para respaldar o pedido de arquivamento das conclusões da CPI da Covid. É direito da Procuradoria-Geral da República acreditar sinceramente no seu pedido de arquivamento. Caberá ao STF decidir o que fazer com as denúncias.

Hoje, estima-se que de cada cem pessoas, 27 não acreditam que os astronautas americanos foram à Lua. Nesse grupo, 21 têm o ensino médio completo. Vinte em cada cem acham que a Terra é plana.

Donald Trump também acreditava na cloroquina, mas abandonou sua defesa. Bolsonaro continuou na pregação.

O relatório da CPI que a doutora prefere arquivar informa que no dia 24 de março de 2020 Bolsonaro anunciou, em rede nacional, que “o vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará”. Como? Talvez com a cloroquina. Voltou ao assunto no dia 24 de outubro: “No Brasil, tomando a cloroquina no início dos sintomas, 100% de cura”. Na véspera haviam morrido 566 pessoas, e o total de mortos estava em 156.528.

Bolsonaro tem uma queda por substâncias e iniciativas mágicas. Acredita nos efeitos econômicos milagrosos do nióbio e do grafeno. Chegou a anunciar que visitaria uma empresa de militares americanos que pesquisa a transmissão de energia elétrica sem fios. Seria um milagre para a Amazônia. Felizmente, não foi à empresa.

Acreditar que a Terra é plana, que o homem não foi à Lua e que a cloroquina controla a Covid-19 é um direito de cada um. Cardeais e Papas acreditavam em coisas desse tipo. Em 1600, a Inquisição romana queimou Giordano Bruno por defender as ideias de Copérnico, para quem a Terra girava em torno do Sol. (A estátua de Bruno, no Campo das Flores, em Roma, informa: “Aqui ardeu a fogueira”.)

Em 2020, Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde porque não acreditavam nas virtudes da cloroquina. Bruno metia-se com ocultismos. Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich nunca se meteram com mágicas e não foram queimados. Um terraplanista convicto pode ter acreditado sinceramente que a cloroquina controlaria a Covid-19. A diferença entre ele e Bolsonaro está na persistência da convicção do capitão e, sobretudo, no fato de ter se baseado nessa crença sincera para demitir dois ministros, irradiando a superstição enquanto pessoas morriam. Registre-se que ninguém morreu porque o vizinho achava que a Terra girava em torno do Sol e, desde o fim da Inquisição, ninguém foi queimado por isso.

Existem dois tipos de ignorância. A plena e aquela que, mesmo podendo ser sincera, é instrumentalizada. Os cardeais que mandaram Giordano Bruno para a fogueira podiam acreditar que a Terra era fixa, mas estavam interessados também em preservar seu poder. Quando a Inquisição chegava à Bahia, seus defensores queriam também tomar as propriedades dos judeus. No século XX, essa mesma instrumentalização alimentou o antissemitismo europeu.

Enquanto esteve na moda, a cloroquina pouco teve a ver com a sinceridade da convicção. A partir das evidências científicas de sua inutilidade, foi um instrumento político (e comercial em alguns hospitais e planos de saúde).

 

5 comentários:

Anônimo disse...

Trump fazia propaganda da cloroquina e dizia que ela era solução! Quando pegou Covid, NÃO usou a cloroquina, optando por um remédio experimental! Tão sincero quanto Bolsonaro?
Bolsonaro dizia que a Covid era uma "gripezinha"... Quando pegou Covid, a primeira providência foi fazer TOMOGRAFIA pulmonar (que ele chamou de "chapa" pra dar ideia de que seria só uma radiografia). Tomografia pra gripezinha? Este é o sincero Bolsonaro... Enquanto para os demais brasileiros faltaram oxigênio em Manaus e outras cidades, faltaram médicos e hospitais para os que morreram em filas, as vacinas foram tão atrasadas, para o canalha que se contaminou por falta de cuidado sobraram médicos presidenciais e exames sofisticados pagos pelos contribuintes! Quantos brasileiros tiveram acesso a TOMOGRAFIA pra combater a Covid?

Anônimo disse...

Perfeito caro Elio Gaspari!

Fernando Carvalho disse...

Elio Gaspari acertou na mosca quanto a essa queda do Bolsonaro por substâncias e iniciativas mágicas. O exemplo mais recente é a tal da cloroquina. Mas Bozo quando era deputado federal deu força para que fosse aprovada pelo Congresso a famosa "Pílula do Câncer" uma tal de fosfoetanolamina sintética. O STF julgando pedido da Associação Médica Brasileira vetou a lei que chegou a ser sancionada por Dilma às vésperas do golpe do impeachment.
Acho que num detalhe Elio Gaspari se engana quanto ao nióbio. O Bolsonaro pode até ser meio doido, mas burro ele não é. Ele sabe onde a banda do metal tilintante toca daí a relação dele com o nióbio. Não vou me estender sobre o lado folclórico do tema. Mas para se ter noção da seriedade da coisa. Basta saber que apenas 15% da CBMM (leia Banco Itaú)foi vendida por 1,8 bilhão de dólares (traduzam isso em reais). Por causa disso o Itaú teve condições de doar no início da pandemia a bagatela de um bilhão de reais. O insuspeito Marcos Valério do mensalão disse que o dinheiro do mensalão era café pequeno comparado com a grana do contrabando de nióbio. Ninguém levou isso a sério.Bolsonaro mandou construir uma ponte que dá acesso ao nióbio de São Gabriel da Cachoeira. Nesse sítio fica o grosso do nióbio brasileiro.

ADEMAR AMANCIO disse...

Os delírios de Bolsonaro são nocivos a todo País.

Anônimo disse...

E VAI FICAR POR ISSO MESMO, SEM PAGAR POR SEUS ERROS QUE CUSTARAM TANTAS VIDAS BRASILEIRAS?