Valor Econômico
Máquina continuará rodando, seja qual for o
resultado da eleição
Simbólica, a reação do funcionalismo
público à recente reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores foi uma
importante resposta institucional à questionável conduta do chefe do Poder
Executivo.
Não há registro histórico de que algo
parecido tenha ocorrido no saguão do Palácio da Alvorada, desde a inauguração
da residência oficial do presidente da República, em 1958. Tanto que governos
estrangeiros, sempre resistentes a se intrometer em assuntos internos de outros
países, decidiram sair em defesa do sistema eleitoral brasileiro. Os
presidentes do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) também se
manifestaram. E chamou atenção o que ocorreu na sequência, quando diversas
categorias do funcionalismo divulgaram uma nota conjunta para repudiar os
discursos que buscam desqualificar a lisura do processo eleitoral nacional e as
urnas eletrônicas.
Nos bastidores, comenta-se, a intenção foi dar um claro recado: a burocracia está disposta a manter a máquina rodando normalmente na passagem de 2022 para 2023, caso Bolsonaro perca as eleições e se recuse a conduzir um processo de transição nos últimos meses do ano.
Infelizmente, não é um cenário a ser
desprezado. Não se imagina um diálogo propositivo entre representantes dos dois
polos que dominam o quadro eleitoral. Mas é preciso ressaltar que se fala,
aqui, de cenários.
A eleição segue indefinida. Nas últimas
semanas, Bolsonaro colecionou boas notícias. Conseguiu, com a ajuda do
Congresso, aprovar a já notória PEC das bondades. E logo começará a colher seus
resultados.
A proposta de emenda constitucional
viabilizará o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, a criação de um
auxílio para caminhoneiros e um benefício para taxistas, além da elevação do
valor do vale-gás e um subsídio para idosos no transporte coletivo. O governo
também aguarda a importação de diesel russo e manutenção da tendência de
desaceleração da inflação. Os preços dos combustíveis caem.
Hoje, Bolsonaro pode figurar em segundo
lugar nas pesquisas de intenção de voto. Mas o jogo ainda será jogado. Só agora
pré-candidatos começam a virar, de fato, candidatos. A campanha eleitoral
começa para valer no dia 16 de agosto. Será curta, intensa e tensa.
Tudo indica que Bolsonaro insistirá nos
ataques ao sistema eleitoral e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Enquanto isso, caberá às instituições responderem de forma adequada ao
presidente. Assim fizeram, na semana passada, os servidores públicos.
Dois casos se destacam. O primeiro é o da
Intelis, uma entidade que representa servidores da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin). A agência participou da criptografia das urnas
eletrônicas. “Não há nenhum registro de fraude nas urnas eletrônicas desde a implantação
do atual sistema”, ressaltou.
Além deles, delegados e peritos da Polícia
Federal saíram em defesa das urnas. Isso é relevante porque representantes da
PF têm participado continuamente dos testes públicos de segurança promovidos
pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Até agora, não apontaram falhas no
sistema.
Mas não foram só estas categorias. O Fórum
Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), composto por 36
entidades que representam mais de 200 mil servidores públicos, também se
posicionou. Por meio de nota, repudiou as falas que buscam desqualificar a
lisura do processo eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas.
Não é pouca coisa. Fazem parte dessa lista,
por exemplo: analistas de comércio exterior, peritos criminais, diplomatas,
servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defensores
públicos, advogados públicos federais, gestores, auditores fiscais
agropecuários, auditores da Receita Federal, especialistas em Planejamento e
Orçamento, auditores de tribunais de contas, auditores de controle interno,
servidores de agências reguladoras, fiscais do trabalho, funcionários do Banco
Central, servidores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da
Superintendência de Seguros Privados (Susep), além de procuradores da Fazenda
Nacional.
É o que se espera de funcionários de
Estado, profissionais vocacionados a servir todos os governos da mesma forma.
Nos últimos anos, aliás, diversos
servidores fugiram desta regra. Pediram licença por se recusarem a contribuir
com um governo do qual discordavam. Estes deveriam ter pedido desligamento do
serviço público de forma definitiva, abrindo caminho para quem estivesse
disposto a trabalhar. Acabaram por dar certa razão àqueles que apontavam a
existência de núcleos dentro do Estado trabalhando contra - ou atrapalhando - a
atual administração.
Os que tocaram a vida demonstraram o lado
positivo de se ter uma burocracia profissional. Ou, como falou-se em Brasília,
servidores que se enquadram na visão “weberiana” de burocracia.
Max Weber, pensador alemão nascido no
século 19, dizia, por exemplo, que o pré-requisito de uma organização
burocrática é a existência de regras às quais estão vinculados os detentores de
poder, o aparelho administrativo e os governados. Além disso, prossegue, as
determinações só são legítimas na medida em que quem as emite não ultrapassa a
ordem jurídica impessoal vigente.
O tipo ideal de burocracia tem tarefas
orientadas por normas escritas, sistematização da divisão do trabalho, cargos
estabelecidos de forma hierarquizada, regras e normas técnicas fixadas para o
desempenho de cada cargo e seleção de pessoal feita por meio de um sistema de
mérito. Espera-se de uma máquina pública profissional, também, a
previsibilidade do comportamento dos profissionais que a integram.
São estas as características, segundo a
teoria, que garantiriam à oposição uma eventual retomada do poder de forma
republicana e o mais organizada possível. Isso, claro, dependendo do resultado
da eleição.
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