sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Claudia Safatle - Dívida não terá meta, mas uma referência

Valor Econômico

Para ter responsabilidade fiscal é necessário entendimento da importância que isso tem, ter compromisso político e maturidade para levar adiante medidas, em geral amargas, porém necessárias

Passados seis anos de vigência da lei do teto de gasto, o governo começou a discutir com economistas do setor privado o que poderia ser entendido como novo regime fiscal: arcabouço de regras para garantir a solvência da dívida pública.

Diferentemente do imaginado quando fez o primeiro texto sobre o assunto, em 2019, agora não se pretende mais ter uma meta para a dívida, a ser cumprida a ferro e fogo. Prefere-se estabelecer uma referência e criar incentivos para persegui-la. Nesse sentido, uma dívida bruta do governo geral equivalente a 60% do PIB estaria de bom tamanho. Mas não é seguro, ainda, que se vá escolher a dívida bruta como referência; pode ser a dívida líquida, por exemplo. O texto para discussão é intitulado “Regras fiscais: uma proposta de arcabouço sistêmico para o caso brasileiro”.

Com 60% do PIB de dívida, o Brasil passaria a ser visto como um país que não estaria entre os que carregam riscos fiscais e que flertam com a reestruturação da dívida e, portanto, pagaria menos juros para acessar os mercados de crédito e poderia, ainda, gastar um adicional em relação ao teto. Ter 75% do PIB de dívida seria uma segunda referência. Nesta o país seria visto muito negativamente pelos mercados, com grave problema de solvência e estaria condenado a gastar só o que a lei do teto permite: o que foi gasto no ano anterior corrigido pela inflação. O problema é que a dívida como proporção do PIB está, hoje, em 78%

Outra novidade que tem sido considerada pelos técnicos é que a partir de agora há condições de se retomar a política de superávits primários do governo central, abandonada em 2014. Ou seja, não seria um ponto fora da curva o governo registrar superávit neste ano. Fala-se, no Ministério da Economia, em superávit estrutural depois de oito anos consecutivos de déficit. Se o resultado primário for crescente no tempo, o governo ganhará o direito de gastar mais um pouco.

Nos primeiros encontros dos técnicos do Tesouro Nacional com representantes do setor privado, para apresentar as ideias que deverão ser consolidadas em uma proposta que subsidiaria a elaboração de medidas a serem encaminhadas ao Congresso, a preocupação foi mais com as condições políticas para aprovação desse novo arcabouço. O ambiente político que vigorava quando da aprovação da lei do teto, logo após o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, favorecia as medidas pró-ajuste.

Hoje essas condições não existem mais, e a disposição tanto do Executivo quanto do Legislativo foi se afrouxando com o tempo. O temor que foi passado para o governo, nas primeiras reuniões, foi de que se abra, com a discussão de uma Proposta de Emenda Constitucional sobre referências para a dívida, uma caixa de pandora, levando o governo a ter que ceder além do razoável e ficando a emenda pior que o soneto. Seria preciso ter um reequilíbrio de forças políticas para que o risco não se materialize.

Acredita-se entre os técnicos oficiais que o modelo de não ter meta, mas uma referência, é mais sofisticado “Ele não obriga o governo a ir na direção dos 60% do PIB de dívida, mas cria as condicionantes para que ele vá”, sintetiza uma fonte. Para esses assessores, o modelo atual não enfraquece, ao contrário, fortalece a política fiscal.

Se o governo não quiser convergir para a referência de 60% do PIB, ele não ficará travado com os gatilhos cumulativos que seriam acionados no caso de ter meta para a dívida. Mas simplesmente não poderá gastar mais do que a despesa do ano anterior corrigida pela inflação. Ou seja, terá que se contentar com a lei do teto do gasto, que, segundo fontes oficiais, permanecerá viva. Caberá aos agentes públicos definir quem vai pagar a conta do desajuste, se serão investimentos ou o funcionalismo, por exemplo.

Essa é uma outra grande diferença entre o modelo defendido em 2019 e o atual. Em 2019, os eleitos para pagar o ônus do ajuste já estavam escolhidos na forma de gatilhos. Esses suspendiam a possibilidade de se conceder aumento real ao salário mínimo, o reajuste do funcionalismo ou ainda a concessão de benefícios tributários.

Ter um conjunto de novas regras não é garantia de que o país estará voltado para as boas práticas de finanças públicas. Para ter responsabilidade fiscal é necessário entendimento da importância que isso tem, ter compromisso político e maturidade para levar adiante medidas, em geral amargas, porém necessárias para garantir que o Brasil é um país solvente.

Hipótese zero

Não há hipótese de o governo adotar, no fim do mandato, meta para as reservas cambiais. Se o Banco Central não deu atenção para os argumentos do ministro da Economia, Paulo Guedes, no início do governo - quando ele dizia nas reuniões internas que era preciso diminuir as reservas - não será agora que dará, quando existe a possibilidade de Guedes estar fora do cargo em 1º de janeiro. Diferentemente de 2019, hoje o BC goza de autonomia. Seu atual presidente tem ainda mais dois anos e meio de mandato.

Essa é a avaliação de técnicos da Economia, que não veem o menor sentido em fazer algo desse porte a três meses e meio do eventual fim do mandato de Jair Bolsonaro.

Mas um fato é inegável, as reservas cambiais têm caído, gradual e sistematicamente, desde 2019. Eram de US$ 374,8 bilhões no fim de 2018 e estavam, no último dia 13, em US$ 336,4 bilhões. Técnicos apontam um nível confortável em torno de U S$ 300 bilhões, embora haja quem defenda que possam tender a zero em um regime de câmbio flutuante.

O problema é que, ao desenhar uma proposta de meta para as reservas, o governo estaria adicionando mais volatilidade ainda à taxa de câmbio, que se transfere para a inflação, tornando mais difícil o controle da inflação na meta.

Tal volatilidade decorre do fato de o Brasil ser um país fechado. “Somos bem mais fechados do que a Colômbia, o México ou o Chile”, atesta uma fonte da área econômica. “Somos um país que deixa fluir o balanço de capitais, mas resiste em aumentar a corrente e de comércio”, completa.

Em resumo, a ideia é ruim e o momento de apresentá-la é totalmente inoportuno. A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia tem estudos sobre esse assunto. A pergunta é: “Porque só agora ele aparece?”.

É verdade que o Banco Central não tem, na sua função reação, preocupação com os custos de carregamento das reservas internacionais. Tal custo é dado pelo diferencial de taxa de juros interna e externa, que, com a Selic em 13,75% ao ano, aumentou substancialmente. O BC faz o seguro contra crises cambiais sem se importar com o custo fiscal deste. Paga o que for cobrado.

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