Valor Econômico
Abstenção assombra Lula e Bolsonaro teme
voto envergonhado
Há dois espectros rondando a reta final das
eleições: um é o impacto da abstenção eleitoral, ou seja, do não comparecimento
às urnas no dia 2 de outubro de parte considerável do eleitorado. Este já é objeto
de preocupação explícita do líder nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. O outro é o voto envergonhado. Trata-se do eleitor que, por se
sentir intimidado em seu meio social, guarda para si a opção política que traz
dentro do peito. Há sinais de que este fator está preocupando o presidente Jair
Bolsonaro e seu entorno.
Observe-se por exemplo as reações
despertadas pela agressão do deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos-SP)
à jornalista Vera Magalhães no debate de governadores da terça-feira à noite na
TV Cultura.
O parlamentar, muito conhecido pela
agressividade, abordou a jornalista e replicou as ofensivas dirigidas a ela por
Bolsonaro quando houve o debate presidencial na TV Bandeirantes. Celular em
punho, Garcia disse que Vera Magalhães era uma vergonha para o jornalismo
nacional. O ultraje terminou quando o diretor de jornalismo do canal arremessou
para longe o telefone do deputado estadual.
O episódio provocou repulsa pública até mesmo do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o filho do presidente que já se envolveu em mais de um lance de misoginia contra jornalistas.
Por que a postura diferente no episódio
mais recente? Porque agora estamos em uma campanha eleitoral e o incidente da
TV Cultura não é isolado. É o tijolo de uma catedral de intimidações que gera
um ambiente de violência tanto no plano simbólico quanto no real contra vastos
segmentos da sociedade. Vai da marmita negada por um bolsonarista a uma mulher
(novamente uma mulher) por uma opção política ao tiroteio em uma festa de
aniversário que vitimou um petista. O eleitor intimidado muitas vezes não parte
para a briga, como Vera Magalhães o faz com raro destemor. Vinga-se na urna.
Note-se que em 2018 foi possível a
Bolsonaro e ao bolsonarismo situar-se na posição de vítima da violência
política, a partir de um episódio concreto, o atentado contra sua vida em Juiz
de Fora. Naquela ocasião, o voto envergonhado beneficiou Bolsonaro. Agora todo
o clima de violência política parte de um lado só, o dele.
“Na antropologia política, o eleitor
intimidado tende a não se afastar do processo. Ele participa calado”, opina
Emerson Cervi de Almeida, professor de ciência política da Universidade Federal
do Paraná. Cervi chama a atenção para um segmento que está no momento muito
intimidado: o de evangélicos que não são bolsonaristas.
A condenação a Douglas Garcia por ter
simplesmente repetido as palavras de seu ídolo na política sinalizam que um
alerta se acendeu.
O outro fator, o da abstenção, preocupa o
líder nas pesquisas, porque ele não é neutro. A abstenção é maior nos grandes
centros urbanos, que tendem a ser mais oposicionistas, e Lula tem mais intenção
de voto nas capitais (46%) do que no interior 43%), de acordo com o último
Ipec. Lula dá sinais de que sabe que a dinâmica de um segundo turno contra
Bolsonaro lhe é desfavorável, atua para tentar liquidar a fatura no primeiro
turno e para isso cada voto conta. A abstenção no Brasil apresenta suave alta
desde 2006, quando foi de 16,8%. Em 2018, ficou em 20,3%.
O resultado das eleições não raro traz
dissabores aos petistas que se fiam na última pesquisa de intenção de voto
disponível antes da abertura das urnas.
Em 2018, o último Datafolha trazia
Bolsonaro e Haddad separados por 13 pontos percentuais entre votos totais (sem
desconsiderar os em branco e nulos). Nas urnas, a diferença foi de 15 pontos,
usando o mesmo critério. Bolsonaro marcou 35% na pesquisa e ficou com 42%.
Haddad de 22% ficou com 27%. Em 2014, o fenômeno já havia sido registrado.
Dilma Rousseff teve 40% na pesquisa Ibope e ficou com 37% nas urnas, votos
totais. Aécio Neves (PSDB) teve 24% no Ibope e 30% nas urnas. O vale de 16
pontos tornou-se uma planície de 7 pontos. Em 2010, o Datafolha dava Dilma
reeleita no primeiro turno. As urnas registraram 43% para ela e 30% para José
Serra (PSDB). Na pesquisa era 44 a 28. A distância de 18 foi para 13 pontos,
mas há de se convir que neste caso está dentro da margem de erro.
Se a história se repetir agora estará
sepultada a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno. A correlação
entre diferença de pesquisa e voto e a abstenção, contudo, está longe de ser
óbvia, embora não haja dúvidas de que trata-se de um tema que preocupa mais
Lula do que Bolsonaro. Para o cientista político Jairo Nicolau, que tem
colaborado com um instituto de pesquisa, o Quaest, ela não existe.
“Um dos motores da abstenção é o dos
eleitores acima de 70 anos, por exemplo. Metade não vota. A população idosa é
maior nos bairros de alta renda. Tem mais abstenção em Ipanema do que em Vila
Valqueire”, afirmou. Na zona eleitoral à qual Ipanema pertence, Haddad ficou em
terceiro em 2018, com 12% dos votos válidos. Bolsonaro teve 58%.
Segundo Nicolau, está entre os eleitores
mais ricos a maior parte da abstenção de natureza política, em que o eleitor
deixa de votar por opção, e não porque não está em situação regular ou não
atualizou seu domicílio eleitoral.
“Por essa perspectiva, Bolsonaro até pode
ser mais prejudicado pela abstenção do que Lula”, diz.
O avanço da biometria, lembra o
pesquisador, também atenuou a abstenção alta por desatualização de cadastro.
Para Nicolau, o fato de o PT
recorrentemente murchar um pouco no dia da eleição está mais relacionado com a
dinâmica do próprio processo eleitoral, ou com algum problema amostral
recorrente dos institutos, do que com o absenteísmo eleitoral.
A questão amostral é descartada como
hipótese por Cervi. As pesquisas no Brasil, diz ele, são mais precisas do que
nos países onde o voto de fato é facultativo. No Brasil, o comparecimento é da
ordem de 80%. Em países sem voto obrigatório, como é o caso da França, os
percentuais recuam para a casa dos 60%. Em outros casos, até menos.
Se este recuo recorrente dos petistas na
reta final não pode ser explicado pela abstenção e nem por falhas nas
pesquisas, só resta a política como razão.
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