sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Bernardo Mello Franco - Ciro e o voto útil

O Globo

Empacado nas pesquisas, pedetista amplia ataques a Lula e tenta evitar derretimento às vésperas da eleição

Ciro Gomes está nervoso. Na reta final da campanha, o candidato do PDT lançou uma cruzada contra o voto útil. Quer evitar que os eleitores o abandonem às vésperas da eleição.

Na quarta-feira, o pedetista acusou o PT de fazer “terrorismo” e “fascismo de esquerda” ao pregar o voto em Lula para encerrar a disputa no primeiro turno. “Sabe qual é uma das maiores fraudes das eleições democráticas? É o falso voto útil. É uma mistura de mentira e manipulação grosseira”, esbravejou, em vídeo divulgado ontem nas redes.

Há quatro anos, ele sustentava outra visão do fenômeno. Citava pesquisas eleitorais para defender o voto útil... em si mesmo. Com base nos números, alegava ter mais chances de vencer Jair Bolsonaro do que o petista Fernando Haddad. O discurso de 2018 fracassou, e o de 2022 parece não ter muita chance de colar.

Ciro vive um momento difícil. Sua quarta candidatura ao Planalto não decolou. Isolado e com pouco tempo de TV, ele foi incapaz de furar a polarização entre Lula e Bolsonaro. Agora aparenta ter adotado uma política de redução de danos.

Se a ida ao segundo turno virou missão quase impossível, o pedetista quer evitar o derretimento antes do primeiro. Um desempenho abaixo dos 5% enterraria de vez seu sonho presidencial. Embora diga o contrário, ele pensa em tentar de novo em 2026. Para isso, resolveu apostar tudo no discurso antipetista, mesmo que a estratégia desagrade muitos colegas de partido.

Numa democracia, o eleitor é soberano. Abraçar o voto útil pode ser tão legítimo quanto rejeitá-lo. O importante é saber o que está em jogo ao decidir.

Em 2022, um presidente de extrema direita, com projeto francamente autoritário, ameaça contestar o resultado das urnas se for derrotado. Isso tem levado pedetistas históricos a defender o voto em Lula para liquidar a fatura em 2 de outubro.

Ciro já disse que voltaria a Paris “com muito mais convicção” para não ajudar o ex-presidente num confronto direto com Bolsonaro. O fundador do seu partido faria diferente. No segundo turno de 1989, Leonel Brizola arregaçou as mangas e transferiu milhões de votos para Lula no duelo com Fernando Collor. Ao anunciar o apoio, provocou: “A política é a arte de engolir sapos. Não seria fascinante fazer agora a elite engolir o Lula, este sapo barbudo?”.

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