O Globo / O Estado de S. Paulo
Disputa tem de ir além de um triste torneio
de propostas irresponsáveis. Candidatos terão de conquistar eleitores de centro
Já não há mais esperança de que o nível da
campanha presidencial ainda possa melhorar. Frustraram-se, mais uma vez, os que
se deixaram levar pela fantasia de que, a esta altura, poderíamos estar
presenciando amplo e proveitoso debate nacional sobre os graves desafios que o
país tem pela frente. Não foi o que se viu. Nem o que se verá nos escassos 15
dias finais da campanha do primeiro turno.
Como não poderia deixar de ser, numa
eleição tão polarizada, o tom dominante da campanha vem sendo dado pelos dois
candidatos que lideram por larga margem as pesquisas de intenção de voto. Em
meio à estridência de acusações mútuas de corrupção, à troca de impropérios e
às saraivadas de promessas demagógicas, pouco se salva.
O mais angustiante, para quem entrevê a real extensão das dificuldades de ordem fiscal que terão de ser enfrentadas em 2023, é o triste torneio de propostas irresponsáveis que vem sendo travado pelos dois candidatos.
O ensandecido vale-tudo que vem sendo
promovido por Bolsonaro, desde o calote dos precatórios, no final do ano
passado, não parece ter fim. Tendo implantado um mal concebido programa de
combate à pobreza, que transformou o Bolsa Família no dispendioso Auxílio
Brasil de R$ 600, Bolsonaro agora se permite alardear a elevação do pagamento
mensal a R$ 800, caso o beneficiário comprove ter conseguido emprego.
Já Lula, como se viu em sua longa
entrevista a William Waack, na CNN Brasil, há poucos dias, continua aferrado a
inaceitável narrativa negacionista sobre as razões do colossal descarrilamento
da economia perpetrado por Dilma Rousseff. E preso a convicções insensatas
sobre que medidas de política econômica se farão necessárias, em 2023.
Alheio à precariedade do quadro fiscal que
terá de ser enfrentado por quem vier a ser eleito presidente, Lula insiste em
defender a adoção de amplo espectro de políticas expansionistas, com base no
que supostamente teria tido um “sucesso extraordinário” nos governos petistas.
De programas ousados de investimento
público e reativação do Minha Casa Minha Vida à concessão mais agressiva de
crédito pelos bancos oficiais. O ex-presidente continua convicto de que “não
tem problema você ter dívida se você tiver capacidade de fazer essa dívida para
fazer investimento e não para fazer custeio”.
Na reta final do primeiro turno, a aposta
de Lula é no “voto útil” de eleitores de candidatos de terceira via, que lhe
propiciariam o “tiquinho” que lhe falta para “liquidar a fatura” em 2 de
outubro. Será lamentável se eleitores de centro se dispuserem a já lhe dar esse
indefensável cheque em branco.
Lula precisa perceber que, se não se mover
claramente para o centro, no eixo que de fato importa, que é o da condução da
política econômica, se arriscará a perder a eleição. É difícil que se disponha
a fazer tal movimento antes do segundo turno.
Na campanha que se seguirá ao primeiro
turno, o jogo será outro. Para conquistar eleitores de centro, os dois
candidatos terão de mudar o discurso, abrandar a radicalização e tentar ser
menos populistas e menos vagos. Inclusive porque o desfecho do primeiro turno
das eleições já terá conferido muito mais nitidez à real natureza dos desafios
de articulação política que terão de ser enfrentados.
Já se saberá, afinal, a exata composição do
novo Congresso com que o presidente que for eleito no segundo turno terá de
lidar. E já se terá ideia bem mais clara do que hoje se tem de como as diversas
forças políticas do país ocuparão governos estaduais nos próximos quatro anos.
Nesse quadro político tão mais claro,
haverá menos espaço para se definir as bases da estratégia de articulação do
Planalto com o Poder Legislativo com trivialidades como “você vai ter que
conversar e vai dizer que não pode ter orçamento secreto”, com que Lula tentou
escapar, na entrevista, da pergunta sobre dificuldades de negociação com o Congresso
com que ele teria de lidar, em 2023.
Há boas razões de sobra para se levar a
disputa presidencial para o segundo turno.
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