sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Rogério Furquim Werneck - A importância do segundo turno

O Globo / O Estado de S. Paulo

Disputa tem de ir além de um triste torneio de propostas irresponsáveis. Candidatos terão de conquistar eleitores de centro

Já não há mais esperança de que o nível da campanha presidencial ainda possa melhorar. Frustraram-se, mais uma vez, os que se deixaram levar pela fantasia de que, a esta altura, poderíamos estar presenciando amplo e proveitoso debate nacional sobre os graves desafios que o país tem pela frente. Não foi o que se viu. Nem o que se verá nos escassos 15 dias finais da campanha do primeiro turno.

Como não poderia deixar de ser, numa eleição tão polarizada, o tom dominante da campanha vem sendo dado pelos dois candidatos que lideram por larga margem as pesquisas de intenção de voto. Em meio à estridência de acusações mútuas de corrupção, à troca de impropérios e às saraivadas de promessas demagógicas, pouco se salva.

O mais angustiante, para quem entrevê a real extensão das dificuldades de ordem fiscal que terão de ser enfrentadas em 2023, é o triste torneio de propostas irresponsáveis que vem sendo travado pelos dois candidatos.

O ensandecido vale-tudo que vem sendo promovido por Bolsonaro, desde o calote dos precatórios, no final do ano passado, não parece ter fim. Tendo implantado um mal concebido programa de combate à pobreza, que transformou o Bolsa Família no dispendioso Auxílio Brasil de R$ 600, Bolsonaro agora se permite alardear a elevação do pagamento mensal a R$ 800, caso o beneficiário comprove ter conseguido emprego.

Já Lula, como se viu em sua longa entrevista a William Waack, na CNN Brasil, há poucos dias, continua aferrado a inaceitável narrativa negacionista sobre as razões do colossal descarrilamento da economia perpetrado por Dilma Rousseff. E preso a convicções insensatas sobre que medidas de política econômica se farão necessárias, em 2023.

Alheio à precariedade do quadro fiscal que terá de ser enfrentado por quem vier a ser eleito presidente, Lula insiste em defender a adoção de amplo espectro de políticas expansionistas, com base no que supostamente teria tido um “sucesso extraordinário” nos governos petistas.

De programas ousados de investimento público e reativação do Minha Casa Minha Vida à concessão mais agressiva de crédito pelos bancos oficiais. O ex-presidente continua convicto de que “não tem problema você ter dívida se você tiver capacidade de fazer essa dívida para fazer investimento e não para fazer custeio”.

Na reta final do primeiro turno, a aposta de Lula é no “voto útil” de eleitores de candidatos de terceira via, que lhe propiciariam o “tiquinho” que lhe falta para “liquidar a fatura” em 2 de outubro. Será lamentável se eleitores de centro se dispuserem a já lhe dar esse indefensável cheque em branco.

Lula precisa perceber que, se não se mover claramente para o centro, no eixo que de fato importa, que é o da condução da política econômica, se arriscará a perder a eleição. É difícil que se disponha a fazer tal movimento antes do segundo turno.

Na campanha que se seguirá ao primeiro turno, o jogo será outro. Para conquistar eleitores de centro, os dois candidatos terão de mudar o discurso, abrandar a radicalização e tentar ser menos populistas e menos vagos. Inclusive porque o desfecho do primeiro turno das eleições já terá conferido muito mais nitidez à real natureza dos desafios de articulação política que terão de ser enfrentados.

Já se saberá, afinal, a exata composição do novo Congresso com que o presidente que for eleito no segundo turno terá de lidar. E já se terá ideia bem mais clara do que hoje se tem de como as diversas forças políticas do país ocuparão governos estaduais nos próximos quatro anos.

Nesse quadro político tão mais claro, haverá menos espaço para se definir as bases da estratégia de articulação do Planalto com o Poder Legislativo com trivialidades como “você vai ter que conversar e vai dizer que não pode ter orçamento secreto”, com que Lula tentou escapar, na entrevista, da pergunta sobre dificuldades de negociação com o Congresso com que ele teria de lidar, em 2023.

Há boas razões de sobra para se levar a disputa presidencial para o segundo turno.

 

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