Brasil volta a ser visto como lugar bom para corruptos
O Globo
No ranking da Transparência Internacional,
país caiu para a 107ª posição, sua pior colocação
O Brasil obteve no ano passado a pior colocação no ranking sobre percepção de corrupção da ONG Transparência Internacional desde que ele começou, em 2012. Há dez anos, estava no mesmo patamar de Bulgária, Grécia, Itália e Romênia. De lá para cá, todos melhoraram. O Brasil foi exceção. Agora estamos empatados com Argélia, Nepal e Níger. No Judiciário, o desmonte do combate à corrupção ficou patente em decisões favoráveis a implicados pela Operação Lava-Jato que haviam confessado crimes. Em vez de corrigir os erros da operação, optou-se por anulações indiscriminadas. No Legislativo, o inchaço das emendas parlamentares passou a irrigar esquemas de desvio de dinheiro público. Não surpreende que o Brasil tenha despencado da 69ª posição, alcançada em 2012, e hoje esteja no 107º lugar entre os 180 países avaliados no ranking da Transparência.
O ministro Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF),
é apontado pelo relatório da Transparência Internacional como responsável pelas
decisões de maior impacto negativo no Judiciário. Em 2023, ele anulou sozinho
as provas do acordo de leniência da Odebrecht. Sua decisão monocrática, segundo
a Transparência, “produziu efeito devastador em 2024, levando à anulação de
mais de uma centena de casos no Brasil e beneficiando outros réus em, pelo
menos, uma dezena de jurisdições estrangeiras”. Nos dois últimos anos, Toffoli
suspendeu multas bilionárias do grupo J&F e da Odebrecht e negou-se a levar
os casos para a apreciação do plenário da Corte. O procurador-geral da
República, Paulo Gonet, recorreu de quase todas as decisões, mas até o momento
o STF pouco — se algo — fez para analisar os recursos.
Faz tempo o Legislativo tem sido uma usina de
escândalos relacionados a emendas parlamentares. O ano passado não foi
diferente. Entre 2022 e 2024, o orçamento empenhado em emendas cresceu 63%,
chegando a R$ 46 bilhões. Nenhum Parlamento no mundo destina gastos na mesma
proporção. A anomalia prima pela opacidade. Deputados e senadores fazem o que
podem para esconder quem toma as decisões e o destino dos recursos. Depois de
as emendas do relator que alimentavam o “orçamento secreto” serem julgadas
inconstitucionais em 2022, os parlamentares passaram a usar as emendas de
comissão para dirigir os recursos, um subterfúgio para impossibilitar a
identificação do “parlamentar patrocinador”. Episódios escabrosos de desvios e
corrupção aparecem sempre que há esforço maior de investigação.
A Transparência elogia as decisões do
ministro Flávio
Dino, do STF, relativas às emendas. Em decisões monocráticas depois
confirmadas por seus pares, Dino tem defendido a transparência e a
rastreabilidade do gasto público. Cada movimento do Congresso para tentar
justificar o gigantismo e a opacidade das emendas aumenta a convicção de que
algo de errado ocorre no Brasil. Pelas declarações dos recém-empossados
presidentes da Câmara e do Senado, prosseguirá o embate do Parlamento com a
Constituição. As tentativas de enfraquecer a Lei da Ficha Limpa e de anistiar os
golpistas do 8 de Janeiro em nada contribuem para atenuar a percepção de
leniência com a corrupção. A queda do Brasil na lista da Transparência poderá
ser ainda mais vergonhosa.
Auditoria na Previ é oportuna pelos riscos
que ameaçam fundos de pensão
O Globo
Uso político e envolvimento em escândalos de
corrupção deterioraram patrimônio dos cotistas no passado
Foi preciso o ministro Walton Alencar, do
Tribunal de Contas da União (TCU),
pedir urgência para que os técnicos enfim dessem início à auditoria na Previ, o
bilionário fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (BB), aprovada
em agosto do ano passado. A auditoria recoloca em questão o uso dos fundos de
pensão das estatais para turbinar planos de investimento mal estruturados e de
execução obscura, com fins nitidamente políticos. Vale lembrar que, no passado
recente, Previ, Petros (da Petrobras) e Funcef (da Caixa Econômica) despejaram
recursos de seus cotistas em investimentos sem fundamento técnico, que
resultavam no pagamento de propinas a partidos e políticos, desmascaradas no
escândalo do petrolão.
O objetivo inicial da auditoria na Previ era
apurar se a indicação, em 2023, do sindicalista João Fukunaga para o comando do
maior fundo de pensão da América Latina obedecera às normas legais. Fukunaga é
funcionário concursado do BB e fez carreira como secretário do Sindicato dos
Bancários de São
Paulo. A urgência solicitada por Alencar vem, porém, da constatação
adicional de que o principal plano de previdência da Previ fechou o período de
janeiro a novembro de 2024 com perdas de R$ 14 bilhões.
É perfeitamente possível que o déficit possa
resultar de desequilíbrio técnico nos ativos mantidos pelo fundo, cuja carteira
flutua segundo valores de mercado (esse déficit só se transforma em prejuízo
para os cotistas caso os ativos sejam vendidos). Apesar disso, Alencar
justifica a urgência pela necessidade de mapear “potenciais riscos”. E cita “os
muitos exemplos danosos já ocorridos”.
Nos anos 1990, durante os governos Fernando
Henrique Cardoso, os fundos de pensão investiram na privatização de estatais,
nem sempre com resultados positivos. Os piores danos ocorreram nas gestões
petistas. Previ, Petros e Funcef foram essenciais para a criação da Sete
Brasil, estatal cujo objetivo era encomendar 29 sondas aos estaleiros nacionais
e alugá-las à Petrobras. A Sete naufragou em dívidas, jamais foi competitiva no
mercado e ganhou destaque como foco da corrupção desmascarada pelas investigações
da Operação Lava-Jato. A empresa pediu recuperação judicial em 2016, e sua
falência foi decretada em 2019. Hoje, a massa falida pede na Justiça
indenização à Petrobras. Funcionários do Banco do Brasil, da Petrobras e da
Caixa tiveram de fazer contribuições extraordinárias para tapar os rombos.
Tal história mostra os riscos a que estão
sujeitos os fundos de pensão das estatais. É preciso proteger o patrimônio de
seus cotistas e evitar que casos assim se repitam. Por isso a auditoria do TCU
é tão oportuna.
Lula precisa deixar o Banco Central trabalhar
em paz
Valor Econômico
Toda vez em que pensou em voz alta, Lula
piorou bastante as condições em que opera o ministro da Fazenda, que já tem
problemas em demasia para resolver
Para reeguer a popularidade do governo, em
baixa nas pesquisas, o presidente Lula foi aconselhado por seus marqueteiros a
aparecer e falar mais. A julgar pelas entrevistas e discursos mais recentes, a
melhor forma de Lula atingir seu objetivo seria fazer o contrário e cultivar a
discrição. As intervenções do presidente na área da economia têm sido
divisivas, arranham a credibilidade do ministro da Fazenda e trazem custos,
como a elevação dos juros futuros, que ditam o preço do dinheiro a consumidores
e empresas.
Ao falar ontem à Rádio Diário FM, de Macapá,
Lula disse “ter certeza de que o Galípolo vai consertar a taxa de juros neste
país”, o que seria apenas questão de tempo. No dia 6, afirmara que a inflação
dos alimentos foi causada pela alta do dólar e pela “atuação irresponsável do
BC”, que na gestão anterior armou uma “arapuca que a gente não pode desmontar
de uma hora para outra”. Lula tem insistido em estabelecer uma clivagem entre o
que foi o BC dirigido por Roberto Campos Neto, a quem fustigou o tempo todo por
ter sido escolhido por Jair Bolsonaro, e o que será o BC em seu governo, com
Gabriel Galípolo na presidência.
Galípolo fez a ponte entre Lula e o mercado
financeiro durante a campanha eleitoral, participou da equipe de transição do
governo e foi o número dois do Ministério da Fazenda, comandado por Fernando
Haddad. Campos Neto teve trajetória parecida, mas no campo de Bolsonaro.
Lula tem várias implicâncias com o Banco
Central e uma das principais é que não pode mandar na instituição. O BC ganhou
autonomia formal, um arranjo sob o qual, com variações, convivem seus
congêneres nos países desenvolvidos. Com o PT e aliados minoritários no
Congresso, o governo não conseguiria mudar a situação e passou a criticar a
política monetária, com consequências nefastas. Ao realçar o fosso entre a
política monetária contracionista e a política fiscal expansionista, da
predileção de Lula, os mercados passaram a considerar o então futuro dirigente
da instituição, Galípolo, com a mesma desconfiança com que Lula via Campos
Neto, ou seja, como um dirigente que aceitaria a ingerência do Planalto nos
rumos da política monetária. Nada disso ocorreu até agora.
As declarações de apreço de Lula por
Galípolo, além de não dizerem nada que possa mudar a percepção da população,
têm o condão de aumentar a desconfiança nos mercados. O presidente vende a
política do presidente do BC como se ela fosse muito diferente da de seu
antecessor, como se Galípolo não tivesse participado por um ano como diretor de
política monetária da instituição. Lula insinua que haveria uma orientação
política distinta própria de Galípolo que ele ainda não teria podido
manifestar, como a de, nas palavras de Lula, “consertar os juros”, isto é,
reduzi-los bastante.
Ontem Galípolo fez uma explanação
convencional sobre a atuação do BC para enfrentar a inflação, afirmando que o
“remédio” dos juros altos vai funcionar e que a instituição mostrou que pode
“colocar a taxa de juros em patamar restritivo e seguir nessa direção”. Não há
qualquer indício de que os juros estejam fora do lugar e precisem de conserto,
nas falas do presidente do BC. Por enquanto, as alocuções de Lula são mais a
expressão de um desejo, sem base na realidade. Mas palavras de um presidente da
República têm peso e elas ficarão na memória dos investidores, à espera de
detectar um mínimo que seja que pareça ortodoxia de Galípolo e que possa
reforçar uma suspeita ventilada por Lula. É um peso que Galípolo não precisaria
carregar.
Lula e o PT foram contrários à independência
do BC e ao sistema de metas de inflação. Ele gostaria de ter ascendência sobre
a instituição. A última vez que isso ocorreu, com a presidente Dilma Rousseff,
a inflação ultrapassou dois dígitos, acentuando um clima de crise que culminou
na maior recessão em quase um século.
O presidente Lula deixou várias vezes ao
relento o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em sua cruzada por alguma
austeridade fiscal na atual gestão. Primeiro, desdenhou publicamente da
necessidade de superávits fiscais. Em um de seus atos de maior consequência,
incluiu em um pacote de ajuste fiscal, concebido para aplacar a desconfiança
dos investidores sobre a trajetória do endividamento público, medidas que
derrubarão as receitas (a isenção de IR para até cinco salários mínimos).
Quando, sob sua inspiração, as metas fiscais foram mudadas já no primeiro ano
do novo regime fiscal, o dólar deu um salto. Após o anúncio, em novembro, do
pacote pífio que mal continha gastos, o dólar ultrapassou R$ 6.
Ao contrário das avaliações colegiadas do BC,
seja com Campos Neto, seja com Galípolo, Lula não acha que o enorme avanço dos
gastos públicos em sua gestão tenha empurrado os índices de preços de novo aos
dois dígitos, nem que essa seja uma das causas da inflação. Ainda que não tenha
formulado em público uma teoria a respeito, o presidente crê que o crescimento
depende dos investimentos e dos gastos do Estado. Agora, enquanto os juros
apontam para a lua, Lula pretende aumentar o crédito via bancos públicos, desacreditando
da importância de esfriar a demanda para conter os preços. Toda vez em que
pensou em voz alta, piorou bastante as condições em que opera o ministro da
Fazenda, que já tem problemas em demasia para resolver.
Fiasco em ranking de corrupção é resultado
lógico
Folha de S. Paulo
Má posição do Brasil reflete práticas como o
desmantelamento da Lava Jato no STF e farra das emendas no Congresso
Na vida pública, como na particular, é
frequentemente possível optar por um ou outro caminho a seguir. Entretanto não
se podem escolher as consequências da opção tomada. Tal reflexão é válida para
ilustrar o lamentável afrouxamento, nos últimos anos, das regras e práticas
destinadas a coibir a corrupção no
Brasil.
A progressiva tolerância com a rapinagem do
colarinho branco configurou, nesse período recente, o verdadeiro e talvez único
projeto de união nacional a agregar o chamado centrão e os dois polos do
espectro partidário. Do congraçamento participam também as cúpulas do
Executivo, Legislativo e Judiciário.
Escolha feita, consequência deflagrada. Em
2024, o Brasil teve o pior desempenho em 12 anos no mais reputado levantamento
global sobre a percepção da corrupção. O país caiu três posições em relação a
2023 e foi
o 107º colocado numa lista de 180 nações arroladas no indicador da
Transparência Internacional.
O Brasil divide a desonrosa posição com Turquia, Argélia, Tailândia,
Níger, Maláui e Nepal. No escore
sintético, produzido com dados de organizações globais e entrevistas com
agentes privados, a república brasileira caiu também em termos absolutos e é
tida como mais corrupta que Índia, Indonésia e Marrocos.
Mas o ministro da Controladoria-Geral da
União, Vinicius Carvalho, mostra-se bem menos preocupado com o retrocesso no
combate ao flagelo da corrupção do que com a má imagem do país revelada pelo
documento da Transparência Internacional. Levar a sério esse indicador pode,
segundo ele, alimentar "narrativas que minam a confiança nas instituições
democráticas".
Tornou-se lugar-comum do discurso governista
tratar a veiculação de dados ou argumentos desabonadores como ameaças de bomba
atômica autoritária. Enquanto isso, dissimula-se o acordão formado nas altas
esferas da República para destruir os esforços anticorrupção do passado e fazer
vista grossa a potenciais desmandos do presente.
Uma
reviravolta do Supremo Tribunal Federal enterrou, para efeitos
práticos, um dos maiores escândalos de desmandos com dinheiro público que já se
documentaram no país sob a Lava Jato. O Palácio do Planalto passa a mão na
cabeça de um ministro sob suspeita de desviar recursos da estatal Codevasf.
A sem-cerimônia com que deputados federais e
senadores torram
bilhões em emendas de escasso controle escancara o baixíssimo risco de
operações fraudulentas serem objeto de detecção, denúncias e condenações
judiciais definitivas. A farra se dissemina em Assembleias estaduais e Câmaras
municipais.
Desmerecer o diagnóstico da Transparência
Internacional não mudará a realidade de que a corrupção vem se tornando mais
tolerável no Estado brasileiro. Se há algo que desestabiliza a democracia nesse
tema é o descaso com o dinheiro dos contribuintes.
A armadilha da anistia
Folha de S. Paulo
Ao minimizar 8 de janeiro, Hugo Motta cria
problema para si mesmo e para o país, ainda que penas tenham sido exageradas
Os parlamentares que são eleitos para
presidir a Câmara
dos Deputados e o Senado tornam-se
magistrados. Sua missão principal deixa de ser a de atuar como representantes
dos eleitores e passa a ser a de coordenar os trabalhos das Casas.
Isso fica muito claro na disposição dos
regimentos internos, determinando que os presidentes não votem em matérias
legislativas, exceto em duas situações: em escrutínios secretos ou em caso de
empate, quando ganham o superpoder de decidir a questão.
A ideia é isolar tanto quanto possível o
comando das duas Casas de posições políticas mais explícitas, que poderiam
dificultar a tarefa de quem está encarregado de arbitrar as disputas que possam
surgir no processo.
Para o neófito Hugo Motta (Republicanos-PB),
o novo chefe da Câmara, agir como magistrado significa alternar declarações que
agradem aos diferentes grupos políticos. Já o veterano Davi
Alcolumbre (União-AP), que voltou a comandar o Senado, parece seguir a
máxima segundo a qual magistrados buscam certa discrição e só se pronunciam
quando é indispensável fazê-lo.
Alcolumbre começa melhor do que Motta, que
criou um problema para si mesmo ao afirmar que não
considera o 8 de janeiro uma tentativa de golpe de Estado. Com tal
declaração, ele conseguiu agradar
à base bolsonarista, mas indispôs-se com os governistas, parte do centro e
da direita não bolsonarista e também com o Supremo Tribunal Federal.
Em termos mais práticos, a fala de Motta fez
com que aumentasse a pressão para que ele paute a votação de projetos de lei
que podem beneficiar Bolsonaro.
Se algum desses textos avançar, podemos
esperar várias crises, dentro e fora do Parlamento. Qualquer medida dessa
natureza será judicializada, criando a possibilidade de confronto entre o STF e o
Legislativo.
E, se faltou sabedoria política a Motta para
evitar essa armadilha, algo semelhante pode ser dito dos ministros do Supremo.
Ao contrário do que sugere o discurso da
direita radical, a corte não veio para cima dos bolsonaristas como um
Robespierre com sede de vingança. Mais de cinco centenas dos denunciados
pelo Ministério
Público por envolvimento no 8/1 assinaram acordos de não persecução
penal e foram liberados com sanções quase simbólicas.
Alguns dos que foram condenados, entretanto,
amargaram penas de 17 anos, francamente
um exagero, em especial quando se considera que nenhum deles pode ser
descrito como o cabeça do movimento golpista.
O ‘vale-tudo’ dos penduricalhos
O Estado de S. Paulo
Em decisão contra pagamento retroativo de um
auxílio, ministro Flávio Dino critica profusão de benefícios, lembra da
importância de seguir as leis e manda duros recados ao Judiciário
Ao barrar o pagamento retroativo de um
penduricalho a um juiz federal de Minas Gerais, o ministro Flávio Dino, do
Supremo Tribunal Federal (STF), teceu duras críticas à profusão de benefícios
autoconcedidos pelo Judiciário. Em uma decisão de apenas cinco páginas, Dino
afirmou que há um “inaceitável ‘vale-tudo’” na criação de auxílios que culminam
nos chamados supersalários, violações grosseiras do teto constitucional para
remuneração dos servidores públicos.
No caso concreto, o juiz pleiteava receber
desde 2007 um auxílio-alimentação criado em 2011. O magistrado fora atendido em
instâncias inferiores, mas, ao julgar um recurso da União, Dino disse que não
cabe ao Judiciário conceder auxílios, além de emitir considerações que, a bem
da moralidade pública, deveriam sensibilizar seus colegas de toga.
Esse penduricalho nasceu de uma resolução do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editada para espelhar auxílios do
Ministério Público (MP) à magistratura. Justifica essa medida uma tal simetria
entre as carreiras, segundo a qual juízes e membros do MP têm direito aos
mesmos benefícios.
Ocorre que, com base nesse argumento,
passou-se a irrigar os contracheques de juízes com os mais diversos tipos de
pagamento. E, para Dino, não são razoáveis as “infinitas demandas por
‘isonomia’” entre as carreiras jurídicas que, na prática, impedem a “organização,
congruência e previsibilidade no sistema de remuneração”.
Tantos são os penduricalhos criados, e não
raro de forma opaca, que a sociedade é sempre surpreendida com essas benesses.
Chamadas de indenizações, elas burlam o Imposto de Renda e o teto
constitucional, hoje de R$ 46,4 mil, o salário de um ministro do STF. Essa
falta de transparência não passou despercebida pelo ministro.
Segundo Dino, “hoje é rigorosamente
impossível alguém identificar qual o teto efetivamente observado, quais
parcelas são pagas e se realmente são indenizatórias, tal é a multiplicidade de
pagamentos, com as mais variadas razões enunciadas (isonomia, ‘acervo’,
compensações, ‘venda’ de benefícios etc)”. De uns tempos para cá, proliferaram,
por exemplo, penduricalhos para compensar juízes por um alegado excesso de
trabalho com a concessão de folgas que podem ser convertidas em dinheiro.
Como este jornal revelou, há ainda a
“dezembrada”, quando, em fim de ano, os cofres do Judiciário são abertos para
bancar toda sorte de privilégios incompatíveis com a própria ideia de
República. Não à toa, Dino citou um “auxílio-alimentação natalino” como
sinônimo do “vale-tudo”. Impossível não lembrar o “vale-peru” de até R$ 10 mil
pago aos servidores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), a título da
“cobertura das necessidades nutricionais diárias da pessoa humana, com
dignidade”. Dino destacou ainda que o Judiciário não pode driblar o Legislativo
no que concerne à autoconcessão de benefícios, pois seguir a Constituição e as
leis é uma “orientação fundamental para evitar abusos, como rotineiramente tem
sido noticiado acerca de pagamentos denominados de ‘supersalários’”.
Quando um ministro do STF chega à conclusão
de que há tanta coisa fora do lugar, passou da hora de o País discutir
seriamente o fim desses penduricalhos. Não se trata, como disse há poucos dias
o ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, de críticas “injustas” ou
“fruto da incompreensão do trabalho dos juízes”, até porque Dino conhece bem a
magistratura. Antes de enveredar pela política e de chegar ao STF, Dino foi
juiz federal e presidiu a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Ainda não é possível dizer se Dino é uma voz
isolada no STF, se catalisou um movimento de indignação na Corte ou se está
alinhado com o governo Lula da Silva, que chegou a propor limites aos
supersalários, o que levou à reação imediata e refratária no Judiciário. O que
se pode afirmar é que, num movimento raro, um integrante da mais alta Corte do
País manifestou desconforto com o que grande parcela de seus colegas de toga
parece não se incomodar há tempos. E só isso basta para que os recados dados
por Dino nos autos recebam a atenção de seus pares.
O IPCA que engana
O Estado de S. Paulo
Bônus de Itaipu contribui para a
desaceleração da inflação em janeiro, mas não passa de alívio pontual no bolso
de consumidores ainda muito pressionados pelo aumento dos preços dos alimentos
O alívio da inflação em janeiro, com alta de
apenas 0,16%, depois de um aumento de 0,52% em dezembro, poderia ser auspicioso
para a economia, não fosse o bônus de Itaipu, que deixou a energia elétrica
14,21% mais barata no mês. A redução com o custo da eletricidade gerada pela
usina impactou o IPCA em -0,55 ponto porcentual. Sem essa contribuição, a
inflação de janeiro teria chegado a 0,71%, e a taxa acumulada em 12 meses teria
alcançado 5,13%, segundo cálculo do economista André Braz, do FGV Ibre.
A questão é que o “desconto” nas tarifas de
energia tem fôlego curto, e a queda verificada no mês passado virá como alta em
fevereiro. É um movimento natural, haja vista que não houve mudança estrutural
na formação de preços, mas apenas um encontro de contas no saldo da usina
administrada paritariamente por Brasil e Paraguai. E, mesmo com a forte
desaceleração que o bônus de R$ 1,3 bilhão repassado às contas de luz
representou para a inflação em janeiro, a taxa anualizada continuou acima do
teto da meta de 3% fixada pelo governo, chegando a 4,56% em janeiro.
Importantes grupos de preços continuam
subindo, como transportes e alimentos, estes em sua quinta alta mensal
consecutiva, e o peso da inflação sobre o consumidor não ficou atenuado pelo
resultado fora da curva do mês de janeiro. Apesar do respiro do IPCA, a
escalada dos preços continua preocupante – ou, para usar a linguagem do Banco
Central, o cenário é adverso para a inflação dos alimentos no médio prazo.
Mas o governo Lula da Silva decidiu entrar no
modo negação e desdenhar olimpicamente da pressão inflacionária e seus efeitos
na economia. Primeiro, o presidente recomendou à população que deixasse de
comprar produtos caros para forçar a queda de preços. O roteiro resultou numa
enxurrada de críticas, pois a carestia à qual se refere o petista abrange itens
essenciais, como café, óleo, leite e carne, e não supérfluos ou produtos
sofisticados.
Na sequência, ministros também minimizaram a
inflação dos alimentos, justamente um dos itens que mais pesam no bolso dos
mais pobres. De acordo com o IBGE, famílias com renda mensal de até dois
salários mínimos gastam mais de 60% de seu orçamento mensal para custear casa e
comida.
Antes mesmo da divulgação da desaceleração do
IPCA de janeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista a uma
rádio de Caruaru (PE), disse que “todos os preços” hoje estão abaixo dos que “o
presidente Lula herdou de Bolsonaro”, e sustentou que a política de valorização
do salário mínimo, com reajustes acima da inflação, vai manter o poder de
compra. Há pouco tempo, era Haddad quem insistia em mais medidas de ajuste
fiscal para compensar o minguado pacote fiscal anunciado em novembro na busca
pelo reequilíbrio das contas públicas.
Agora, o ministro atribui quase
exclusivamente ao aumento do dólar – e seu impacto nas exportações – a alta dos
preços internos, e coloca a pressão cambial tão somente na conta da eleição de
Donald Trump como presidente dos EUA. Este, aliás, foi um dos argumentos que
sustentaram a ideia de uma ala do PT segundo a qual a taxação das exportações
poderia reduzir a inflação, uma possibilidade que causou reação negativa tão
forte que obrigou o governo a descartá-la oficialmente.
Taxar produtos exportados ou fixar novas
regras para os cartões de refeição não resolverá o problema da inflação, mas o
governo segue tentando subestimar a alta inflacionária. Em entrevista a uma
rádio na Bahia, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que chegou a falar em um
“conjunto de intervenções” para baratear preços nos supermercados, disse que a
inflação foi “infinitamente menor” nos dois anos do governo Lula do que nos
quatro de Bolsonaro.
Houve, de fato, expressivos estouros de meta
na gestão Bolsonaro, especialmente nos dois últimos anos, quando a inflação
bateu 10,06% (2021) e 5,79% (2022), parte pelas ações de combate à pandemia de
covid-19, parte por gastos em ano de campanha eleitoral. Em vez de buscar se
eximir de sua responsabilidade com base em comparações, o governo deveria olhar
para si mesmo e concentrar esforços na redução de seus próprios gastos.
Polarização total no Equador
O Estado de S. Paulo
Eleição equatoriana é teste para liderança do
Brasil na região, vença quem vencer
Assolado pelo crime organizado e por apagões
energéticos frequentes, o outrora estável Equador decidirá em 13 de abril quem
será seu próximo presidente: Daniel Noboa, que cumpre mandato-tampão, ou Luisa
González, apadrinhada do ex-presidente Rafael Correa, a quem Noboa já derrotou
em 2023. Tal polarização, para o bem do Equador e também do Brasil, precisa
ficar para trás tão logo o segundo turno seja realizado.
González perdeu há dois anos, mas saiu
fortalecida do primeiro turno eleitoral recém-realizado. Pesquisa de boca de
urna chegou a cravar a reeleição do atual presidente em primeiro turno, mas os
resultados finais foram bem apertados. Em uma eleição com 16 candidatos, Noboa
e González tiveram algo como 44% dos votos válidos cada um, com ligeira
vantagem para o incumbente, o que antecipa uma intensa disputa por votos nos
próximos dois meses.
Desencantados com a democracia, apenas 42%
dos equatorianos apoiavam o sistema em 2024, depois de um pico de 71% em 2015,
segundo o Latinobarómetro. De um lado está Noboa, filho do homem mais rico do
Equador, fã de Donald Trump e defensor de linha duríssima contra o crime. Do
outro, está González, uma esquerdista evangélica cujo partido, o Revolução
Cidadã, busca restaurar o auge do correísmo, movimento do ex-presidente,
condenado por corrupção à revelia e atualmente exilado na Bélgica.
Além de importante do ponto de vista da
liderança regional brasileira e do equilíbrio de forças ideológicas na região –
Noboa tende a se alinhar a Trump, enquanto o partido de González é próximo do
ditador Nicolás Maduro –, as eleições equatorianas são particularmente
relevantes para o Brasil em razão da internacionalização cada vez maior do
tráfico de drogas na Região Amazônica.
Há evidências de laços entre o crime
equatoriano e facções criminosas brasileiras, como o Primeiro Comando da
Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). O país andino, que faz fronteira com
os grandes produtores de cocaína Colômbia e Peru, serve como entreposto de
armazenamento de drogas, que depois são escoadas pelo Brasil, tanto para o
abastecimento interno como para o envio a grandes centros consumidores na
Europa e nos Estados Unidos.
Cada vez mais conectados, os grupos
criminosos de países sul-americanos exploram o tráfico na região de maneira
profissional, maximizando ganhos enquanto aterrorizam as empobrecidas
populações locais, que, sem oportunidades, se tornam presas fáceis do crime
organizado.
Vença quem vencer no Equador, cabe ao Brasil
exercer a liderança que lhe cabe como maior economia da região e buscar
integração regional efetiva. Além do compartilhamento de inteligência policial,
a elaboração de plano de desenvolvimento efetivo para a população local é
fundamental para que a criminalidade não encontre mais ali terreno fértil para
a proliferação de negócios sangrentos.
Não se trata de tarefa fácil nem para o
conflagrado Equador nem para o Brasil, mas é algo necessário e urgente. Se o
clima de polarização não for superado tão logo o resultado do segundo turno
seja conhecido, as perspectivas para a região serão sombrias.
Escola sem celulares e sem traumas
Correio Braziliense
Nas redes sociais, há vídeos em que os
estudantes reconhecem que a separação temporária do celular eleva o grau de
atenção e de aprendizado durante as aulas
Por vários meses, desde de 2024, o debate
sobre a proibição de celulares nas escolas atraiu a atenção dos brasileiros.
Mas a maioria dos adultos entendeu que o veto à telinha, no ambiente escolar,
era medida necessária. Docentes de quase todas as etapas do ensino não tinham
dúvida de que a medida seria essencial, assim como ocorreu em vários países,
como Suécia, Suíça, Portugal, Espanha e Austrália. Em 14 de janeiro último,
entrou em vigor a Lei nº 15.100, dispondo sobre a utilização, por estudantes,
de aparelhos eletrônicos portáteis nos colégios públicos e privados de ensino
da educação básica.
Para os educadores favoráveis à lei, o
dispositivo móvel comprometia a concentração dos estudantes, o processo de
aprendizagem e a interação social entre eles. As regras não são rígidas e
abrem exceções, admitindo que o celular é necessário para garantir
acessibilidade, inclusão, direitos fundamentais e atender às condições de
saúde do estudante.
No Distrito Federal, a rede pública de
ensino não permite ao aluno manipular o celular. Na rede privada, não há
condescendência — os estudantes só voltam a ter contato com o celular após o
término de todas as atividades. Um professor de escola particular, que
não quis ser identificado, relatou ao Correio Braziliense que os alunos
estão cientes da nova regra e até lembram a outros que não mexam em seus
aparelhos, dentro e fora da sala de aula. Nas redes sociais, há vídeos em que os
estudantes reconhecem que a separação temporária do celular eleva o grau de
atenção e de aprendizado durante as aulas. Há, portanto, sinais de que a
adaptação não será tão dolorida quanto muitos imaginaram.
Obviamente, haverá casos, em várias unidades
de ensino, que se terá de recorrer à orientação descrita na lei. Uma delas é a
de traçar estratégias para mitigar o sofrimento psíquico e preservar a saúde
mental de crianças e adolescentes, que tinham aparelho quase como parte do seu
corpo. Terão ainda que criar uma sala de escuta para estudantes ou funcionários
em situação de sofrimento psíquico e mental, devido ao que a Organização
Mundial da Saúde (OMS) conceituou como nomofobia, ou seja ansiedade, estresse
ou desconforto resultante da falta de acesso pleno ao telefone celular e suas
funcionalidades.
Embora a tecnologia seja uma conquista
contemporânea, no campo da educação há alguns senões ante essa dependência. A
Suécia, um dos países mais desenvolvidos e ricos do planeta, aboliu, em 2023,
não só o celular mas também os notebooks nas escolas. Desde então, retornou ao
ensino tradicional, com um investimento de 45 milhões de euros (R$ 242 milhões)
em livros impressos e escrita à mão nos cadernos. "Estamos em
risco de criar uma geração de analfabetos funcionais", advertiu a ministra
da Educação, Lotta Edholm, após ver a nota do país despencar no Estudo
Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS), exame internacional que avalia o
desempenho em leitura de estudantes.
Repensar a educação e como garantir o acesso de todos — crianças, jovens e adultos—, não só por meio das novas tecnologias, pode representar avanços significativos para melhorar uma sociedade e elevar o seu grau de desenvolvimento, em todos os sentidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário