quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Reforma é o desempate entre Rui Costa e Haddad - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O batismo de 2025 foi dado por um egresso da finada frente ampla: “Temos nos ocupado muito com renda e emprego mas, no fundo, as pessoas só se preocupam com a inflação”

A crença de que o ano só começa depois do carnaval ganhou ainda mais adeptos com a previsão de que o Orçamento será votado em março. Mas não é preciso esperar esta aprovação, inequívoca visto que o Congresso hoje é seu sócio quase majoritário. Tampouco é preciso aguardar a reforma ministerial ou a equação para as emendas para se concluir que o ano começou antes mesmo da troca de calendário.

Seu ponto de partida foi dado por um graúdo integrante deste governo egresso da finada frente ampla que o elegeu: “Temos nos ocupado muito com a renda e o emprego mas, no fundo, as pessoas só se preocupam com a inflação”. Esses dois polos estão representados pelos ministros da Casa Civil e da Fazenda. O peso de cada um deles sobre o presidente da República define rumos mais do que toda a Esplanada.

Ninguém tem dúvida de que o ano, que já começou sob o signo da decisão de Lula de não avalizar o ajuste pretendido pela Fazenda, manteve, com a trapalhada do Pix, Fernando Haddad no escanteio. O ministro é um dos poucos no entorno do chefe capaz de lhe dizer: “O senhor pensa A e eu penso B. Vou fazer A mas vou lhe dizer o que vai acontecer”. Ter razão nem sempre é o melhor caminho pra vencer a parada. Só que, desta vez, aconteceu. Repara onde vai parar o juro.

No outro polo está o ministro que mais emplaca teses. A de que o governo é bom mas se comunica mal lastreou a troca na Secom, mas foi má conselheira de Rui Costa na troca da laranja pelo limão. A de que o governo é ruim porque os ministros são desorganizados e não reconhecem a autoridade da Casa Civil favorece a si e aos seus, como o ministro das Minas e Energia. A de que Haddad é Joaquim Levy II e o governo vai perder sua base social abre portas para Gleisi Hoffmann na Secretaria-Geral da Presidência.

Se Haddad recobrou fôlego é porque ficou claro o efeito corrosivo da inflação sobre a popularidade do presidente. Ainda não se sabe, porém, se terá força para operar mudanças adicionais. Em vez de contingenciar o Orçamento no fim do ano, como em 2024, fazê-lo no início para ir soltando à medida das contingências políticas e fiscais. A ideia tem sido tratada com discrição porque, espraiada no Congresso, pode tumultuar o Orçamento.

Se a indisposição do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a conter gastos é notória, aquela do novo presidente da Câmara pode ser averiguada pelo projeto que, segundo Marcelo Ribeiro, do Valor, Hugo Motta (Republicanos-PB) pretende levar à votação. A pretexto de cumprir decisão do STF que manda ajustar as bancadas ao Censo 2022, tirando de uns Estados e aumentando a de outros, Motta pretende acrescer 14 cadeiras à Casa. O projeto é da deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do seu mentor.

Este é apenas um aperitivo da disposição com a qual os parlamentares se preparam para a votação do Orçamento. Como represaram a definição das comissões para março, vai tudo junto e misturado. A alocação de recursos será uma venda casada com a escolha das comissões que concorre, em grau de importância, com a disputa pela Esplanada.

Basta lembrar as trocas das ex-ministras Ana Moser (Esportes) e Daniela Carneiro (Turismo) e a resistência à saída de Juscelino Filho (Comunicações), indiciado pela PF, para concluir que a ampulheta da reforma ministerial não se move por cálculos políticos sofisticados. Acontecerá quando der na telha do presidente.

Tampouco faz sentido imaginar que a reforma possa amarrar os partidos que seguirão com o Palácio do Planalto em 2026. Quem assistiu ao impeachment de Dilma Rousseff conhece os personagens que faziam juras de fidelidade à ex-presidente no almoço e se acertavam com Michel Temer no jantar. São os mesmos que aí estão. De tão à vontade, os caciques partidários nem mesmo se dão ao trabalho de prometer fidelidade ao governo.

A única reforma que hoje deveria importar é a do ajuste necessário para conter a inflação. E não é Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) ou Carlos Fávaro (Agricultura) que vão resolvê-la, como disse o presidente, mas um Haddad longe da sombra de Rui Costa. Até para facilitar a vida do novo ministro (Secom) baiano.

O cinturão de proteção ao ministro da Fazenda tem contado com Renan Filho (Transportes) e Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos). Por convicção e para se contrapor aos algozes do ministro no PP, no PSD e no União, fizeram do mantra de Renan Filho (“Governo que cumpre meta de inflação não precisa explicá-la”) antídoto contra as ofensivas.

Os problemas não se restringem a um Congresso perdulário. Se o programa de empréstimo consignado no setor privado, costurado pela Febraban, colabora com a economia geral da nação, por permitir a troca de dívidas caras por uma mais barata, o choque de crédito dos bancos públicos vai na direção contrária.

Até a reação desenfreada a Donald Trump pode colaborar para desandar a pauta. Uma taxação generalizada sobre as exportações brasileiras é uma catástrofe, mas é na costura miúda com os demais prejudicados que se vai resolver. Retaliar com uma taxação amplificada de serviços digitais, usados pela maioria dos brasileiros, é adubar a inflação. E não apenas. É também enfrentar uma retaliação política da Casa Branca que pode acabar devolvendo fôlego ao viralatismo bolsonarista.

 

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