Valor Econômico
Ambiente de incertezas e imprevisibilidade
pode ser especialmente prejudicial no contexto de vulnerabilidades fiscais e
pressões inflacionárias nos EUA
A imprevisibilidade e as intervenções econômicas do presidente Donald Trump têm suscitado preocupações sobre possíveis impactos negativos na economia dos Estados Unidos. Isto porque posturas polêmicas e agressivas combinadas com mudanças e reversões abruptas de política estão gerando incertezas nos mercados. As recentes ameaças de punição a empresas manufatureiras que não produzirem nos EUA colocaram ainda mais gasolina nesta fogueira. Embora algumas medidas anunciadas ainda não tenham entrado em vigor, a mera possibilidade de mudanças já foi suficiente para abalar mercados.
As intervenções prometidas são amplas, se
estendem a vários setores e incluem até a extinção de contratos e a saída de
acordos. A suspensão ou cancelamento de pagamentos e repasses de recursos
referentes a compromissos já assumidos pelo governo e a descontinuação de
políticas como, dentre outras, o Inflation Reduction Act e o Infrastructure
Act, que haviam acionado um elevado número de empresas, impactam um sem-número
de negócios no setor privado.
A pressão do presidente para que o Federal
Reserve (Fed) baixe os juros, alegações de atropelamentos do devido processo
legal e o não cumprimento de leis e decisões judiciais, como nos casos das
demissões de fiscais e inspetores, o fechamento de agências públicas e até a
mudança na política para o TikTok, têm sido caracterizados por renomados
juristas americanos como uma potencial violação legal, o que só faz aumentar o
ambiente de incertezas sobre a validade de papel assinado. Ao que parece, nem
mesmo ideias antes inconcebíveis podem agora ser ignoradas.
Ao mesmo tempo em que os investidores estão
avaliando os impactos potenciais das novas políticas, movimentos especulativos
estão ganhando corpo. O índice de volatilidade VIX, conhecido como “índice do
medo”, que mede a expectativa do mercado em relação à volatilidade futura das
ações dos Estados Unidos, vem apresentando variações significativas desde a
chegada do presidente Trump. A expressiva elevação do preço do ouro e o
redirecionamento de recursos para mercados imobiliários seguem na mesma toada.
E fundos hedge e gestoras de ativos estão se desfazendo de ações, o que também
sugere perda de confiança.
Ao afetarem preços de ativos e contratos, as
intervenções fragilizam o coração do funcionamento dos mercados e da economia.
Afinal, negócios são fechados, ativos são comprados e vendidos e investimentos
são realizados na expectativa de que contratos serão cumpridos e de que preços
de ativos são previsíveis. Tudo isto é potencialmente tóxico, pois estimula a
busca por ganhos imediatos em detrimento de investimentos que criam valor e
geram empregos.
A desconfiança já está impactando a curva de
juros. Prevê-se que o rendimento das T-bills de 10 anos possa subir para a
faixa de 5% a 6% este ano, afetando as condições financeiras e a viabilidade de
investimentos produtivos. Neste contexto, temas como sustentabilidade e
princípios ESG tendem a perder espaço.
No plano internacional, as políticas
unilaterais da nova administração também têm consequências potencialmente
devastadoras. Europa e países como Brasil, China, Canadá e México, estes
últimos com acordos comerciais em vigor com os EUA, dentre outros, já sentem a
pressão e poderão ser levados a uma guerra comercial com efeitos econômicos e
inflacionários alarmantes, incluindo para os próprios americanos.
A guerra comercial deverá se somar à crise
geopolítica e aos riscos climáticos, amplificando as chances de choques
adversos e de crise econômica global. Tudo isto poderá afetar as políticas
monetárias dos bancos centrais e pressionar as taxas de juros, com potenciais
consequências deletérias para o crescimento da economia global, algo
especialmente danoso para as economias em desenvolvimento.
Guerra comercial deve se somar à crise
geopolítica e riscos climáticos, com mais chances de choques adversos e de
crise global
O abandono, pelo Fed, de regulações críticas
para a estabilidade e segurança dos mercados também é preocupante - considere,
como exemplo, a recente decisão de abandonar o Network for Greening the
Financial System, um consórcio de bancos centrais que busca incorporar os
riscos climáticos aos balanços do sistema financeiro e reforçar as normas e a
supervisão. A saída do principal membro do consórcio poderá ter repercussões
dramáticas diante dos crescentes riscos climáticos e sistêmicos.
Esse ambiente de incertezas e
imprevisibilidade pode ser especialmente prejudicial no contexto de
vulnerabilidades fiscais e pressões inflacionárias nos Estados Unidos.
Estima-se que os cortes de impostos propostos aumentarão ainda mais a dívida
pública, que poderá chegar a algo entre 125% e 134% do PIB nos próximos anos.
As emissões do Tesouro neste ano deverão ser da ordem de US$ 5 trilhões, o que
também poderá empurrar as taxas de juros para cima. Investidores estão, e com
razão, cada vez mais cautelosos e levantando preocupações sobre a
sustentabilidade das políticas fiscais.
Talvez igualmente devastadoras sejam as
ameaças não concretizadas ou os recuos de decisões do presidente Trump, como
aconteceu com as tarifas para Canadá e México, por exemplo. Tudo isto aumenta a
percepção de que não se pode prever como agirá a administração, gerando enormes
espaços para arbitragens. O problema é que movimentos como esses não são
neutros e podem ter repercussões econômicas adversas de curto, médio e longo
prazos para a economia dos EUA. Já se fala, e cada vez mais, na possibilidade
de estagflação.
Ao que parece, estamos adentrando numa fase
de ainda mais alta instabilidade. Para mitigar esses desafios, será essencial
que o governo americano adote políticas que reforcem a confiança nos contratos
e reduzam a volatilidade dos preços. E será necessário evitar a guerra
comercial, aumentar a cooperação internacional, abraçar a agenda do clima e
fortalecer instrumentos de supervisão financeira que permitam a gestão eficaz
dos riscos. Investidores e empresas devem estar atentos a essas dinâmicas para
mitigarem riscos emergentes.
Uma coisa é bancar o valentão na política
internacional, outra é bancar o valentão com os mercados. A história sugere que
os resultados podem ser amargos. O que virá adiante? Infelizmente, nem mesmo a
bola de cristal parece ser capaz de responder.
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