quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Preços, contratos e Trump - Jorge Arbache

Valor Econômico

Ambiente de incertezas e imprevisibilidade pode ser especialmente prejudicial no contexto de vulnerabilidades fiscais e pressões inflacionárias nos EUA

A imprevisibilidade e as intervenções econômicas do presidente Donald Trump têm suscitado preocupações sobre possíveis impactos negativos na economia dos Estados Unidos. Isto porque posturas polêmicas e agressivas combinadas com mudanças e reversões abruptas de política estão gerando incertezas nos mercados. As recentes ameaças de punição a empresas manufatureiras que não produzirem nos EUA colocaram ainda mais gasolina nesta fogueira. Embora algumas medidas anunciadas ainda não tenham entrado em vigor, a mera possibilidade de mudanças já foi suficiente para abalar mercados.

As intervenções prometidas são amplas, se estendem a vários setores e incluem até a extinção de contratos e a saída de acordos. A suspensão ou cancelamento de pagamentos e repasses de recursos referentes a compromissos já assumidos pelo governo e a descontinuação de políticas como, dentre outras, o Inflation Reduction Act e o Infrastructure Act, que haviam acionado um elevado número de empresas, impactam um sem-número de negócios no setor privado.

A pressão do presidente para que o Federal Reserve (Fed) baixe os juros, alegações de atropelamentos do devido processo legal e o não cumprimento de leis e decisões judiciais, como nos casos das demissões de fiscais e inspetores, o fechamento de agências públicas e até a mudança na política para o TikTok, têm sido caracterizados por renomados juristas americanos como uma potencial violação legal, o que só faz aumentar o ambiente de incertezas sobre a validade de papel assinado. Ao que parece, nem mesmo ideias antes inconcebíveis podem agora ser ignoradas.

Ao mesmo tempo em que os investidores estão avaliando os impactos potenciais das novas políticas, movimentos especulativos estão ganhando corpo. O índice de volatilidade VIX, conhecido como “índice do medo”, que mede a expectativa do mercado em relação à volatilidade futura das ações dos Estados Unidos, vem apresentando variações significativas desde a chegada do presidente Trump. A expressiva elevação do preço do ouro e o redirecionamento de recursos para mercados imobiliários seguem na mesma toada. E fundos hedge e gestoras de ativos estão se desfazendo de ações, o que também sugere perda de confiança.

Ao afetarem preços de ativos e contratos, as intervenções fragilizam o coração do funcionamento dos mercados e da economia. Afinal, negócios são fechados, ativos são comprados e vendidos e investimentos são realizados na expectativa de que contratos serão cumpridos e de que preços de ativos são previsíveis. Tudo isto é potencialmente tóxico, pois estimula a busca por ganhos imediatos em detrimento de investimentos que criam valor e geram empregos.

A desconfiança já está impactando a curva de juros. Prevê-se que o rendimento das T-bills de 10 anos possa subir para a faixa de 5% a 6% este ano, afetando as condições financeiras e a viabilidade de investimentos produtivos. Neste contexto, temas como sustentabilidade e princípios ESG tendem a perder espaço.

No plano internacional, as políticas unilaterais da nova administração também têm consequências potencialmente devastadoras. Europa e países como Brasil, China, Canadá e México, estes últimos com acordos comerciais em vigor com os EUA, dentre outros, já sentem a pressão e poderão ser levados a uma guerra comercial com efeitos econômicos e inflacionários alarmantes, incluindo para os próprios americanos.

A guerra comercial deverá se somar à crise geopolítica e aos riscos climáticos, amplificando as chances de choques adversos e de crise econômica global. Tudo isto poderá afetar as políticas monetárias dos bancos centrais e pressionar as taxas de juros, com potenciais consequências deletérias para o crescimento da economia global, algo especialmente danoso para as economias em desenvolvimento.

Guerra comercial deve se somar à crise geopolítica e riscos climáticos, com mais chances de choques adversos e de crise global

O abandono, pelo Fed, de regulações críticas para a estabilidade e segurança dos mercados também é preocupante - considere, como exemplo, a recente decisão de abandonar o Network for Greening the Financial System, um consórcio de bancos centrais que busca incorporar os riscos climáticos aos balanços do sistema financeiro e reforçar as normas e a supervisão. A saída do principal membro do consórcio poderá ter repercussões dramáticas diante dos crescentes riscos climáticos e sistêmicos.

Esse ambiente de incertezas e imprevisibilidade pode ser especialmente prejudicial no contexto de vulnerabilidades fiscais e pressões inflacionárias nos Estados Unidos. Estima-se que os cortes de impostos propostos aumentarão ainda mais a dívida pública, que poderá chegar a algo entre 125% e 134% do PIB nos próximos anos. As emissões do Tesouro neste ano deverão ser da ordem de US$ 5 trilhões, o que também poderá empurrar as taxas de juros para cima. Investidores estão, e com razão, cada vez mais cautelosos e levantando preocupações sobre a sustentabilidade das políticas fiscais.

Talvez igualmente devastadoras sejam as ameaças não concretizadas ou os recuos de decisões do presidente Trump, como aconteceu com as tarifas para Canadá e México, por exemplo. Tudo isto aumenta a percepção de que não se pode prever como agirá a administração, gerando enormes espaços para arbitragens. O problema é que movimentos como esses não são neutros e podem ter repercussões econômicas adversas de curto, médio e longo prazos para a economia dos EUA. Já se fala, e cada vez mais, na possibilidade de estagflação.

Ao que parece, estamos adentrando numa fase de ainda mais alta instabilidade. Para mitigar esses desafios, será essencial que o governo americano adote políticas que reforcem a confiança nos contratos e reduzam a volatilidade dos preços. E será necessário evitar a guerra comercial, aumentar a cooperação internacional, abraçar a agenda do clima e fortalecer instrumentos de supervisão financeira que permitam a gestão eficaz dos riscos. Investidores e empresas devem estar atentos a essas dinâmicas para mitigarem riscos emergentes.

Uma coisa é bancar o valentão na política internacional, outra é bancar o valentão com os mercados. A história sugere que os resultados podem ser amargos. O que virá adiante? Infelizmente, nem mesmo a bola de cristal parece ser capaz de responder.

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