quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Tarefa da Fazenda é cortar R$ 35 bilhões - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

O histórico de contingenciamentos aponta que é possível, mas também ressalta a importância de contenção já no início do ano

Em janeiro, o governo central deve ter registrado superávit primário de R$ 89,3 bilhões, pouco acima da projeção da Warren Investimentos, de R$ 88,2 bilhões. Os dados são do portal Siga Brasil, coletados por minha equipe no último dia 10. O Siga compila dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), permitindo a antecipação do resultado do Tesouro Nacional.

No mesmo mês do ano passado, o superávit primário foi de R$ 79,5 bilhões ou R$ 83,1 bilhões quando corrigido pela inflação. A melhora de R$ 6,2 bilhões no resultado deu-se com altas reais de 4,6% da receita líquida (receita total menos transferências a Estados e municípios) e de 3,2% da despesa, na comparação com janeiro de 2024.

A receita total foi de R$ 303,9 bilhões, com crescimento real de 4,1%. Dada a centralidade da arrecadação para o alcance da meta de resultado primário no ano passado – como havia planejado o Poder Executivo –, é necessário o acompanhamento detalhado do desempenho das receitas também no exercício presente. Isso pois a estratégia permitiu uma melhora do déficit primário de 2,3% do PIB em 2023 para 0,4% do PIB no ano passado.

Ademais, a alta do mês passado foi conduzida pelo conjunto de rubricas chamado de receitas administradas (impostos e contribuições), que avançou 5,5%, já descontada a inflação. Esse grupo, além de ser o maior, é o mais sensível ao ciclo econômico e às medidas de recomposição da base tributária adotadas pelo governo.

Vale notar ainda o ingresso de R$ 4,3 bilhões, em janeiro de 2024, a preços corrigidos pelo IPCA, derivado da tributação extraordinária do estoque de rendimentos dos fundos exclusivos. Portanto, no início de 2025, há consistência no desempenho das receitas, que continuam avançando mesmo na ausência de novas receitas não recorrentes.

Subtraídos R$ 43,8 bilhões da arrecadação total, a título de transferências constitucionais, chegamos à receita líquida de R$ 260,1 bilhões, 4,6% superior ao mesmo mês do ano passado, como mencionado.

Já os gastos somaram R$ 170,9 bilhões, maiores em 3,2%. Alguns dos principais componentes da despesa já tinham aumento previsto e devem seguir em alta. A Previdência somou R$ 73,2 bilhões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), R$ 10,1 bilhões, crescimentos de 2,4% e 14,8%, respectivamente. Isso se explica pelo maior número de beneficiários e da valorização do salário mínimo.

A complementação da União ao Fundeb chegou a R$ 11 bilhões no mês, aumento de 21,9%, e deve continuar crescendo até 2026, por determinação constitucional. As despesas chamadas obrigatórias com controle de fluxo somaram R$ 28,3 bilhões, com alta de 5,3%. Dentro desse conjunto, vale destacar a queda real de 7,9% nos gastos com Bolsa Família, possivelmente associados a um “pentefino” no programa no decorrer de 2024, e a alta de 23,2% nos dispêndios com saúde, cujo valor desembolsado é vinculado às receitas da União.

Outro ponto de atenção são os gastos com pessoal, de R$ 30,9 bilhões no mês passado. Esse montante representa diminuição real de 4,5% frente a janeiro de 2024, pois em termos nominais o valor continuou praticamente constante. A atenção, mesmo com queda, se deve à não aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) até o momento. Apenas após a efetivação da LOA é que podem ser concedidos aumentos ao funcionalismo, com essa valorização salarial sendo então aplicada de maneira retroativa.

Finalmente, as despesas não obrigatórias, chamadas discricionárias, somaram R$ 7,9 bilhões, com aumento real de 19,1%. Remanesce uma dúvida sobre o ritmo de execução desses dispêndios enquanto não for aprovada a LOA. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) permite gastos de até 1/12 da dotação do Projeto de Lei Orçamentária (Ploa) enviado pelo Poder Executivo em 2024. Porém, há especulações sobre possível adoção de ritmo mais lento de desembolsos discricionários, como 1/18 do valor do Ploa.

Fato é que janeiro não irá dirimir essa questão, e será necessário observar o resultado de fevereiro para aferirmos qual a cadência dos gastos não obrigatórios até a aprovação do Orçamento. Porque tradicionalmente o dispêndio é baixo nessas rubricas no primeiro mês do ano, dados certos trâmites orçamentários, independentemente de LOA aprovada ou não.

De 2019 a 2025, a fração gasta do que era previsto para as discricionárias no Orçamento anual, em janeiro, foi de 3,1% em média, valor bastante inferior a 1/12 (8,3%) e 1/18 (5,6%). Em 2025, tais dispêndios foram de 3,6% da previsão contida no Ploa.

A importância de se gastar lentamente o orçamento de despesas discricionárias, nesse momento, reside na necessidade premente de contingenciar despesas para cumprir a meta fiscal anual. Isso é mais difícil de ser feito caso a execução esteja acelerada, reduzindo a margem de manobra do governo em consequência.

Calculamos que serão necessários cortes de R$ 35 bilhões para atingir o limite inferior de tolerância da meta legal de resultado primário. O histórico de contingenciamentos aponta que isso é possível, mas também ressalta a importância de contenção já no início do ano. Essa será a grande medida fiscal deste ano. E precisará vir com brevidade.

 

Nenhum comentário: