Valor Econômico
Reorientação de exportações para países
geopoliticamente alinhados cresce no comércio global
O Brasil, na presidência do Brics, enviou aos
membros do grupo nesta semana uma proposta visando facilitar o pagamento das
transações do comércio intrabloco - e que evita falar diretamente de
desdolarização.
É verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por mais de uma vez disse “sonhar” com uma moeda comum para o Brics e questionou por que “todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar, por que não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda?”.
O tema foi capturado por Donald Trump na sua
volta à Casa Branca. Em meio à disrupção global que provoca, ele tem repetido
ameaças de impor tarifas de 100% contra países do Brics se tentarem criar uma
moeda comum como alternativa ao dólar. Para Trump, “não há nenhuma chance de
que o Brics substitua o dólar americano no comércio internacional, e qualquer
país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos”. Ele já chegou a incluir a
Espanha como membro do grupo.
O Brics quer aprofundar a discussão sobre
como acelerar a facilitação de suas trocas e reduzir riscos. Mas, de fato, a
proposta que o Brasil mandou para os países-membros foca basicamente em
facilitar pagamentos “de forma eficiente e segura”, amparado por novas
tecnologias, como blockchain e outras, que reduzam os custos de transação
comerciais. Esse sistema permitiria transações direitas em moedas locais, o que
também é uma forma de diminuir custos.
A proposta não envolve moeda comum, como fala
Trump, insiste uma fonte no Brics. Não é nem sequer estabelecer um sistema com
garantias embutidas como o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR)
da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), dado como exemplo em
alguns círculos de Brasília.
O Banco Central brasileiro na verdade se
retirou em 2019 do CCR, um sistema internacional de pagamentos pelo qual são
liquidadas operações de comércio internacional pelos bancos centrais de 11
países-membros. O BC considerou que o mecanismo tinha ineficiências que faziam
com que não atendesse mais aos interesses do país, perdera importância para a
liquidação das operações no comércio entre os países-membros, transferia riscos
do setor privado para o setor público e não estava em linha com as modernas práticas
de sistemas de pagamentos internacionais, ao concentrar risco de crédito em uma
instituição e diferir pagamentos por até quatro meses.
Ativo na atual discussão no Brics, o BC
certamente não tem nenhuma saudade do CCR, pelo menos não com a governança
atual.
Em meio às turbulências comerciais
deflagradas por Trump, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira,
destacou na semana passada que o Brasil “está empenhado em desenvolver
instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento intrabloco”,
ressalvando que o Brics “não tem uma vertente negativa: ele trabalha a favor da
cooperação e do desenvolvimento de seus membros - e não contra quem quer que
seja”.
A China, o peso pesado do Brics, sabe que
mudança da ordem monetária não é para agora. No momento, está mais focada em
desvalorizar sua moeda para continuar competitiva e para não perder muito na
barganha que terá de fazer com Trump.
Diferentes fontes observam que as autoridades
chinesas são muito conservadoras em matéria financeira. Preferem que a
desdolarização “venha por gravidade”, e deixa que os outros falem a favor.
Rússia e Irã são os mais engajados em buscar rapidamente alternativas ao dólar
americano, pelas sanções que sofrem impostas por Washington.
O economista Dmitry Dolgin, autor de um
relatório sobre Brics e desdolarização publicado pelo banco holandês ING, vê
coerência na posição da China, como maior detentor de reservas internacionais
de moeda estrangeira no Brics+, especialmente considerando Hong Kong e Macau,
que têm bancos centrais separados.
As reservas consolidadas chinesas totalizam
cerca de US$ 4 trilhões e a estrutura exata de câmbio é desconhecida. Mas é
muito provável que o dólar americano desempenhe um papel importante nesse
montante e, pelo seu tamanho, seria difícil encontrar alternativa com liquidez
semelhante. Outro argumento contra a desdolarização para a China é a
participação ainda alta dos EUA no seu comércio internacional.
Outros membros do Brics+ podem estar em
posição mais flexível, pois suas reservas são menores e eles têm opção de usar
o renmimbi em suas reservas internacionais, como faz a Rússia, enquanto a China
obviamente não pode usar sua própria moeda como ativo internacional, nota ele.
Para o economista, que monitora de perto o
Brics, uma agenda de desdolarização no bloco tem maior potencial de ser levada
adiante pelas reservas cambiais e no comércio de combustíveis (o grupo é
responsável por cerca da metade da produção energética do mundo).
O Brics+ controla 42% das reservas cambiais
dos bancos centrais em geral, “provavelmente contribuindo para o processo de
desdolarização global”. E aponta o ouro como a maior alternativa potencial ao
dólar para o bloco. Apesar da compra ativa pelo Brics+ nos últimos tempos, o
metal ainda representa somente 10% das reservas de seus bancos centrais,
comparado a 20% na média global - ou seja, os BCs do Brics+ têm espaço para
acumular mais ouro em vez de dólares.
Os trabalhos do Brics tomam uma dimensão
particular neste ano, em meio à onda de choque provocada por Trump. A
geopolítica muda aceleradamente o comércio internacional, com mais reorientação
de exportações para países geopoliticamente alinhados.
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