Valor Econômico
Impactos não superam as amplas vantagens proporcionadas pelo sistema de pagamento instantâneo
Não dá para criticar o Pix, o sistema de
pagamento instantâneo criado pelo Banco Central, que deu acesso barato à
população ao sistema financeiro, ampliou a concorrência aos bancos e permitiu a
criação de novos negócios e empregos.
Mas, depois de mais de quatro anos de sua
criação, já foi possível acumular uma massa de dados significativa para
identificar e tentar corrigir alguns de seus defeitos. Isso pode ajudar a
melhorar não só o Pix, mas também sua versão turbinada que está sendo gestada,
a moeda digital do Banco Central.
Um dos principais problemas são as fraudes, possibilitadas pelos flancos que permitiam a criação de chaves com laranjas e CPFs e CNPJs frios. O Banco Central adotou recentemente uma medida firme para coibir essas fraudes: cancelar as chaves de contribuintes com situação irregular perante a Receita Federal, que eram usados por golpistas - que, inclusive, foi vítima de uma criminosa campanha de mentiras.
Os golpes com o Pix não vão acabar, da mesma
forma que todas as medidas de segurança não eram suficientes para eliminar
completamente a falsificação de cédulas. Ainda mais porque, com o Pix, a
velocidade de criação de novos golpes é muito mais rápida.
Outro impacto negativo do Pix está na
intermediação financeira. Um texto para discussão, que acaba de ser publicado
pelo Banco Central, mostra que a adoção do sistema de pagamentos instantâneos
levou a uma redução da oferta de crédito pelos bancos.
A lógica é a seguinte: para satisfazer os
pagamentos instantâneos, os bancos têm que manter uma maior proporção de
dinheiro em ativos líquidos, como operações compromissadas. Como precisam ter
mais dinheiro em caixa, sobra menos para fazer empréstimos.
Feito pelo economista Rodrigo Gonzalez (do
BC), Yiming Ma (Columbia Business School) e Yao Zeng (Wharton School), esse
trabalho explora um pedaço do jogo de ganha e perde entre os clientes bancários
e as instituições financeiras.
Do ponto de vista dos clientes, o Pix
incentivou o aumento dos depósitos com liquidez imediata, porque eles podem ser
usados para pagamentos instantâneos. Mas os dados mostram que, do lado dos
bancos, o aumento desses depósitos com mais liquidez e o uso do Pix por seus
clientes estão associados a uma maior oscilação nas captações. Isso exige uma
modificação na estratégia para garantir liquidez. Os bancos investem mais em
títulos públicos e, como consequência, oferecem menos empréstimos bancários.
Todos os números, com seus desvios-padrão e
elasticidades, estão disponíveis no estudo, que pode ser acessado no site do
BC. Naturalmente, ele não tem a pretensão de esgotar a discussão. Uma análise
mais completa deve levar em conta o equilíbrio geral. O Pix gera mais
competição, permite a criação de novos produtos bancários e amplia a atividade
econômica, o que certamente tem um impacto positivo no crédito.
Mas, ao abordar o efeito do Pix na liquidez,
os pesquisadores entram numa repercussão importante que diz respeito à
estabilidade financeira. Os autores mostram como, no sistema anterior, os
bancos tinham maior liberdade para ordenar os pagamentos aos clientes, o que
dava um maior grau de controle sobre sua flutuação de liquidez. Essa
possibilidade não existe mais, já que os bancos agora têm que fazer as
transferências na hora.
Essa disponibilidade imediata de recursos
pode potencializar eventuais corridas bancárias. Isso é algo que pode ser
mitigado com a correta calibragem dos indicadores de liquidez e uma atuação
eficaz do Banco Central como emprestador de última instância. Foi importante o
BC, em um projeto paralelo ao Pix, ter modernizado o sistema de assistência de
liquidez.
Nenhuma dessas discussões, nem de longe,
supera os ganhos que foram gerados pelo Pix nos últimos anos. Na sua pesquisa,
os autores citam outros trabalhos recentes que procuraram medir os impactos do
Pix. Em um paper de 2024, Pauline Liang, Mathes Sampaio e Sergey Sarkisyan
mostram como a adoção do Pix levou a um fortalecimento dos mecanismos de
transmissão da política monetária. Ou seja, permite baixar a inflação com altas
mais suaves da Selic. A intuição é que os bancos perderam poder de mercado
depois do Pix e, dessa forma, respondem mais fortemente, com redução de
crédito, a altas da taxa Selic pelo BC.
Os impactos do Pix são apenas um esboço do
que pode vir a acontecer com a adoção da moeda digital do Banco Central. O
presidente do BC, Gabriel Galípolo, tem destacado como a moeda digital poderá
ajudar ainda mais no aumento da potência da política monetária. Ele tem dito
que o Drex permitirá, ao mesmo tempo, reforçar as garantias nos empréstimos e
possibilitar que o cidadão, de forma simples, tenha acesso a informações para
tomar a melhor decisão. Se tudo der certo, haverá a migração de operações mais caras
e menos sensíveis à Selic, como cartão, para operações de baixo custo, que
respondem mais às mudanças na Selic.
Um aperfeiçoamento nesse projeto seria deixar
de chamá-la de Drex. O Brasil adotou várias moedas, e mesmo aquelas que
fracassaram tiveram nomes que procuravam se inspirar em nossa história
monetária.
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