segunda-feira, 24 de março de 2025

O vazamento e o imposto de renda do bilionário - Bruno Carazza

Valor Econômico

Projeto de reforma do imposto de renda expõe conflito de classes

Não sei se foi por um lapso das autoridades do Ministério Público ou por deliberado desejo de expor um grande figurão da elite brasileira, mas o fato é que em maio de 2017 veio a público a declaração de imposto de renda de ninguém mais, ninguém menos, que o poderoso Joesley Batista.

O documento de prestação de contas com o Fisco de um dos donos do grupo J&F foi divulgado em meio a milhares de páginas do acordo de colaboração premiada firmada por ele com a Procuradoria- Geral da República durante a Operação Lava-Jato. Utilizada para embasar as penas pecuniárias impostas aos controladores e executivos da empresa após confessarem inúmeras práticas de corrupção, a declaração de ajuste de imposto de renda de Joesley é também um atestado do quanto a legislação brasileira é uma máquina de concentração de renda.

De acordo com os dados informados à Receita Federal referentes ao ano-calendário de 2016, Joesley Batista teve que pagar R$ 342.655,47 ao Leão, sendo que R$ 335.289,77 já haviam sido recolhidos na fonte - restando portanto ao empresário emitir um DARF pela diferença (R$ 7.365,70).

Recolher mais de R$ 340 mil de imposto de renda em apenas um ano seria algo inimaginável para quase todos os brasileiros, mas é pouco para um dos homens mais ricos do país - quase nada, aliás.

Embora a maioria de nós reclame que pagamos 27,5% de IRPF, a verdade é que as normas aplicáveis à tributação de renda permitem uma série de deduções (como despesas médicas, parte dos gastos com educação privada, contribuições para previdência pública e privada, entre outras) que reduzem bastante a base tributável. No caso de Joesley, em 2016 houve um abatimento de R$ 893.764,29, o grosso dele proveniente do pagamento de pensão alimentar (mais de R$ 740 mil).

Mas não foram essas deduções legais que fizeram a alíquota efetiva de imposto do empresário cair drasticamente. Nossa legislação tributária também admite uma série de isenções e de pagamentos a menor de fontes de recebimentos que não entram no cálculo do imposto, como aposentadorias e pensões de portadores de moléstias graves, ganhos de capital na compra e venda de imóveis, rendimentos de aplicações financeiras, indenizações judiciais, entre outras. Para Joesley Batista, a mágica de redução do imposto a pagar foram seus ganhos pessoais a título de lucros e dividendos.

Segundo a declaração vazada no processo da Lava-Jato, o dono da J&F recebeu em 2016 quase R$ 103 milhões (mais precisamente R$ 102.972.885,25) como fruto do resultado positivo das muitas empresas do seu grupo na época, como JBSSearaItambé, Vigor, Alpargatas e Eldorado Celulose. No seu orçamento pessoal, os lucros e dividendos, que não pagam imposto, representaram 46 vezes a mais do que seus rendimentos tributáveis, decorrentes do trabalho de executivo nas suas empresas - um total de R$ 2,2 milhões durante todo o ano de 2016.

Colocando na conta os lucros e investimentos recebidos, assim como eliminando as deduções de despesas, o valor efetivamente pago de IRPF pelo mais velho dos irmãos Batista foi de apenas 0,3% de sua renda pessoal anual - ou seja, praticamente nada.

É importante destacar que os cálculos acima estão rigorosamente de acordo com a legislação do imposto de renda daquele ano - vigentes até hoje, salvo algumas atualizações de valor. Não se trata de sonegação, é apenas o resultado de uma legislação extremamente benéfica aos ricos e super-ricos do país.

Nossa Constituição estabelece, em seu art. 153, § 2º, I, que o valor do imposto de renda será definido pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade. Apesar disso, os dados do estudo Grandes Números do Imposto de Renda, divulgados anualmente pela Receita Federal, permitem inferir que a alíquota efetiva do IRPF cai drasticamente no topo da pirâmide de renda dos contribuintes.

No ano de 2020, o 1% mais rico pagava em média 5,3% de imposto de renda, enquanto o 0,1% recolheu 3% de seus ganhos e o supra sumo da riqueza, os contribuintes entre o 0,01% mais abonado do país, levou uma mordida bem leve do Leão: em média, só 1,9% da renda total recebida.

Projeto de Lei 1087/2025, encaminhado por Lula à Câmara dos Deputados na semana passada, pretende corrigir parte dessa distorção que leva os super-ricos a pagarem tão pouco imposto sobre seus recebimentos pessoais. Ainda que seja passível de receber o rótulo de populista uma proposta que isenta de imposto quase 90% da população adulta, as medidas compensatórias aplicadas contra quem recebe mais de R$ 50 mil por mês (o 0,5% de renda mais alta) miram um grupo que tradicionalmente só é alvo de benesses e privilégios - quase nunca contribuições.

A conta não é direta, pois os super-ricos têm diversos meios de mudar seu planejamento tributário para pagar menos imposto, mas se a regra do mínimo de 10% sobre a renda total estivesse valendo em 2016, Joesley Batista teria que pagar R$ 10,5 milhões, e não R$ 342 mil de IRPF, para bancar a isenção de quem ganha até R$ 5 mil por mês. Parece justo, não?

 

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