Valor Econômico
Projeto de reforma do imposto de renda expõe conflito de classes
Não sei se foi por um lapso das autoridades
do Ministério Público ou por deliberado desejo de expor um grande figurão da
elite brasileira, mas o fato é que em maio de 2017 veio a público a declaração
de imposto de renda de
ninguém mais, ninguém menos, que o poderoso Joesley Batista.
O documento de prestação de contas com o Fisco de um dos donos do grupo J&F foi divulgado em meio a milhares de páginas do acordo de colaboração premiada firmada por ele com a Procuradoria- Geral da República durante a Operação Lava-Jato. Utilizada para embasar as penas pecuniárias impostas aos controladores e executivos da empresa após confessarem inúmeras práticas de corrupção, a declaração de ajuste de imposto de renda de Joesley é também um atestado do quanto a legislação brasileira é uma máquina de concentração de renda.
De acordo com os dados informados à Receita Federal referentes ao ano-calendário de 2016, Joesley Batista teve que pagar R$ 342.655,47 ao Leão, sendo que R$ 335.289,77 já haviam sido recolhidos na fonte - restando portanto ao empresário emitir um DARF pela diferença (R$ 7.365,70).
Recolher mais de R$ 340 mil de imposto de
renda em apenas um ano seria algo inimaginável para quase todos os brasileiros,
mas é pouco para um
dos homens mais ricos do país - quase nada, aliás.
Embora a maioria de nós reclame que pagamos
27,5% de IRPF, a verdade é que as normas aplicáveis à tributação de renda
permitem uma série de deduções (como despesas médicas, parte dos gastos com
educação privada, contribuições para previdência pública e privada, entre
outras) que reduzem bastante a base tributável. No caso de Joesley, em 2016
houve um abatimento de R$ 893.764,29, o grosso dele proveniente do pagamento
de pensão alimentar (mais
de R$ 740 mil).
Mas não foram essas deduções legais que
fizeram a alíquota efetiva de imposto do empresário cair drasticamente. Nossa legislação tributária também
admite uma série de isenções e de pagamentos a menor de fontes de recebimentos
que não entram no cálculo do imposto, como aposentadorias e pensões de
portadores de moléstias graves, ganhos de capital na compra e venda de imóveis,
rendimentos de aplicações financeiras, indenizações judiciais, entre outras. Para Joesley Batista, a mágica de redução do imposto
a pagar foram seus ganhos pessoais a título de lucros e dividendos.
Segundo a declaração vazada no processo
da Lava-Jato, o
dono da J&F recebeu
em 2016 quase R$ 103 milhões (mais precisamente R$ 102.972.885,25) como fruto
do resultado positivo das muitas empresas do seu grupo na época, como JBS, Seara, Itambé, Vigor, Alpargatas e Eldorado Celulose. No seu
orçamento pessoal, os lucros e dividendos, que não pagam imposto, representaram
46 vezes a mais do que seus rendimentos tributáveis, decorrentes do trabalho de
executivo nas suas empresas - um total de R$ 2,2 milhões durante todo o ano de
2016.
Colocando na conta os
lucros e investimentos recebidos, assim como eliminando as deduções de
despesas, o valor efetivamente pago de IRPF pelo mais velho dos irmãos Batista
foi de apenas 0,3% de sua renda pessoal anual - ou seja, praticamente nada.
É importante destacar que os cálculos acima
estão rigorosamente de acordo com a legislação do imposto de renda daquele ano
- vigentes até hoje, salvo algumas atualizações de valor. Não se trata de
sonegação, é apenas o resultado de uma legislação extremamente benéfica aos
ricos e super-ricos do
país.
Nossa Constituição estabelece, em seu art.
153, § 2º, I, que o valor do imposto
de renda será definido pelos critérios da generalidade,
universalidade e progressividade. Apesar disso, os dados do estudo Grandes
Números do Imposto de Renda, divulgados anualmente pela Receita Federal, permitem
inferir que a alíquota efetiva do IRPF cai
drasticamente no topo da pirâmide de renda dos contribuintes.
No ano de 2020, o 1%
mais rico pagava em média 5,3% de imposto de renda, enquanto o 0,1% recolheu 3%
de seus ganhos e o supra sumo da riqueza, os contribuintes entre o 0,01% mais
abonado do país, levou uma mordida bem leve do Leão: em média, só 1,9% da renda
total recebida.
O Projeto
de Lei 1087/2025, encaminhado por Lula à Câmara dos Deputados
na semana passada, pretende corrigir parte dessa distorção que leva os super-ricos a
pagarem tão pouco imposto sobre seus recebimentos pessoais. Ainda que seja passível de receber o rótulo de populista
uma proposta que isenta de imposto quase 90% da população adulta, as medidas
compensatórias aplicadas contra quem recebe mais de R$ 50 mil por mês (o 0,5%
de renda mais alta) miram um grupo que tradicionalmente só é alvo de benesses e
privilégios - quase nunca contribuições.
A conta não é direta, pois os super-ricos têm
diversos meios de mudar seu planejamento
tributário para pagar menos imposto, mas se a regra do
mínimo de 10% sobre a renda total estivesse valendo em 2016, Joesley Batista teria
que pagar R$ 10,5 milhões, e não R$ 342 mil de IRPF, para bancar a isenção de
quem ganha até R$ 5 mil por mês. Parece justo, não?
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