O Globo
Entre os filhos, Flávio
Bolsonaro sempre pareceu ser o mais preparado para o mundo. O mais
bem-dotado. Com melhor corte de cabelo. Até que, dias atrás, assisti na
internet a sua participação num programa do Sílvio Santos. Ele e o brother
Eduardo. Ambos dividindo um quiz show. Sílvio solta uma canção interpretada por
Elba Ramalho. “Quem é a cantora?”, pergunta o apresentador. Flávio não
identifica a voz, pede uma dica. Sílvio acha razoável e diz ser uma cantora
nordestina. O rosto de Flávio se contrai, feliz: sente que matou a charada.
Sorri, e manda:
— Fafá de Belém!
Nestes dias, o deputado federal Lindbergh
Farias, novo líder da bancada petista, elencava os programas a martelar
como salvadores da pátria na segunda fase do Lula 3.
Ações pensadas para tirar o governo de sua baixa popularidade. Vale-Gás, Pé-de-Meia,
isenção no Imposto de Renda e crédito subsidiado ao trabalhador celetista são
os principais. Atendem do eleitor menos abastado às franjas da classe média.
O senador Flávio Bolsonaro integra a extrema direita, com seus habituais maus serviços prestados ao Brasil. O deputado Lindbergh Farias é da esquerda e não parece se envergonhar em arrolar uma série de planos de caráter populista. Exulta como se lançasse o LulaGPT, não caraminguás ao povo. Por certo, aliviarão os orçamentos familiares num tipo de política assistencialista comum à esquerda latino-americana. Nada estruturante, apenas paliativa.
Dos 40 anos da redemocratização, 16 foram
ocupados pelas políticas do PT, sob Dilma
Rousseff e Lula da Silva. É um bom número de anos. No período, não se
observa aumento da produtividade do trabalhador, melhoria no ensino e
estruturação de uma política de segurança pública. Mas houve subsídios à
indústria de automóveis. Não surpreende que o Lula 3 tenha de recorrer ao
assistencialismo. Não fez o serviço lá atrás, estruturante, capaz de gerar
crescimento sustentável, para surgir agora como mágico que distribui alívios
momentâneos. É o círculo desvirtuoso instituído pelo petismo.
Nesse tempo de democracia, com dois
presidentes destituídos por malversações diversas, o Brasil assistiu ao
progresso do mundo pela janela. Teve, como destaque, o sucesso do PCC e do
agronegócio. Deve à pesquisa científica o fausto da soja e outros grãos. Nem
por isso criou uma política eficiente de incentivo à ciência. Em 1985, quando
caiu a ditadura, o fax era novidade. Quarenta anos depois, o e-mail já é algo
em desuso. Mesmo com produção própria incipiente, o país taxa pesado os
computadores e celulares fabricados no exterior. Não são artigos de luxo, mas
ferramentas para produção e estudo.
O historiador britânico Orlando Figes conta
em “Os europeus” a revolução ocorrida no continente com a chegada das
ferrovias, no início do século XIX. Como uma invenção mudou a sociedade e
facilitou a chegada de outras criações. A melhoria no maquinário de impressão e
o surgimento de centenas de jornais e revistas e a sofisticação no setor
livreiro. Balzac, Dickens, consumidos em muitas tiragens. O estabelecimento de
uma classe média escolarizada e colecionadora de arte. Com tantas novas
tecnologias, ainda antes do final do século, o acesso a lazer e cultura não
pertencia mais apenas à aristocracia.
Pelo mesmo período, o Brasil ainda mantinha a
mão de obra escrava, D. Pedro II implicava com a circulação de dinheiro, e a
população o escondia sob os colchões. Boa prática era o fiado. Por sorte, o
Barão de Mauá inaugurou a primeira estrada de ferro brasileira em abril de
1854. Tinha 14 quilômetros e ligava o Porto de Mauá a Fragoso.
Tudo indica que o mundo atravessa agora um
período de inovações e novas tecnologias de forma ainda mais radical que a
experimentada pelos europeus no século XIX. Se houve a corrida do ouro, agora
há a corrida digital. Os espasmos cotidianos de Trump não são apenas truques
políticos, mas demonstram o desespero de os Estados Unidos ficarem em segundo
plano no Admirável Mundo Novo.
Para o político brasileiro, da direita e
esquerda, a discussão de futuro é outra — emendas secretas, vale-gás, os
problemas dos Bolsonaros etc. Entre as muitas falas de Lula da Silva, seguidas
de gafes, não se ouve nada sobre o envelhecimento da população e o impacto no
mercado de trabalho. CLT não resolve. Nada também sobre o aumento da
expectativa de vida. Quais seriam as políticas públicas para as duas questões?
A mudança climática pega as cidades despreparadas, transformadas em arapucas.
Só a beleza de Gleisi não resolverá tantos problemas.
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