segunda-feira, 19 de maio de 2025

O lobby presente na educação à distância - Bruno Carazza

Valor Econômico

Decreto de regulação do EaD sofreu resistência de representantes do setor, contrários à melhoria na qualidade da formação de profissionais

Um decreto que o governo anuncia para hoje, apertando as regras para os cursos de educação à distância, movimentou os corredores e gabinetes de Brasília nos últimos meses. Representantes dos maiores grupos educacionais do país fizeram uma verdadeira blitz em diversos órgãos para suavizar a nova regulação e preservar uma fonte considerável de lucro.

Dados do Censo da Educação Superior, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que a oferta de vagas em cursos de educação à distância (EaD) cresceu 167,5% nos últimos cinco anos, enquanto na modalidade presencial elas caíram 13,5%.

Praticamente quatro em cada cinco vagas oferecidas para ingresso em cursos de graduação no Brasil estão concentradas no modelo à distância. Num país de dimensões continentais e renda baixa, o uso da tecnologia para a disseminação massificada de conhecimentos se configura como uma alternativa para ampliar o número médio de anos de escolaridade da população.

Sem regras firmes relativas à qualidade desse serviço, porém, o crescimento exponencial do EaD pelas faculdades privadas se tornou tão somente fonte de lucros num mercado de venda de ilusão de prosperidade para milhões de jovens.

A baixa qualificação da mão-de-obra é uma das principais fontes de queixa de executivos e fator que contribui para a baixa produtividade das empresas brasileiras. Apesar disso, 93% das 10 milhões de vagas de ensino tecnológico estão concentradas no ensino à distância. Melhorar a regulação desse serviço é fundamental, portanto, para melhorar a capacitação profissional de nossos trabalhadores.

Situação mais preocupante emerge quando se trata da formação de nossos futuros professores. Quase nove em cada dez vagas de licenciatura - cursos que preparam para a carreira docente, nas áreas de pedagogia, letras, matemática, ciências e artes - estão concentradas no ensino à distância.

Enquanto os países avançados e nossos vizinhos com os melhores desempenhos no teste Pisa, como Chile e México, baseiam-se no método presencial para a formação de seus professores, no Brasil prevalecem as aulas assíncronas ministradas à distância. Para as faculdades privadas, o EaD minimiza custos e maximiza receitas; já o país acumula prejuízos com milhares de professores “formados” sem prática e sem o aprendizado de técnicas de ensino que só se adquirem em salas de aula de verdade.

Não é por coincidência que nossos níveis educacionais deixem tanto a desejar. O estudo “Aprendizagem na Educação Básica: situação brasileira no pós-pandemia”, produzido pela entidade Todos pela Educação com dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), revela que, em 2023, apenas 55,1% dos estudantes do 5º ano do ensino fundamental tinham aprendizagem adequada em Língua Portuguesa e 43,5% em Matemática. Sem professores formados adequadamente, fica difícil esperar que a educação seja um instrumento relevante para a mobilidade social e a redução das desigualdades.

Embora tenha havido uma proliferação no número de instituições privadas de ensino nas últimas décadas no Brasil, o setor passou por uma intensa concentração nos últimos anos. De acordo com o anuário Valor 1000, os dez maiores grupos educacionais do país tiveram um faturamento conjunto de R$ 27,8 bilhões em 2023. E é justamente para defender esse mercado bilionário que representantes do setor têm feito uma forte pressão em Brasília para evitar que o Ministério da Educação imponha condições mais duras a respeito da qualidade dos cursos EaD no Brasil.

De acordo com a plataforma Agenda Transparente, um serviço desenvolvido pela organização Fiquem Sabendo que consolida informações dos compromissos públicos de autoridades do governo federal, representantes dos grupos educacionais têm feito uma romaria de visitas para defender seus interesses.

Desde que as discussões sobre a nova regulação ganharam força no governo, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC vem sendo assediada com audiências solicitadas por executivos de gigantes como Cogna, Yduqs, Ânima, Ser Educacional e Virtu Educação. Muitas vezes os encontros são intermediados por entidades como Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), Associação Brasileira das Faculdades (Abrafi) e Associação dos Centros Universitários (Anaceu), que concentram e multiplicam o poder de influência do setor.

Nas últimas semanas, com a minuta do decreto no Palácio do Planalto, o lobby subiu de nível. A proposta do MEC era até tímida em comparação às melhores práticas internacionais: exigir pelo menos que 50% da carga horária nos cursos de licenciatura sejam presenciais. O lobby das universidades privadas ainda conseguiu emplacar que aulas síncronas mediadas fossem computadas como presenciais. E ainda assim acharam ruim.

Parece que mais uma vez a gana privada por maior lucro prevaleceu sobre o interesse público na melhoria da educação brasileira.

 

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