segunda-feira, 19 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Adoção de moeda alternativa ao dólar envolve riscos

O Globo

Predomínio da divisa americana nos negócios globais foi ameaçado por Trump, mas substituição não é trivial

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender na semana passada a adoção de uma alternativa ao dólar nos negócios internacionais. Lula manifestou preocupação com a “vantagem imensa” que os Estados Unidos obtêm por emitir a principal moeda do planeta (o dólar domina 88% do comércio global e 57% das reservas internacionais). A ideia não é nova. Quando ministro das Finanças do governo Charles de Gaulle, o futuro presidente da França Valéry Giscard d’Estaing batizou tal vantagem de “privilégio exorbitante”.

Graças à demanda por dólares e papéis de seu Tesouro, os Estados Unidos têm o “privilégio” de pagar juros mais baixos para tomar dinheiro emprestado. Com isso, podem financiar déficits públicos crescentes sem se preocupar com crises cambiais ou corridas contra sua moeda. Em contrapartida, a valorização do dólar encarece as exportações. Por isso os arautos do trumpismo a criticam como artificial e atribuem a ela a desindustrialização.

Na realidade, a desindustrialização decorre mais do padrão produtivo do país — especializado em serviços avançados e inovação tecnológica — que do papel global do dólar. O próprio “privilégio” não é tão exorbitante assim. Embora a demanda alta valorize o dólar, o déficit americano em transações correntes tem caído (de 5,1% do PIB entre 2001 e 2009 para 2,6% desde então, na conta do economista Samuel Pessôa).

Os ativos mantidos em dólar são atraentes porque o Fed, banco central americano, preserva seu poder de compra — e a Justiça garante respeito à propriedade em poder de estrangeiros. Mas tudo isso tem sido posto em xeque desde que Donald Trump assumiu a Presidência. “Até agora, a confiança nas leis convenceu os investidores de que os ativos americanos estão entre os mais seguros do mundo. Se os esforços de Trump estenderem demais os poderes presidenciais, eles se sentirão menos seguros”, escreveu o economista Kenneth Rogoff. O dólar, diz ele, está em declínio desde 2015, mas Trump acelerou a tendência. O impacto do choque tarifário na inflação, a dívida crescente e, sobretudo, as ameaças de intervir no Fed aumentam o risco.

A força do dólar não é eterna nem inevitável. A posição privilegiada consolidada desde os acordos de Bretton Woods, em 1944, sempre dependeu da capacidade americana de fornecer bens públicos financeiros — liquidez, segurança e estabilidade. Ao promover a guerra tarifária, Trump acelera a busca por alternativas. Para o economista Maurice Obstfeld, o dólar sobreviverá como moeda dominante, mas a erosão de sua credibilidade está em marcha.

Qualquer transição para outra moeda enfrenta dificuldades. A Europa tem uma oportunidade com o euro, mas isso depende de maior integração fiscal e unificação no mercado de títulos soberanos — algo difícil no horizonte próximo. A China enfrenta percalços para se conectar ao sistema financeiro global.

E uma alternativa ao dólar não beneficiaria necessariamente os países emergentes, como Lula dá a entender. Sem moeda de referência, a economia global se tornaria mais volátil e sujeita a crises cambiais, pois nenhuma outra seria um substituto pleno. Declarações como a de Lula refletem uma insatisfação compreensível com Trump, mas construir alternativas exige mais que discursos — exige, sobretudo, cuidado para não gerar vulnerabilidades num momento em que o mundo precisa de mais, não de menos estabilidade.

Alta nas mortes em acidentes com motos exige política de prevenção

O Globo

Motocicletas se tornaram instrumento de trabalho. Medidas contra desastres devem estar baseadas em evidências

A motocicleta vem aumentando seu espaço nas cidades brasileiras à margem das regras de trânsito e sem fiscalização adequada. Como resultado, acidentes com motos se tornaram a principal causa de mortes no trânsito — elas chegaram a 34,9 mil em 2023, 3% acima das 33,9 mil de 2022, segundo o Atlas da Violência, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). É preciso que as autoridades lhes dediquem atenção especial.

Nos últimos 30 anos, a frota de motocicletas aumentou 40% — de 23,5 milhões para 33 milhões —, número compatível com o crescimento nos habilitados a dirigi-las. As mortes nos acidentes com motos, em contraste, se multiplicaram por dez. O pico havia sido 13 mil mortes em 2014. Elas caíram ligeiramente até 2019, mas de lá para cá — sem considerar 2020, ano da pandemia — dispararam. Chegaram a 6,3 por 100 mil habitantes em 2023, 12,5% mais que no ano anterior.

A moto é instrumento de trabalho para grande parcela da população de jovens de famílias desfavorecidas. Entregadores e motoboys estão presentes nas ruas, movidos por incentivos econômicos que premiam quem chegar mais rápido ao destino. Enquanto a prudência e o bom senso aconselham o respeito aos limites de velocidade e leis do trânsito, nem sempre esses itens estão no topo da lista de preocupações dos condutores. Falta treinamento e faltam campanhas robustas de conscientização sobre os riscos, voltadas tanto a quem dirige motos quanto aos motoristas de outros veículos que costumam provocar acidentes.

Há, é verdade, experiências bem-sucedidas. Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes briga na Justiça contra os mototáxis — embora os demais motociclistas estejam livres para levar caronas — e criou uma faixa exclusiva para motos nas avenidas movimentadas, a faixa azul. Com isso, elas deixam de ziguezaguear entre os carros, reduzindo o risco de acidentes. Já há faixas azuis em quase 50 avenidas paulistanas, com mais de 220 quilômetros de extensão. Outras cidades, como o Rio de Janeiro, já copiaram o modelo.

Nas faixas azuis paulistanas, entre 2023 e 2024, caiu 47,2% o número de mortes de motociclistas (de 36 para 19), segundo estudo da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). A “taxa de severidade” (vítimas graves ou fatais a cada cem acidentes sérios) relativa a motos é 1,22 dentro da faixa azul e 24,72 fora dela na Avenida dos Bandeirantes, uma das mais movimentadas da cidade. Apesar disso, as mortes de motociclistas cresceram 19,8% — de 403 para 483 — no ano passado em relação a 2023. Não há, portanto, solução mágica. O governo precisa adotar diversas medidas articuladas, dentro de uma política de prevenção contra acidentes baseada em evidências científicas, e não em circunstâncias políticas ou inclinações ideológicas.

Crédito em alta e programas do Planalto desafiam o BC

Valor Econômico

Enquanto a Fazenda planeja contingenciamento e bloqueio de verbas, para tentar cumprir a meta fiscal, o Planalto se empenha em programas eleitoreiros, um roteiro poderá ser, infelizmente, comum até as eleições

O crédito cresce a dois dígitos, apesar dos juros muito elevados, e tem dado sustentação a um ritmo de crescimento da economia que não parece que vá desacelerar tão cedo. Indústria, comércio e serviços avançaram no primeiro trimestre do ano, enquanto, ainda que com pequeno aumento da desocupação, o mercado de trabalho continua forte, com aumentos reais dos salários na casa dos 4%. As previsões para o PIB do ano estão sendo reajustadas para mais de 2%, o que é um problema para o Banco Central, que vê ainda poucos progressos no combate à inflação, de 5,53% em 12 meses. O governo Lula, por seu lado, pretende usar a alavanca do crédito para evitar que as atividades percam fôlego - o objetivo de uma política monetária restritiva - e planeja novas linhas para breve.

Ao fim do primeiro trimestre, Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil somavam saldo de R$ 4,35 trilhões em empréstimos e financiamentos, uma alta de 11,9% em um ano (Valor, 16/5). Pelas estatísticas do BC, o crédito ampliado à economia, que inclui títulos emitidos por governos e empresas para se financiar, evoluiu 13,3% em 12 meses. A participação das empresas privadas foi maior, dado o sucesso em captações no mercado de capitais até o fim de 2024 e cresceu 14,5%.

As concessões de novos créditos, embora com queda para as empresas em março, avançaram 18,2% para pessoas jurídicas e 12,5% para as pessoas físicas. Em março, a média diária das concessões subiu 8,1% ante fevereiro. O hiato do crédito, medida que revela o quanto a oferta está aumentando ou diminuindo em relação a sua tendência de longo prazo, foi de 4% positivos no fim de 2024, o maior nível desde pelo menos 2016, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira do BC. Já a curva de concessões de crédito das estatísticas do BC mostra em março apenas discreta inclinação de baixa na série dessazonalizada.

A disposição dos consumidores de endividar-se mais guarda relação direta com a solidez do mercado de trabalho. A Pnad Contínua do IBGE mostra alta da desocupação de 0,8% no trimestre encerrado em março em relação ao de dezembro, para 7%. Comparada ao mesmo trimestre de 2024, de 7,9%, a robustez do emprego mostra-se clara. Os sucessivos aumentos reais (acima da inflação) indicam um contexto favorável ao empregado. O rendimento real mensal médio habitual aumentou 4% no trimestre. Ainda que a massa salarial real tenha se mantido estável em R$ 345 bilhões em março, cresceu 6,6% em um ano e se elevou em R$ 21,2 bilhões.

Contribuiu para a melhoria da renda o aumento real do salário mínimo, que trouxe mais R$ 81,5 bilhões à economia a partir de janeiro. O governo Lula ampliou a quantidade de dinheiro disponível para o consumo ao antecipar mais uma vez para o primeiro semestre o 13o salário dos aposentados e pensionistas, o que, pelas contas oficiais, trará R$ 73,3 bilhões a eles em maio e junho.

Crédito e consumo em alta fizeram com que indústria, varejo e serviços terminassem em boa forma no primeiro trimestre do ano. No ano, a indústria evoluiu 1,9% até agora e 3,1% em 12 meses. Os dados do varejo restrito mostram expansão de 3,1% em 12 meses e os do varejo ampliado (inclui veículos, material de construção e comércio atacadista), 3%. Um item revela bem o impulso - o volume de vendas de eletrodomésticos no ano aumentou 7,7%.

O setor de serviços, que mobiliza dois terços do PIB, impulsionado diretamente pelo comportamento dos salários, mantém bom fôlego. No fim do trimestre, estava apenas 0,5 ponto abaixo do pico da série do IBGE, atingido em outubro de 2024. A receita nominal com serviços aumentou 7,6% no ano e 7,7% em 12 meses. A inflação dos serviços puxa a inflação e tem subido nas últimas divulgações do IPCA. Cálculos de analistas privados apontam que os preços do setor variaram 7% em 12 meses, um enorme problema para o BC, pois sem que eles caiam bem não há como a meta de 3% ser atingida.

Com a popularidade em baixa, o presidente Lula, após criar o crédito consignado para o trabalhador privado com garantia do FGTS, e uma linha de R$ 30 bilhões para moradias de classe média na faixa nova de R$ 8 mil a R$ 12 mil no Minha Casa Minha Vida, prepara outros programas de impacto. O Gás para Todos, que custará R$ 5 bilhões este ano, para contemplar 1,2 milhão de famílias, será estendido a 17 milhões de lares. Está prestes a ser anunciada a isenção do pagamento de luz para famílias que consomem até 80kWh por mês, que abrangerá 60 milhões de pessoas. O Planalto cogita criar linha de crédito para compra de motos para trabalhadores de aplicativos.

Enquanto a Fazenda planeja contingenciamento e bloqueio de verbas a ser anunciado na próxima semana, para tentar cumprir a meta fiscal, o Planalto se empenha em programas eleitoreiros cujos resultados serão propiciar mais recursos para o consumo em uma economia que cresce acima do que pode, com inflação longe da meta, e, no caso de programas sociais, busca recursos para ampliar o Gás para Todos e o Pé de Meia, destinado a manter jovens no ensino médio. A disparidade de rumos provocou reação dos investidores, com alta de juros e do câmbio na quinta-feira. Esse poderá ser, infelizmente, um roteiro comum até as eleições.

Imprudência fiscal cobra seu preço nos EUA

Folha de S. Paulo

Escalada da dívida leva país a perder nota máxima de crédito da Moody's; juros consomem parcelas crescentes do Orçamento

A agência de classificação de risco Moody’s rebaixou em um grau a nota de crédito dos Estados Unidos, retirando-os do seleto grupo de países com a nota máxima. Foi a última das três grandes empresas do gênero a fazê-lo —a S&P e a Fitch tomaram a mesma decisão em 2011 e 2023, respectivamente.

A decisão reflete preocupações de longo prazo com as contas do governo americano, hoje acentuadas por déficits públicos crescentes e pela ausência de medidas eficazes para conter a escalada da dívida pública.
A Moody’s apontou a perspectiva de escalada do endividamento federal, que no ritmo atual deve saltar do equivalente a 98% do Produto Interno Bruto em 2024 para 134% projetados até 2035.

A agência destacou a incapacidade do governo e do Congresso de alcançar consensos para reverter a tendência de déficits fiscais, que, estima-se, chegarão a 9% do PIB em dez anos, ante 6,4% hoje.

Esses fatores, combinados com choques econômicos recentes, criaram um cenário de deterioração. A dinâmica fiscal dos EUA é, de fato, preocupante. O governo tem operado com déficits primários elevados, financiados por emissões de dívida em um contexto de juros em ascensão.

A política monetária do Federal Reserve, que elevou suas taxas para conter a inflação, levou as despesas financeiras a consumirem uma fatia maior do Orçamento federal. Além disso, gastos obrigatórios, como previdência e saúde, continuam a subir, enquanto as receitas não o fazem na mesma velocidade.

A gestão de Donald Trump, que assumiu em janeiro de 2025, adiciona camadas de complexidade a esse cenário. Suas propostas, que incluem cortes de impostos para empresas e indivíduos, podem ampliar o déficit em até US$ 4 trilhões em dez anos se não forem acompanhadas por reduções de gastos ou aumento de outras fontes de arrecadação.

Apesar do rebaixamento, porém, não é certo que haverá turbulências significativas nos mercados de imediato. Historicamente, decisões semelhantes geraram volatilidade inicial, mas não comprometeram a confiança nos ativos americanos. Os EUA detêm a moeda de reserva global, o dólar, e os títulos do Tesouro continuam sendo considerados ativos seguros por investidores.

A demanda por esses papéis permanece robusta, como destacado pela própria Moody’s, já que a nova nota ainda é de altíssima qualidade e não deve alterar a disposição dos agentes nem impor restrições regulatórias.

No entanto a ampliação dos custos de financiamento já em curso —a despesa com juros já consome 18% das receitas de impostos, ante 9% em 2021— é um peso crescente que trará problemas maiores a médio prazo.

Países ricos têm naturalmente maior capacidade de endividamento público do que emergentes como o Brasil. Mesmo no caso da maior potência global, porém, a imprudência fiscal cedo ou tarde cobra seu preço.

Uma boa saída para o Moinho

Folha de S. Paulo

Acordo entre Tarcísio e Lula para reassentamento é sensato; parcerias são essenciais para conter déficit habitacional

Depois de despertar rivalidades políticas estéreis, o caso da favela do Moinho, na cidade de São Paulo, acabou por se tornar um exemplo virtuoso de colaboração entre diferentes esferas de governo.

Na última quinta (15), o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a gestão paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos) firmaram um acordo para reassentar cerca de 800 famílias que moravam ou ainda moram na comunidade situada no centro da capital.

O terreno pertence à União, mas a regularização fundiária não era possível, já que sua localização, entre duas linhas férreas, é arriscada tanto para moradores quanto para passageiros dos trens. Ademais, a área, que só recentemente teve acesso a esgoto e água, já foi palco de incêndios e disputas de posse e sofre com a presença do crime organizado.

Assim, tornou-se necessário desocupá-la. Pelo plano paulista, quem saísse da favela poderia comprar um imóvel de até R$ 250 mil financiado pela companhia estadual de habitação (CDHU). O governo Tarcísio assumiria até 70% dos custos para famílias com renda mínima de um salário mínimo (R$ 1.518 mensais) —mas estima-se que 30% delas não preencham esse requisito.

Além disso, houve reclamações. Dos mais de 1.000 imóveis ofertados, prontos ou em construção, só pouco mais de 100 na região central da cidade já poderiam receber as famílias. Durante a espera, elas receberiam auxílio para aluguel de R$ 800 ao mês.

De acordo com o governo de São Paulo, 90% dos moradores aceitaram a proposta e 180 famílias já saíram do local.

Com o acordo no âmbito federal, as habitações serão subsidiadas integralmente —a União arcará com R$ 180 mil, e o estado, com R$ 70 mil. As famílias receberão R$ 1.200 durante o período em que o imóvel é avaliado para aprovação, e quem participava do plano anterior poderá entrar no atual.

Também houve avanço num ponto de interesse para a gestão Tarcísio, que visa obter a cessão do terreno para construir um parque. Na terça (13), as tratativas sobre a doação haviam sido interrompidas pela União, que discordou do processo de demolição das casas e de ações da Polícia Militar no local com bombas de gás e tiros de borracha. Agora, a negociação será retomada.

O Moinho é sintoma do deficit habitacional e de infraestrutura —como em saneamento— que afeta São Paulo e outras cidades do país. Parcerias, sejam entre esferas de governo ou com empresas privadas, são fundamentais para sanar esse flagelo histórico. 

Um país que envelhece mal

O Estado de S. Paulo

Dados do IBGE mostram que número de nascimentos segue em queda no Brasil, o que, combinado com o envelhecimento populacional, pressiona os sistemas previdenciário, de saúde e educação

Em 2023, pelo quinto ano seguido, o Brasil registrou queda no número de nascimentos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram registrados 2,5 milhões de nascimentos em cartórios País afora, uma queda de 0,7% em relação a 2022. Não bastasse isso, o índice de registros foi o menor desde 1976.

A queda nos nascimentos se dá em todas as regiões do Brasil, com exceção do Centro-Oeste, onde, entre 2022 e 2023, houve aumento de 1,1% no número de registros de brasileiros nascidos vivos.

Por unidade da Federação, a tendência de queda se comprova na maioria (18), com destaque para Rondônia (-3,7% de registros), Amapá (-2,7%) e Rio de Janeiro (-2,2%). Em São Paulo, o recuo foi de 1,7%. Tocantins (+3,4%) e Goiás (+2,8%) figuram entre a minoria de Estados (nove) com aumento nos números de nascimentos.

Combinados, a taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição (que é de dois filhos por casal) e o recuo no total de mulheres em fase reprodutiva exigem atenção especial das autoridades.

No mundo desenvolvido, a queda de nascimentos e o envelhecimento da população representam um desafio para a gestão dos sistemas previdenciário, de educação e saúde, entre outros. No Brasil, um país marcado pela baixa produtividade no trabalho e pelo mau desempenho dos estudantes em exames nacionais e internacionais de aprendizagem, a questão ganha contornos ainda mais dramáticos.

De acordo com projeções divulgadas anteriormente pelo IBGE, a população brasileira terá seu ápice em 2041 – serão 220 milhões de habitantes. A partir daí, passará a diminuir, chegando a 199 milhões até 2070.

Tal padrão já é realidade em países como o Japão, bem como em outros da União Europeia. Ao contrário do Brasil, porém, esses países já alcançaram um alto padrão de desenvolvimento, educação e prosperidade econômica e social. Tanto japoneses quanto europeus desfrutam de índices de produtividade no trabalho superiores aos brasileiros, além de ostentarem níveis médios de desempenho educacional bem melhores do que os nossos. Por isso, estão mais preparados para lidar com o desafio da queda da natalidade acompanhada do envelhecimento populacional e podem lidar melhor com ferramentas tecnológicas, como a inteligência artificial (IA), seja para manter, seja para aprimorar a produtividade. Ademais, a tecnologia não raro é empregada para criar serviços para uma população que envelhece.

Por mais que hoje, no mundo, exista uma forte ideologização contra imigrantes, esses países estão em uma posição privilegiada para atrair mão de obra estrangeira qualificada, que será necessária tanto para compensar a queda no número de nascimentos quanto para atender um contingente crescente de idosos.

Já o Brasil, que antes do fim deste século deixará a lista dos dez países mais populosos do mundo – atualmente estamos na sétima posição –, está envelhecendo antes de se desenvolver e distribuir bem entre seus cidadãos os frutos do progresso.

Levantamento recente do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) mostrou que 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais, ou seja, mesmo escolarizados não conseguem interpretar textos ou fazer contas ligeiramente mais complexas. É imperativo melhorar a qualidade da educação brasileira, além de criar condições para que os cidadãos sejam digitalmente letrados. Só assim o País poderá ampliar sua produtividade e assegurar um crescimento econômico sustentado.

Sem solidez econômica, o País dificilmente conseguirá promover as adequações necessárias na área da saúde, por exemplo. A longevidade humana é uma extraordinária conquista civilizatória, mas exige preparo para lidar não apenas com as enfermidades que acometem os mais velhos, como também com as limitações impostas pela idade mais avançada.

E ainda há o desafio nada trivial da Previdência pública. Com menos brasileiros em idade de trabalho e mais cidadãos com direito à aposentadoria, o sistema atual prova-se cada vez menos sustentável.

Preso à mediocridade, o Brasil que envelhece e, em breve, passará a encolher pode pagar um preço muito caro se não atentar para os números do IBGE e começar a agir.

Subdesenvolvimento à mão armada

O Estado de S. Paulo

América Latina e Caribe reúnem 9% da população mundial, mas respondem por um terço dos homicídios, segundo o Banco Mundial. Não haverá prosperidade sem combate eficaz ao crime organizado

O crime organizado e a violência converteram-se em um obstáculo central ao desenvolvimento da América Latina e do Caribe (ALC), de acordo com um relatório recém-divulgado pelo Banco Mundial.

Apesar de abrigar, aproximadamente, apenas 9% da população mundial, a ALC responde por um terço dos homicídios globais. Entre 2000 e 2009, a taxa média de homicídios da região foi 5,4 vezes maior do que a global (22 homicídios por 100 mil habitantes contra 4,1), situação que se agravou entre 2010 e 2019, quando essa disparidade ficou oito vezes maior (23,9 homicídios por 100 mil habitantes na ALC, ante 3,0 em escala global).

Os indicadores de homicídio na região são muito altos mesmo quando comparados aos de países com renda per capita e níveis de desigualdade semelhantes aos latino-americanos e caribenhos. Ou seja, embora as condições sociais expliquem parte dos alarmantes números de letalidade, outros fatores devem ser considerados.

De acordo com o relatório, há um “excesso” de letalidade na ALC, o que sugere que o crime organizado nessa região é mais letal do que em outras. A conclusão do Banco Mundial baseia-se em análise de pesquisas que permitem a comparação entre países e regiões.

“Um terço das pessoas entrevistadas na Pesquisa Mundial de Valores (WVS, na sigla em inglês) da ALC afirma que elas ou algum familiar havia sido vítima de crime no ano anterior”, destaca o Banco Mundial, enfatizando que tal número é “três vezes maior que a média do resto do mundo”.

Além disso, a maioria dos países não pertencentes à ALC classificados entre os 50 primeiros em matéria de criminalidade apresenta taxas de homicídio inferiores a 10 por 100 mil habitantes, com exceção de Nigéria, África do Sul e Sudão do Sul.

“Em contrapartida, todos os países da ALC no mesmo grupo, exceto Paraguai e Peru, têm taxas de homicídio superiores a 10 por 100 mil habitantes e, em sete países, o número de pessoas assassinadas a cada grupo de 100 mil habitantes é superior a 20.”

É o caso do Brasil, onde, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes ficou em 22,8% em 2023, e superou os 30% nas Regiões Norte e Nordeste.

Infelizmente, grupos que atuam em atividades ilícitas estão se expandindo tanto no País quanto na ALC de modo geral, e por uma série de razões, como o aumento da demanda global por cocaína e por ouro ilegal.

É preciso reconhecer ainda que em regiões remotas, e nas quais o Estado é apenas uma miragem, entrar para grupos criminosos pode ser a única “oportunidade de emprego”, sobretudo para homens jovens. A Amazônia é um retrato disso. Estudo de fevereiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que em algumas regiões do Brasil, como a Amazônia, o crime organizado já é o principal empregador.

Por fim, avanços tecnológicos e a grande disponibilidade de armamento facilitaram o crescimento do crime organizado em novas áreas e mercados.

Lidar com esses desafios, segundo o Banco Mundial, exige uma agenda robusta de capacitação do Estado no combate ao crime.

Sobre a polícia, embora seja tentador argumentar a favor do aumento dos contingentes policiais, o órgão internacional pondera que fatores que vão além do tamanho das forças de segurança são determinantes para a eficácia policial. Remanejar recursos destinados ao patrulhamento para a investigação, melhorar o treinamento e as condições de trabalho das polícias e uma maior integração entre agências locais e nacionais, bem como entre países, podem ampliar a eficiência das forças de segurança na ALC.

Já em relação ao sistema judicial, o relatório destaca a impunidade como um problema significativo. Apoiar mecanismos inovadores de resolução de disputas pode ser um primeiro passo para a retomada do controle do Estado em áreas em que as organizações criminosas “promovem” justiça.

Enfrentar tantos desafios certamente não será tarefa fácil para uma região que tem elevados indicadores de violência, e perspectivas reduzidas de crescimento. A inação de governantes, contudo, custará bem mais caro. Não haverá prosperidade na América Latina e no Caribe sem o combate eficaz ao crime organizado.

O imbróglio dos mototáxis

O Estado de S. Paulo

Proibir, como quer a Prefeitura, parece guerra perdida; regular e fiscalizar é o caminho

Em novos capítulos da batalha judicial em torno da oferta de mototáxi na maior cidade do País, a Justiça de São Paulo primeiro julgou improcedente uma ação civil pública interposta pela Prefeitura que visava a suspender esse tipo de transporte na capital paulista. Ato contínuo, empresas que operam por meio de aplicativos voltaram a oferecer o serviço em São Paulo.

Dias depois, porém, a atividade voltou a ser suspensa. O desembargador Eduardo Gouvêa entendeu que a análise de decreto da Prefeitura, de 2023, que proibiu o transporte individual por moto, ainda não foi concluída. Ademais, o magistrado destacou que, como o serviço estava proibido, o município precisa regulamentá-lo, o que sugeriu que ocorra em um prazo de 90 dias.

Embora a decisão judicial mais recente suspenda a oferta do mototáxi em São Paulo, os esforços da Prefeitura pela proibição parecem ser um dispêndio de energia em uma guerra perdida. Isso porque é crescente o entendimento de que o poder municipal não tem competência para proibir a atividade.

Como destacou anteriormente o juiz Josué Vilela Pimentel, o decreto municipal que proíbe o serviço de mototáxi é flagrantemente “inconstitucional”. Para ele, “a edição de leis e decretos inconstitucionais, com o intuito de sumariamente proibir a atividade, em nada colabora com a solução do problema vislumbrado pela autora (a Prefeitura)”. Tanto a Justiça quanto as empresas de aplicativo entendem que o serviço de mototáxi é regulado por lei federal, conforme competência legislativa privativa da União.

A respeito da fiscalização, o juiz Pimentel afirmou, com razão, que nenhum motorista que se desloca pela capital paulista desconhece o comportamento “por vezes flagrantemente contrário às normas de circulação” adotado por grande parte dos motociclistas, não raro “às barbas” dos agentes de trânsito.

De fato, qualquer um que transite por São Paulo vê não só as barbaridades praticadas por motociclistas, como atesta a quase inexistência de agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) organizando e fiscalizando o trânsito na cidade.

A Prefeitura argumenta ser contra o serviço por entender que dele decorrerá um aumento no número de acidentes fatais. A realidade é que a letalidade no trânsito de São Paulo já aumenta ano após ano, e os motociclistas são as mais frequentes vítimas fatais. Só em 2024, 484 deles perderam a vida no trânsito paulistano.

Além disso, nas periferias, como registrou o Estadão, o serviço de mototáxi clandestino não só existe há tempos, como concede até “cartões fidelidade” aos usuários, em geral cidadãos que se veem forçados a optar pelo risco da moto para não passarem horas aguardando por transporte coletivo.

Tudo isso só reforça a necessidade de o poder público ofertar mais modais coletivos para a população e, sobretudo, fiscalizar o trânsito, como bem pontuou Pimentel. Proibir o mototáxi não é a solução. “Se o número de acidentes aumenta”, escreveu o juiz, “é claro sinal de que a fiscalização é insuficiente e/ou ineficiente”. Mais didático, impossível.

Abuso sexual virtual na infância e adolescência

Correio Braziliense

A solução é complexa, mas o país não pode ficar parado diante das dificuldades, vendo a situação piorar a cada nova estatística

A conscientização e o enfrentamento do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil precisam estar constantemente no radar das autoridades e da sociedade. Neste mês, dedicado às reflexões sobre o tema, a realidade assustadora fica mais evidente diante do lançamento de ações e da divulgação de dados. A ChildFund, organização internacional que atua na defesa dos direitos desse público no país há quase 60 anos, desenvolveu estudo que serve de alerta máximo quando a questão está ligada às redes sociais.

Segundo a pesquisa Mapeamento dos Fatores de Vulnerabilidade de Adolescentes Brasileiros na Internet, 54% dos menores  sofreram violência sexual virtual, o que corresponde a 9,2 milhões de vítimas — os casos aconteceram com e sem a interação de um agressor. No levantamento, conforme a entidade, foram feitas cerca de 9 mil entrevistas, principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste.

Neste ano, o Maio Laranja - que pretende jogar luz sobre o problema, com o dia 18 institucionalizado para destacar o chamamento contra a exploração sexual infantil no Brasil — indica a importância de proteger esse público da investida de abusadores por meio da web. Os criminosos, aponta a organização da iniciativa nacional, usam diversos artifícios para se aproximar dos menores.

Muitas vezes, o contato parte do envio de emojis. Essas inofensivas imagens — que seriam apenas para expressar emoções, ideias e símbolos — ganham significados maldosos e até dificultam a identificação do assédio. Ainda de acordo com a campanha, a estratégia normalmente começa de uma forma amistosa, seguindo para o aumento do nível de intimidade e entrando numa escala gradativa de ameaça, que pode terminar em um estupro virtual.

Com o risco presente na vida das crianças e dos adolescentes, cada vez mais presos às telas, as famílias e as escolas precisam ter atenção máxima às interações no ambiente virtual. Não há como escapar dessa responsabilidade. Os menores estão sujeitos aos ataques pelas redes sociais, e essa insegurança se combate com presença afetiva dos parentes e dos educadores, a partir de uma escuta verdadeira e cuidadosa. Sem diálogo e confiança, o cenário tende a se agravar.

A punição dos agressores é outro ponto essencial para garantir proteção às potenciais vítimas. No Senado, em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), há um projeto de lei para incluir no Código Penal o crime de estupro virtual de vulnerável. A regulamentação dos meios digitais e das redes sociais também surge como desafio na luta contra esse tipo de violência.

A solução é complexa, mas o país não pode ficar parado diante das dificuldades, vendo a situação piorar a cada nova estatística. O debate e o entendimento sobre o tema têm de ser aprofundados, porém devem chegar de maneira clara à população. As artimanhas dos abusadores e o medo das vítimas de denunciar, por exemplo, podem ser enfrentados com conscientização. O investimento em tecnologia para a localização dos autores dessa barbárie precisa estar no orçamento dos governos, das instituições e das plataformas.

Se na maioria das vezes os violentadores físicos estão bem próximos das crianças e dos adolescentes, a internet não possui limites - e as marcas são tão profundas como quando ocorre o contato real. Não permitir que o abuso sexual virtual aconteça é missão diária nos lares, nas salas de aula e em qualquer lugar onde um menor esteja conectado à internet.

Segundo ano de queda no desmatamento

O Povo (CE)

Dados mostram avanço na proteção do meio ambiente durante o governo Lula, após retrocessos registrados na gestão Bolsonaro

O desmatamento diminuiu no Brasil pelo segundo ano consecutivo. Ainda assim, entre 2019 e 2024, foi destruída uma área de vegetação nativa equivalente ao território da Coreia do Sul. Os dados são da Rede MapBiomas — iniciativa colaborativa que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia — e foram divulgados na última quinta-feira, 15.

Ao todo, a redução do desmatamento no território nacional foi de 32,4%. Em 2023, a queda havia sido de 11,6%. O cenário estancou uma sangria iniciada desde antes do começo do monitoramento da Rede MapBiomas, em 2019, que constatou aumento na desflorestação em 2020, 2021 e 2022 — ano em que se atingiu o pico de 2.114.611 hectares de área atingida. A título de comparação, essa área desmatada em apenas um ano corresponde aproximadamente à extensão territorial de países como El Salvador ou Eslovênia.

A redução consecutiva ocorre nos dois primeiros anos do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que retornou ao poder com um discurso crítico à gestão ambiental de seu antecessor, Jair Bolsonaro. A análise dos anos anteriores é fundamental, pois o avanço percentual se baseia na comparação direta entre períodos consecutivos. Mesmo após dois anos de queda, a área desmatada em 2024 ainda é ligeiramente superior à de 2019. Houve, portanto, uma desaceleração do impacto ambiental das atividades humanas, o que pode indicar, no máximo, o início de um processo de reversão de um cenário devastador.

Por mais significativo que seja o avanço, é importante destacar que a gestão anterior adotou um discurso negacionista em relação às mudanças climáticas, além de ter desarticulado órgãos de proteção ambiental e incentivado atividades como o garimpo ilegal. Assim, em 2022 houve recordes em praticamente todos os indicadores de destruição do meio ambiente.

O dado mais alentador é que, pela primeira vez, a Rede MapBiomas não registrou aumento no desmatamento em nenhum dos seis biomas brasileiros. O resultado mais expressivo foi na Amazônia, que, em 2022, registrou sozinha 1.250.000 hectares de área desmatada. Sob a fiscalização do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, comandado pela ambientalista Marina Silva, esses números caíram para 450 mil hectares em 2023 e 380 mil no ano passado. Ainda assim, trata-se de uma média de sete árvores derrubadas por segundo.

O Cerrado, especialmente na região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), manteve-se, pelo segundo ano consecutivo, como o bioma mais desmatado. Foram 652 mil hectares de vegetação destruídos — o que representa 52% do total registrado. Paralelamente, a Mata Atlântica apresentou estabilidade nos indicadores, com um aumento de 2%, causado, principalmente, pelas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. Ressalte-se, porém, que eventos climáticos extremos tendem a se tornar mais frequentes diante do avanço das mudanças climáticas.

O segundo ano consecutivo de avanço é um sinal positivo. No entanto, os dados reforçam a urgência de ações eficazes de proteção ao meio ambiente. Os recursos naturais são finitos, e a preservação da fauna e da flora brasileiras não pode ser postergada em nome de uma busca desenfreada por desenvolvimento econômico.

A riqueza do Brasil está nas florestas, nos animais e em seu povo.

 

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