Adoção de moeda alternativa ao dólar envolve riscos
O Globo
Predomínio da divisa americana nos negócios
globais foi ameaçado por Trump, mas substituição não é trivial
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva voltou a defender na semana passada a adoção de uma alternativa ao dólar nos
negócios internacionais. Lula manifestou preocupação com a “vantagem imensa”
que os Estados Unidos obtêm por emitir a principal moeda do planeta (o dólar
domina 88% do comércio global e 57% das reservas internacionais). A ideia não é
nova. Quando ministro das Finanças do governo Charles de Gaulle, o futuro
presidente da França Valéry Giscard d’Estaing batizou tal vantagem de
“privilégio exorbitante”.
Graças à demanda por dólares e papéis de seu Tesouro, os Estados Unidos têm o “privilégio” de pagar juros mais baixos para tomar dinheiro emprestado. Com isso, podem financiar déficits públicos crescentes sem se preocupar com crises cambiais ou corridas contra sua moeda. Em contrapartida, a valorização do dólar encarece as exportações. Por isso os arautos do trumpismo a criticam como artificial e atribuem a ela a desindustrialização.
Na realidade, a desindustrialização decorre
mais do padrão produtivo do país — especializado em serviços avançados e
inovação tecnológica — que do papel global do dólar. O próprio “privilégio” não
é tão exorbitante assim. Embora a demanda alta valorize o dólar, o déficit
americano em transações correntes tem caído (de 5,1% do PIB entre 2001 e 2009
para 2,6% desde então, na conta do economista Samuel Pessôa).
Os ativos mantidos em dólar são atraentes
porque o Fed, banco central americano, preserva seu poder de compra — e a
Justiça garante respeito à propriedade em poder de estrangeiros. Mas tudo isso
tem sido posto em xeque desde que Donald Trump assumiu a Presidência. “Até
agora, a confiança nas leis convenceu os investidores de que os ativos
americanos estão entre os mais seguros do mundo. Se os esforços de Trump
estenderem demais os poderes presidenciais, eles se sentirão menos seguros”,
escreveu o economista Kenneth Rogoff. O dólar, diz ele, está em declínio desde
2015, mas Trump acelerou a tendência. O impacto do choque tarifário na
inflação, a dívida crescente e, sobretudo, as ameaças de intervir no Fed
aumentam o risco.
A força do dólar não é eterna nem inevitável.
A posição privilegiada consolidada desde os acordos de Bretton Woods, em 1944,
sempre dependeu da capacidade americana de fornecer bens públicos financeiros —
liquidez, segurança e estabilidade. Ao promover a guerra tarifária, Trump
acelera a busca por alternativas. Para o economista Maurice Obstfeld, o dólar
sobreviverá como moeda dominante, mas a erosão de sua credibilidade está em
marcha.
Qualquer transição para outra moeda enfrenta
dificuldades. A Europa tem uma oportunidade com o euro, mas isso depende de
maior integração fiscal e unificação no mercado de títulos soberanos — algo
difícil no horizonte próximo. A China enfrenta percalços para se conectar ao
sistema financeiro global.
E uma alternativa ao dólar não beneficiaria
necessariamente os países emergentes, como Lula dá a entender. Sem moeda de
referência, a economia global se tornaria mais volátil e sujeita a crises
cambiais, pois nenhuma outra seria um substituto pleno. Declarações como a de
Lula refletem uma insatisfação compreensível com Trump, mas construir
alternativas exige mais que discursos — exige, sobretudo, cuidado para não
gerar vulnerabilidades num momento em que o mundo precisa de mais, não de menos
estabilidade.
Alta nas mortes em acidentes com motos exige
política de prevenção
O Globo
Motocicletas se tornaram instrumento de
trabalho. Medidas contra desastres devem estar baseadas em evidências
A motocicleta vem aumentando seu espaço nas
cidades brasileiras à margem das regras de trânsito e
sem fiscalização adequada. Como resultado, acidentes com motos se tornaram a
principal causa de mortes no trânsito — elas chegaram a 34,9 mil em 2023, 3%
acima das 33,9 mil de 2022, segundo o Atlas da Violência, divulgado pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). É preciso que as autoridades lhes dediquem atenção especial.
Nos últimos 30 anos, a frota de motocicletas
aumentou 40% — de 23,5 milhões para 33 milhões —, número compatível com o
crescimento nos habilitados a dirigi-las. As mortes nos acidentes com motos, em
contraste, se multiplicaram por dez. O pico havia sido 13 mil mortes em 2014.
Elas caíram ligeiramente até 2019, mas de lá para cá — sem considerar 2020, ano
da pandemia — dispararam. Chegaram a 6,3 por 100 mil habitantes em 2023, 12,5%
mais que no ano anterior.
A moto é instrumento de trabalho para grande
parcela da população de jovens de famílias desfavorecidas. Entregadores e
motoboys estão presentes nas ruas, movidos por incentivos econômicos que
premiam quem chegar mais rápido ao destino. Enquanto a prudência e o bom senso
aconselham o respeito aos limites de velocidade e leis do trânsito, nem sempre
esses itens estão no topo da lista de preocupações dos condutores. Falta
treinamento e faltam campanhas robustas de conscientização sobre os riscos,
voltadas tanto a quem dirige motos quanto aos motoristas de outros veículos que
costumam provocar acidentes.
Há, é verdade, experiências bem-sucedidas. Em
São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes briga na Justiça contra os mototáxis —
embora os demais motociclistas estejam livres para levar caronas — e criou uma
faixa exclusiva para motos nas avenidas movimentadas, a faixa azul. Com isso,
elas deixam de ziguezaguear entre os carros, reduzindo o risco de acidentes. Já
há faixas azuis em quase 50 avenidas paulistanas, com mais de 220 quilômetros
de extensão. Outras cidades, como o Rio de Janeiro, já copiaram o modelo.
Nas faixas azuis paulistanas, entre 2023 e
2024, caiu 47,2% o número de mortes de motociclistas (de 36 para 19), segundo
estudo da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). A “taxa de severidade”
(vítimas graves ou fatais a cada cem acidentes sérios) relativa a motos é 1,22
dentro da faixa azul e 24,72 fora dela na Avenida dos Bandeirantes, uma das
mais movimentadas da cidade. Apesar disso, as mortes de motociclistas cresceram
19,8% — de 403 para 483 — no ano passado em relação a 2023. Não há, portanto,
solução mágica. O governo precisa adotar diversas medidas articuladas, dentro
de uma política de prevenção contra acidentes baseada em evidências
científicas, e não em circunstâncias políticas ou inclinações ideológicas.
Crédito em alta e programas do Planalto
desafiam o BC
Valor Econômico
Enquanto a Fazenda planeja contingenciamento
e bloqueio de verbas, para tentar cumprir a meta fiscal, o Planalto se empenha
em programas eleitoreiros, um roteiro poderá ser, infelizmente, comum até as
eleições
O crédito cresce a dois dígitos, apesar dos
juros muito elevados, e tem dado sustentação a um ritmo de crescimento da
economia que não parece que vá desacelerar tão cedo. Indústria, comércio e
serviços avançaram no primeiro trimestre do ano, enquanto, ainda que com
pequeno aumento da desocupação, o mercado de trabalho continua forte, com
aumentos reais dos salários na casa dos 4%. As previsões para o PIB do ano
estão sendo reajustadas para mais de 2%, o que é um problema para o Banco
Central, que vê ainda poucos progressos no combate à inflação, de 5,53% em 12
meses. O governo Lula, por seu lado, pretende usar a alavanca do crédito para
evitar que as atividades percam fôlego - o objetivo de uma política monetária
restritiva - e planeja novas linhas para breve.
Ao fim do primeiro trimestre, Itaú Unibanco,
Bradesco, Santander e Banco do Brasil somavam saldo de R$ 4,35 trilhões em
empréstimos e financiamentos, uma alta de 11,9% em um ano (Valor, 16/5). Pelas
estatísticas do BC, o crédito ampliado à economia, que inclui títulos emitidos
por governos e empresas para se financiar, evoluiu 13,3% em 12 meses. A
participação das empresas privadas foi maior, dado o sucesso em captações no
mercado de capitais até o fim de 2024 e cresceu 14,5%.
As concessões de novos créditos, embora com
queda para as empresas em março, avançaram 18,2% para pessoas jurídicas e 12,5%
para as pessoas físicas. Em março, a média diária das concessões subiu 8,1%
ante fevereiro. O hiato do crédito, medida que revela o quanto a oferta está
aumentando ou diminuindo em relação a sua tendência de longo prazo, foi de 4%
positivos no fim de 2024, o maior nível desde pelo menos 2016, segundo o
Relatório de Estabilidade Financeira do BC. Já a curva de concessões de crédito
das estatísticas do BC mostra em março apenas discreta inclinação de baixa na
série dessazonalizada.
A disposição dos consumidores de endividar-se
mais guarda relação direta com a solidez do mercado de trabalho. A Pnad
Contínua do IBGE mostra alta da desocupação de 0,8% no trimestre encerrado em
março em relação ao de dezembro, para 7%. Comparada ao mesmo trimestre de 2024,
de 7,9%, a robustez do emprego mostra-se clara. Os sucessivos aumentos reais
(acima da inflação) indicam um contexto favorável ao empregado. O rendimento
real mensal médio habitual aumentou 4% no trimestre. Ainda que a massa salarial
real tenha se mantido estável em R$ 345 bilhões em março, cresceu 6,6% em um
ano e se elevou em R$ 21,2 bilhões.
Contribuiu para a melhoria da renda o aumento
real do salário mínimo, que trouxe mais R$ 81,5 bilhões à economia a partir de
janeiro. O governo Lula ampliou a quantidade de dinheiro disponível para o
consumo ao antecipar mais uma vez para o primeiro semestre o 13o salário dos
aposentados e pensionistas, o que, pelas contas oficiais, trará R$ 73,3 bilhões
a eles em maio e junho.
Crédito e consumo em alta fizeram com que
indústria, varejo e serviços terminassem em boa forma no primeiro trimestre do
ano. No ano, a indústria evoluiu 1,9% até agora e 3,1% em 12 meses. Os dados do
varejo restrito mostram expansão de 3,1% em 12 meses e os do varejo ampliado
(inclui veículos, material de construção e comércio atacadista), 3%. Um item
revela bem o impulso - o volume de vendas de eletrodomésticos no ano aumentou
7,7%.
O setor de serviços, que mobiliza dois terços
do PIB, impulsionado diretamente pelo comportamento dos salários, mantém bom
fôlego. No fim do trimestre, estava apenas 0,5 ponto abaixo do pico da série do
IBGE, atingido em outubro de 2024. A receita nominal com serviços aumentou 7,6%
no ano e 7,7% em 12 meses. A inflação dos serviços puxa a inflação e tem subido
nas últimas divulgações do IPCA. Cálculos de analistas privados apontam que os
preços do setor variaram 7% em 12 meses, um enorme problema para o BC, pois sem
que eles caiam bem não há como a meta de 3% ser atingida.
Com a popularidade em baixa, o presidente
Lula, após criar o crédito consignado para o trabalhador privado com garantia
do FGTS, e uma linha de R$ 30 bilhões para moradias de classe média na faixa
nova de R$ 8 mil a R$ 12 mil no Minha Casa Minha Vida, prepara outros programas
de impacto. O Gás para Todos, que custará R$ 5 bilhões este ano, para
contemplar 1,2 milhão de famílias, será estendido a 17 milhões de lares. Está
prestes a ser anunciada a isenção do pagamento de luz para famílias que
consomem até 80kWh por mês, que abrangerá 60 milhões de pessoas. O Planalto
cogita criar linha de crédito para compra de motos para trabalhadores de
aplicativos.
Enquanto a Fazenda planeja contingenciamento
e bloqueio de verbas a ser anunciado na próxima semana, para tentar cumprir a
meta fiscal, o Planalto se empenha em programas eleitoreiros cujos resultados
serão propiciar mais recursos para o consumo em uma economia que cresce acima
do que pode, com inflação longe da meta, e, no caso de programas sociais, busca
recursos para ampliar o Gás para Todos e o Pé de Meia, destinado a manter
jovens no ensino médio. A disparidade de rumos provocou reação dos investidores,
com alta de juros e do câmbio na quinta-feira. Esse poderá ser, infelizmente,
um roteiro comum até as eleições.
Imprudência fiscal cobra seu preço nos EUA
Folha de S. Paulo
Escalada da dívida leva país a perder nota
máxima de crédito da Moody's; juros consomem parcelas crescentes do Orçamento
A agência de classificação de risco Moody’s
rebaixou em um grau a nota de crédito dos Estados
Unidos, retirando-os do seleto grupo de países com a nota máxima. Foi a
última das três grandes empresas do gênero a fazê-lo —a S&P e a Fitch
tomaram a mesma decisão em 2011 e 2023, respectivamente.
A decisão reflete preocupações de longo prazo
com as contas do governo americano, hoje acentuadas por déficits públicos
crescentes e pela ausência de medidas eficazes para conter a escalada da dívida
pública.
A Moody’s apontou a perspectiva de escalada do endividamento federal, que no
ritmo atual deve saltar do equivalente a 98% do Produto Interno Bruto em 2024
para 134% projetados até 2035.
A agência destacou a incapacidade do governo
e do Congresso de alcançar consensos para reverter a tendência de déficits
fiscais, que, estima-se, chegarão a 9% do PIB em dez
anos, ante 6,4% hoje.
Esses fatores, combinados com choques
econômicos recentes, criaram um cenário de deterioração. A dinâmica fiscal
dos EUA é, de fato, preocupante. O governo tem operado com déficits primários
elevados, financiados por emissões de dívida em um contexto de juros em
ascensão.
A política monetária do Federal Reserve, que
elevou suas taxas para conter a inflação,
levou as despesas financeiras a consumirem uma fatia maior do Orçamento
federal. Além disso, gastos obrigatórios, como previdência e saúde, continuam a
subir, enquanto as receitas não o fazem na mesma velocidade.
A gestão de Donald Trump,
que assumiu em janeiro de 2025, adiciona camadas de complexidade a esse
cenário. Suas propostas, que incluem cortes de impostos para empresas e
indivíduos, podem ampliar o déficit em até US$ 4 trilhões em dez anos se não
forem acompanhadas por reduções de gastos ou aumento de outras fontes de
arrecadação.
Apesar do rebaixamento, porém, não é certo
que haverá turbulências significativas nos mercados de imediato.
Historicamente, decisões semelhantes geraram volatilidade inicial, mas não
comprometeram a confiança nos ativos americanos. Os EUA detêm a moeda de
reserva global, o dólar, e os
títulos do Tesouro continuam sendo considerados ativos seguros por
investidores.
A demanda por esses papéis permanece robusta,
como destacado pela própria Moody’s, já que a nova nota ainda é de altíssima
qualidade e não deve alterar a disposição dos agentes nem impor restrições
regulatórias.
No entanto a ampliação dos custos de
financiamento já em curso —a despesa com juros já consome 18% das receitas de
impostos, ante 9% em 2021— é um peso crescente que trará problemas maiores a
médio prazo.
Países ricos têm naturalmente maior
capacidade de endividamento público do
que emergentes como o Brasil. Mesmo no caso da maior potência global,
porém, a imprudência fiscal cedo ou tarde cobra seu preço.
Uma boa saída para o Moinho
Folha de S. Paulo
Acordo entre Tarcísio e Lula para
reassentamento é sensato; parcerias são essenciais para conter déficit
habitacional
Depois de despertar rivalidades políticas
estéreis, o caso da favela do
Moinho, na cidade de São Paulo,
acabou por se tornar um exemplo virtuoso de colaboração entre diferentes
esferas de governo.
Na última quinta (15), o governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) e a
gestão paulista de Tarcísio
de Freitas (Republicanos)
firmaram um acordo
para reassentar cerca de 800 famílias que moravam ou ainda moram na
comunidade situada no centro da capital.
O terreno pertence à União, mas a
regularização fundiária não era possível, já que sua
localização, entre duas linhas férreas, é arriscada tanto para
moradores quanto para passageiros dos trens. Ademais, a área, que só
recentemente teve acesso a esgoto e água, já foi palco de incêndios e disputas
de posse e sofre com a presença do crime organizado.
Assim, tornou-se necessário desocupá-la. Pelo
plano paulista, quem saísse da favela poderia comprar um imóvel de até R$ 250
mil financiado pela companhia estadual de habitação (CDHU). O governo Tarcísio
assumiria até 70% dos custos para famílias com renda mínima de um salário
mínimo (R$ 1.518 mensais) —mas estima-se que 30% delas não preencham esse
requisito.
Além disso, houve reclamações. Dos mais de
1.000 imóveis ofertados, prontos ou em construção, só pouco mais de 100 na
região central da cidade já poderiam receber as famílias. Durante a espera,
elas receberiam auxílio para aluguel de R$ 800 ao mês.
De acordo com o governo de São Paulo, 90% dos
moradores aceitaram a proposta e 180 famílias já saíram do local.
Com o acordo no âmbito federal, as habitações
serão subsidiadas integralmente —a União arcará com R$ 180 mil, e o estado, com
R$ 70 mil. As famílias receberão R$ 1.200 durante o período em que o imóvel é
avaliado para aprovação, e quem participava do plano anterior poderá entrar no
atual.
Também houve avanço num ponto de interesse
para a gestão Tarcísio, que visa obter a cessão do terreno para construir um
parque. Na terça (13), as tratativas sobre a doação haviam sido interrompidas
pela União, que discordou do processo de demolição das casas e de ações
da Polícia
Militar no local com
bombas de gás e tiros de borracha. Agora, a negociação será retomada.
O Moinho é sintoma do deficit habitacional e de infraestrutura —como em saneamento— que afeta São Paulo e outras cidades do país. Parcerias, sejam entre esferas de governo ou com empresas privadas, são fundamentais para sanar esse flagelo histórico.
Um país que envelhece mal
O Estado de S. Paulo
Dados do IBGE mostram que número de
nascimentos segue em queda no Brasil, o que, combinado com o envelhecimento
populacional, pressiona os sistemas previdenciário, de saúde e educação
Em 2023, pelo quinto ano seguido, o Brasil
registrou queda no número de nascimentos, de acordo com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Foram registrados 2,5 milhões de nascimentos
em cartórios País afora, uma queda de 0,7% em relação a 2022. Não bastasse
isso, o índice de registros foi o menor desde 1976.
A queda nos nascimentos se dá em todas as
regiões do Brasil, com exceção do Centro-Oeste, onde, entre 2022 e 2023, houve
aumento de 1,1% no número de registros de brasileiros nascidos vivos.
Por unidade da Federação, a tendência de
queda se comprova na maioria (18), com destaque para Rondônia (-3,7% de
registros), Amapá (-2,7%) e Rio de Janeiro (-2,2%). Em São Paulo, o recuo foi
de 1,7%. Tocantins (+3,4%) e Goiás (+2,8%) figuram entre a minoria de Estados
(nove) com aumento nos números de nascimentos.
Combinados, a taxa de fecundidade abaixo do
nível de reposição (que é de dois filhos por casal) e o recuo no total de
mulheres em fase reprodutiva exigem atenção especial das autoridades.
No mundo desenvolvido, a queda de nascimentos
e o envelhecimento da população representam um desafio para a gestão dos
sistemas previdenciário, de educação e saúde, entre outros. No Brasil, um país
marcado pela baixa produtividade no trabalho e pelo mau desempenho dos
estudantes em exames nacionais e internacionais de aprendizagem, a questão
ganha contornos ainda mais dramáticos.
De acordo com projeções divulgadas
anteriormente pelo IBGE, a população brasileira terá seu ápice em 2041 – serão
220 milhões de habitantes. A partir daí, passará a diminuir, chegando a 199
milhões até 2070.
Tal padrão já é realidade em países como o
Japão, bem como em outros da União Europeia. Ao contrário do Brasil, porém,
esses países já alcançaram um alto padrão de desenvolvimento, educação e
prosperidade econômica e social. Tanto japoneses quanto europeus desfrutam de
índices de produtividade no trabalho superiores aos brasileiros, além de
ostentarem níveis médios de desempenho educacional bem melhores do que os
nossos. Por isso, estão mais preparados para lidar com o desafio da queda da
natalidade acompanhada do envelhecimento populacional e podem lidar melhor com
ferramentas tecnológicas, como a inteligência artificial (IA), seja para
manter, seja para aprimorar a produtividade. Ademais, a tecnologia não raro é
empregada para criar serviços para uma população que envelhece.
Por mais que hoje, no mundo, exista uma forte
ideologização contra imigrantes, esses países estão em uma posição privilegiada
para atrair mão de obra estrangeira qualificada, que será necessária tanto para
compensar a queda no número de nascimentos quanto para atender um contingente
crescente de idosos.
Já o Brasil, que antes do fim deste século
deixará a lista dos dez países mais populosos do mundo – atualmente estamos na
sétima posição –, está envelhecendo antes de se desenvolver e distribuir bem
entre seus cidadãos os frutos do progresso.
Levantamento recente do Indicador de
Alfabetismo Funcional (Inaf) mostrou que 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos
são analfabetos funcionais, ou seja, mesmo escolarizados não conseguem
interpretar textos ou fazer contas ligeiramente mais complexas. É imperativo
melhorar a qualidade da educação brasileira, além de criar condições para que
os cidadãos sejam digitalmente letrados. Só assim o País poderá ampliar sua
produtividade e assegurar um crescimento econômico sustentado.
Sem solidez econômica, o País dificilmente
conseguirá promover as adequações necessárias na área da saúde, por exemplo. A
longevidade humana é uma extraordinária conquista civilizatória, mas exige
preparo para lidar não apenas com as enfermidades que acometem os mais velhos,
como também com as limitações impostas pela idade mais avançada.
E ainda há o desafio nada trivial da
Previdência pública. Com menos brasileiros em idade de trabalho e mais cidadãos
com direito à aposentadoria, o sistema atual prova-se cada vez menos
sustentável.
Preso à mediocridade, o Brasil que envelhece
e, em breve, passará a encolher pode pagar um preço muito caro se não atentar
para os números do IBGE e começar a agir.
Subdesenvolvimento à mão armada
O Estado de S. Paulo
América Latina e Caribe reúnem 9% da
população mundial, mas respondem por um terço dos homicídios, segundo o Banco
Mundial. Não haverá prosperidade sem combate eficaz ao crime organizado
O crime organizado e a violência
converteram-se em um obstáculo central ao desenvolvimento da América Latina e
do Caribe (ALC), de acordo com um relatório recém-divulgado pelo Banco Mundial.
Apesar de abrigar, aproximadamente, apenas 9%
da população mundial, a ALC responde por um terço dos homicídios globais. Entre
2000 e 2009, a taxa média de homicídios da região foi 5,4 vezes maior do que a
global (22 homicídios por 100 mil habitantes contra 4,1), situação que se
agravou entre 2010 e 2019, quando essa disparidade ficou oito vezes maior (23,9
homicídios por 100 mil habitantes na ALC, ante 3,0 em escala global).
Os indicadores de homicídio na região são
muito altos mesmo quando comparados aos de países com renda per capita e níveis
de desigualdade semelhantes aos latino-americanos e caribenhos. Ou seja, embora
as condições sociais expliquem parte dos alarmantes números de letalidade,
outros fatores devem ser considerados.
De acordo com o relatório, há um “excesso” de
letalidade na ALC, o que sugere que o crime organizado nessa região é mais
letal do que em outras. A conclusão do Banco Mundial baseia-se em análise de
pesquisas que permitem a comparação entre países e regiões.
“Um terço das pessoas entrevistadas na
Pesquisa Mundial de Valores (WVS, na sigla em inglês) da ALC afirma que elas ou
algum familiar havia sido vítima de crime no ano anterior”, destaca o Banco
Mundial, enfatizando que tal número é “três vezes maior que a média do resto do
mundo”.
Além disso, a maioria dos países não
pertencentes à ALC classificados entre os 50 primeiros em matéria de
criminalidade apresenta taxas de homicídio inferiores a 10 por 100 mil
habitantes, com exceção de Nigéria, África do Sul e Sudão do Sul.
“Em contrapartida, todos os países da ALC no
mesmo grupo, exceto Paraguai e Peru, têm taxas de homicídio superiores a 10 por
100 mil habitantes e, em sete países, o número de pessoas assassinadas a cada
grupo de 100 mil habitantes é superior a 20.”
É o caso do Brasil, onde, de acordo com o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de mortes violentas por 100 mil
habitantes ficou em 22,8% em 2023, e superou os 30% nas Regiões Norte e
Nordeste.
Infelizmente, grupos que atuam em atividades
ilícitas estão se expandindo tanto no País quanto na ALC de modo geral, e por
uma série de razões, como o aumento da demanda global por cocaína e por ouro
ilegal.
É preciso reconhecer ainda que em regiões
remotas, e nas quais o Estado é apenas uma miragem, entrar para grupos
criminosos pode ser a única “oportunidade de emprego”, sobretudo para homens
jovens. A Amazônia é um retrato disso. Estudo de fevereiro do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública revelou que em algumas regiões do Brasil, como a Amazônia,
o crime organizado já é o principal empregador.
Por fim, avanços tecnológicos e a grande
disponibilidade de armamento facilitaram o crescimento do crime organizado em
novas áreas e mercados.
Lidar com esses desafios, segundo o Banco
Mundial, exige uma agenda robusta de capacitação do Estado no combate ao crime.
Sobre a polícia, embora seja tentador
argumentar a favor do aumento dos contingentes policiais, o órgão internacional
pondera que fatores que vão além do tamanho das forças de segurança são
determinantes para a eficácia policial. Remanejar recursos destinados ao
patrulhamento para a investigação, melhorar o treinamento e as condições de
trabalho das polícias e uma maior integração entre agências locais e nacionais,
bem como entre países, podem ampliar a eficiência das forças de segurança na
ALC.
Já em relação ao sistema judicial, o
relatório destaca a impunidade como um problema significativo. Apoiar
mecanismos inovadores de resolução de disputas pode ser um primeiro passo para
a retomada do controle do Estado em áreas em que as organizações criminosas
“promovem” justiça.
Enfrentar tantos desafios certamente não será
tarefa fácil para uma região que tem elevados indicadores de violência, e
perspectivas reduzidas de crescimento. A inação de governantes, contudo,
custará bem mais caro. Não haverá prosperidade na América Latina e no Caribe
sem o combate eficaz ao crime organizado.
O imbróglio dos mototáxis
O Estado de S. Paulo
Proibir, como quer a Prefeitura, parece
guerra perdida; regular e fiscalizar é o caminho
Em novos capítulos da batalha judicial em
torno da oferta de mototáxi na maior cidade do País, a Justiça de São Paulo
primeiro julgou improcedente uma ação civil pública interposta pela Prefeitura
que visava a suspender esse tipo de transporte na capital paulista. Ato
contínuo, empresas que operam por meio de aplicativos voltaram a oferecer o
serviço em São Paulo.
Dias depois, porém, a atividade voltou a ser
suspensa. O desembargador Eduardo Gouvêa entendeu que a análise de decreto da
Prefeitura, de 2023, que proibiu o transporte individual por moto, ainda não
foi concluída. Ademais, o magistrado destacou que, como o serviço estava
proibido, o município precisa regulamentá-lo, o que sugeriu que ocorra em um
prazo de 90 dias.
Embora a decisão judicial mais recente
suspenda a oferta do mototáxi em São Paulo, os esforços da Prefeitura pela
proibição parecem ser um dispêndio de energia em uma guerra perdida. Isso
porque é crescente o entendimento de que o poder municipal não tem competência
para proibir a atividade.
Como destacou anteriormente o juiz Josué
Vilela Pimentel, o decreto municipal que proíbe o serviço de mototáxi é
flagrantemente “inconstitucional”. Para ele, “a edição de leis e decretos
inconstitucionais, com o intuito de sumariamente proibir a atividade, em nada
colabora com a solução do problema vislumbrado pela autora (a Prefeitura)”.
Tanto a Justiça quanto as empresas de aplicativo entendem que o serviço de
mototáxi é regulado por lei federal, conforme competência legislativa privativa
da União.
A respeito da fiscalização, o juiz Pimentel
afirmou, com razão, que nenhum motorista que se desloca pela capital paulista
desconhece o comportamento “por vezes flagrantemente contrário às normas de
circulação” adotado por grande parte dos motociclistas, não raro “às barbas”
dos agentes de trânsito.
De fato, qualquer um que transite por São
Paulo vê não só as barbaridades praticadas por motociclistas, como atesta a
quase inexistência de agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET)
organizando e fiscalizando o trânsito na cidade.
A Prefeitura argumenta ser contra o serviço
por entender que dele decorrerá um aumento no número de acidentes fatais. A
realidade é que a letalidade no trânsito de São Paulo já aumenta ano após ano,
e os motociclistas são as mais frequentes vítimas fatais. Só em 2024, 484 deles
perderam a vida no trânsito paulistano.
Além disso, nas periferias, como registrou
o Estadão, o serviço de mototáxi clandestino não só existe há tempos, como
concede até “cartões fidelidade” aos usuários, em geral cidadãos que se veem
forçados a optar pelo risco da moto para não passarem horas aguardando por
transporte coletivo.
Tudo isso só reforça a necessidade de o poder público ofertar mais modais coletivos para a população e, sobretudo, fiscalizar o trânsito, como bem pontuou Pimentel. Proibir o mototáxi não é a solução. “Se o número de acidentes aumenta”, escreveu o juiz, “é claro sinal de que a fiscalização é insuficiente e/ou ineficiente”. Mais didático, impossível.
Abuso sexual virtual na infância e
adolescência
Correio Braziliense
A solução é complexa, mas o país não pode
ficar parado diante das dificuldades, vendo a situação piorar a cada nova
estatística
A conscientização e o enfrentamento do abuso
e da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil precisam estar
constantemente no radar das autoridades e da sociedade. Neste mês, dedicado às
reflexões sobre o tema, a realidade assustadora fica mais evidente diante do
lançamento de ações e da divulgação de dados. A ChildFund, organização
internacional que atua na defesa dos direitos desse público no país há quase 60
anos, desenvolveu estudo que serve de alerta máximo quando a questão está
ligada às redes sociais.
Segundo a pesquisa Mapeamento dos Fatores de
Vulnerabilidade de Adolescentes Brasileiros na Internet, 54% dos menores
sofreram violência sexual virtual, o que corresponde a 9,2 milhões de vítimas —
os casos aconteceram com e sem a interação de um agressor. No levantamento,
conforme a entidade, foram feitas cerca de 9 mil entrevistas, principalmente
nas regiões Sudeste e Nordeste.
Neste ano, o Maio Laranja - que pretende
jogar luz sobre o problema, com o dia 18 institucionalizado para destacar o
chamamento contra a exploração sexual infantil no Brasil — indica a
importância de proteger esse público da investida de abusadores por meio da
web. Os criminosos, aponta a organização da iniciativa nacional, usam diversos
artifícios para se aproximar dos menores.
Muitas vezes, o contato parte do envio de
emojis. Essas inofensivas imagens — que seriam apenas para expressar
emoções, ideias e símbolos — ganham significados maldosos e até dificultam
a identificação do assédio. Ainda de acordo com a campanha, a estratégia
normalmente começa de uma forma amistosa, seguindo para o aumento do nível de
intimidade e entrando numa escala gradativa de ameaça, que pode terminar em um
estupro virtual.
Com o risco presente na vida das crianças e
dos adolescentes, cada vez mais presos às telas, as famílias e as escolas
precisam ter atenção máxima às interações no ambiente virtual. Não há como
escapar dessa responsabilidade. Os menores estão sujeitos aos ataques pelas
redes sociais, e essa insegurança se combate com presença afetiva dos parentes
e dos educadores, a partir de uma escuta verdadeira e cuidadosa. Sem diálogo e
confiança, o cenário tende a se agravar.
A punição dos agressores é outro ponto
essencial para garantir proteção às potenciais vítimas. No Senado, em análise
na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), há um projeto de lei para incluir
no Código Penal o crime de estupro virtual de vulnerável. A regulamentação dos
meios digitais e das redes sociais também surge como desafio na luta contra
esse tipo de violência.
A solução é complexa, mas o país não pode
ficar parado diante das dificuldades, vendo a situação piorar a cada nova
estatística. O debate e o entendimento sobre o tema têm de ser aprofundados,
porém devem chegar de maneira clara à população. As artimanhas dos abusadores e
o medo das vítimas de denunciar, por exemplo, podem ser enfrentados com
conscientização. O investimento em tecnologia para a localização dos autores
dessa barbárie precisa estar no orçamento dos governos, das instituições e das
plataformas.
Se na maioria das vezes os violentadores
físicos estão bem próximos das crianças e dos adolescentes, a internet não
possui limites - e as marcas são tão profundas como quando ocorre o contato
real. Não permitir que o abuso sexual virtual aconteça é missão diária nos
lares, nas salas de aula e em qualquer lugar onde um menor esteja conectado à
internet.
Segundo ano de queda no desmatamento
O Povo (CE)
Dados mostram avanço na proteção do meio
ambiente durante o governo Lula, após retrocessos registrados na gestão
Bolsonaro
O desmatamento diminuiu no Brasil pelo
segundo ano consecutivo. Ainda assim, entre 2019 e 2024, foi destruída uma área
de vegetação nativa equivalente ao território da Coreia do Sul. Os dados são da
Rede MapBiomas — iniciativa colaborativa que reúne universidades,
ONGs e empresas de tecnologia — e foram divulgados na última quinta-feira, 15.
Ao todo, a redução do desmatamento no
território nacional foi de 32,4%. Em 2023, a queda havia sido de 11,6%. O
cenário estancou uma sangria iniciada desde antes do começo do monitoramento da
Rede MapBiomas, em 2019, que constatou aumento na desflorestação em
2020, 2021 e 2022 — ano em que se atingiu o pico de 2.114.611 hectares de área
atingida. A título de comparação, essa área desmatada em apenas um ano
corresponde aproximadamente à extensão territorial de países como El Salvador
ou Eslovênia.
A redução consecutiva ocorre nos dois
primeiros anos do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
retornou ao poder com um discurso crítico à gestão ambiental de seu
antecessor, Jair Bolsonaro. A análise dos anos anteriores é fundamental, pois o
avanço percentual se baseia na comparação direta entre períodos consecutivos.
Mesmo após dois anos de queda, a área desmatada em 2024 ainda é ligeiramente
superior à de 2019. Houve, portanto, uma desaceleração do impacto ambiental das
atividades humanas, o que pode indicar, no máximo, o início de um processo de
reversão de um cenário devastador.
Por mais significativo que seja o avanço, é
importante destacar que a gestão anterior adotou um discurso negacionista em
relação às mudanças climáticas, além de ter desarticulado órgãos de proteção
ambiental e incentivado atividades como o garimpo ilegal. Assim, em 2022 houve
recordes em praticamente todos os indicadores de destruição do meio ambiente.
O dado mais alentador é que, pela primeira
vez, a Rede MapBiomas não registrou aumento no desmatamento em nenhum dos seis
biomas brasileiros. O resultado mais expressivo foi na Amazônia, que, em 2022,
registrou sozinha 1.250.000 hectares de área desmatada. Sob a fiscalização do
Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, comandado pela
ambientalista Marina Silva, esses números caíram para 450 mil hectares em 2023
e 380 mil no ano passado. Ainda assim, trata-se de uma média de sete árvores
derrubadas por segundo.
O Cerrado, especialmente na região conhecida
como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), manteve-se, pelo segundo
ano consecutivo, como o bioma mais desmatado. Foram 652 mil hectares
de vegetação destruídos — o que representa 52% do total registrado.
Paralelamente, a Mata Atlântica apresentou estabilidade nos indicadores, com um
aumento de 2%, causado, principalmente, pelas enchentes que atingiram o Rio
Grande do Sul. Ressalte-se, porém, que eventos climáticos extremos tendem a se
tornar mais frequentes diante do avanço das mudanças climáticas.
O segundo ano consecutivo de avanço é um
sinal positivo. No entanto, os dados reforçam a urgência de ações eficazes de
proteção ao meio ambiente. Os recursos naturais são finitos, e a
preservação da fauna e da flora brasileiras não pode ser postergada em nome de
uma busca desenfreada por desenvolvimento econômico.
A riqueza do Brasil está nas florestas, nos animais e em seu povo.
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