sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Violência contra ativista político é inadmissível

Por O Globo

Assassinato de conservador nos Estados Unidos é alerta sobre riscos da polarização — também no Brasil

O tiro covarde que matou na quarta-feira o americano Charlie Kirk, ativista de 31 anos que fundou a organização conservadora voltada ao público jovem Turning Point USA, é o episódio mais recente de uma onda de violência política que tem crescido na esteira da polarização ideológica. Kirk viajava os Estados Unidos visitando universidades para promover debates abertos com estudantes do campo oposto. Partidário de Donald Trump desde a primeira hora, era conhecido como provocador e não economizava palavras para atacar seus adversários. Mas, por mais que suas ideias pudessem ser criticáveis, toda a sua ação política se limitava às palavras e ao debate. Era o que fazia na Utah Valley University quando foi alvejado. Seu assassinato deve servir de alerta — e não apenas aos Estados Unidos.

Desde 2021, a parcela de universitários americanos que afirmam apoiar a violência em certas circunstâncias para impedir adversários de falar subiu de já inaceitáveis 24% para 34%, de acordo com pesquisa da organização Fire, defensora da liberdade de expressão na academia. No livro “Partidarismo radical americano”, referência no estudo da violência política no país, os pesquisadores Nathan Kalmoe e Lilliana Mason constatam “radicalismo crescente na política americana”.

O histórico recente demonstra os riscos da intolerância. Nos últimos anos, os Estados Unidos têm testemunhado atentados em série, tanto contra alvos conservadores quanto progressistas. Em janeiro de 2021, a turba trumpista invadiu o Capitólio tentando reverter o resultado da eleição de Joe Biden. No ano seguinte, a casa da deputada democrata Nancy Pelosi na Califórnia foi invadida e seu marido ferido. Desde o ano passado, Trump escapou de um tiro e de outra tentativa de ataque, um homem ateou fogo na casa do governador democrata da Pensilvânia, e uma deputada estadual democrata de Minnesota e seu marido foram mortos.

O Brasil não escapa da violência associada à polarização. No fatídico 8 de janeiro de 2023, bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes em Brasília, também tentando reverter a derrota de Jair Bolsonaro. Na campanha eleitoral de 2018, o próprio Bolsonaro foi vítima de atentado. Também por aqui, as universidades têm sido palco de conflitos e tentativas de silenciar vozes discordantes, à direita e à esquerda. Na última terça-feira, o advogado de um ex-assessor de Bolsonaro e um vereador do Novo foram expulsos por alunos da UFPR, onde participariam de debate sobre o Supremo Tribunal Federal. Na semana passada, um grupo de extremistas que se identificavam como conservadores causou tumulto no campus da USP e agrediu estudantes de esquerda. Para um em cada dez brasileiros, revela pesquisa inédita da ONG More in Common conduzida pela Quaest, a violência é considerada “totalmente justificável” em certas situações.

O assassinato de Kirk mostra até que ponto podem chegar os intolerantes incapazes de conviver em ambiente democrático. No caso específico do Brasil, o risco deve ser tratado com a mais alta seriedade. Especialmente no atual momento histórico, lideranças políticas devem tomar cuidado para não incentivar atos violentos. Censurar qualquer um pelas ideias que defende já é inaceitável. Assassiná-lo é um atentado contra as bases da civilização humana. Nenhuma ideologia justifica qualquer agressão.

Ao blindar ‘penduricalhos’ do TCE-RJ, Alerj deteriora situação fiscal do Rio

Por O Globo

Transformar auxílios em lei cria despesa permanente que dificulta adesão a novo regime de recuperação

A aprovação-relâmpago, pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), do projeto que transforma em lei cinco auxílios pagos a servidores do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) desfere, ao mesmo tempo, golpes na boa gestão do serviço público e na situação fiscal do Rio. O texto torna permanentes benefícios que podem somar até R$ 11.880,25 mensais por servidor — auxílios educação, saúde, alimentação, locomoção e funeral. Trata-se de mais uma manobra para burlar o teto salarial imposto ao funcionalismo por meio de verbas indenizatórias, os proverbiais “penduricalhos”.

O movimento corporativo da Alerj foi deflagrado depois que o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o pagamento de auxílio-educação, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), por considerar que ele viola os princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade e igualdade estabelecidos na Constituição. Nada disso muda com a aprovação da lei pela Alerj.

Os valores destinados aos auxílios são generosos: até R$ 5.242,26 por dependente em educação, R$ 3.169,72 por mês em alimentação, reembolso de saúde de até R$ 3.950 (dependendo da idade), além de R$ 468,27 para locomoção e R$ 3.154,43 em auxílio-funeral. A Alerj gravou na lei despesas que, mesmo quando justificáveis, devem ser avaliadas sob critérios de necessidade e impacto fiscal. O custo anual chegaria facilmente a R$ 100 milhões supondo 2 mil servidores contemplados (há cerca de 2.400 no TCE).

O recurso abusivo a “penduricalhos” para engordar salários conta com o beneplácito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cuja corregedoria fixou em março um limite mensal de R$ 46.366,19 — equivalente ao teto salarial do setor público — para pagamentos a magistrados. Na prática, dobrou o teto. É verdade que, em maio, o plenário do CNJ proibiu novos pagamentos retroativos por decisão administrativa, exigindo sentença judicial com trânsito em julgado. Mesmo assim, isso em nada alivia o quadro de privilégios no Judiciário. Em 2024, os “penduricalhos” cresceram 49,3% e somaram R$ 10,5 bilhões. É esse o péssimo exemplo seguido pela Alerj.

O Rio segue em regime de recuperação fiscal e depende do aval federal para aderir ao novo programa de renegociação das dívidas aprovado pelo Congresso, o Propag. Apesar das regras mais brandas, ele ainda impõe limites às despesas e regras de ajuste. Abrir espaço permanente aos “penduricalhos” só agravará o desafio fiscal. O pagamento dos novos auxílios deveria ser suspenso até haver uma análise independente do impacto orçamentário. É fundamental recalibrar os valores e garantir que as verbas sejam transitórias, justificadas apenas em caso de necessidade. O Rio precisa de previsibilidade para entrar no Propag e ter outra chance de reorganizar sua dívida. O TCE, pela própria missão que o define, deveria dar exemplo no trato do dinheiro público. Em vez disso, a Alerj aprovou uma lei corporativa que posterga o ajuste e cobra a conta da sociedade.

Condenação de Bolsonaro foi justa, mas pena é exagerada

Por Folha de S. Paulo

Aspectos criticáveis do julgamento não retiram legitimidade da decisão, que cumpriu regras constitucionais

Excesso nas punições ainda pode ser revisto; Corte deveria facultar que prisão de Bolsonaro, cuja saúde está debilitada, seja domiciliar

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados de tramarem contra a democracia terminou com a justa e legítima condenação dos réus. Houve, porém, exageros no tamanho das penas e se espera razoabilidade na definição do regime em que as prisões serão cumpridas.

Não há razão para regozijo com o desfecho desse processo judicial. Quando um regime, para se defender da tirania, tem de ativar remédios drásticos como o encarceramento de líderes políticos e militares, falharam todos os mecanismos preventivos.

A alta probabilidade de a aventura terminar na cadeia deveria ter bastado para dissuadir da conspiração seja Bolsonaro, sejam os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson TorresPaulo Sérgio Nogueira, o ex-chefe da Marinha Almir Garnier e os ex-auxiliares Mauro Cid e Alexandre Ramagem.

Houve aspectos criticáveis no juízo. Teria sido melhor submeter ao plenário dos 11 integrantes da corte, não à turma de 5, a primeira acusação de um ex-presidente por tentativa de golpe na conturbada história republicana.

Exagerou-se também na dose do castigo. É difícil explicar à população por que o STF determinou 27 anos e três meses de prisão ao ex-presidente, sentença maior que muitas aplicadas a homicidas. Essa anomalia já havia ocorrido nas penas dos depredadores da praça dos Três Poderes.

Há caminhos constitucionais para sanar esse desequilíbrio, quer pela revisão do próprio STF —com base na premissa de que abolição do Estado de Direito e golpe são na prática um mesmo crime, e não dois—, quer pela aprovação de uma lei no Congresso Nacional que desfaça essa sobreposição.

Outros estranhamentos podem ter surgido no processo, como o de ver o advogado pessoal do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e um de seus mais fiéis ex-ministros na banca dos julgadores. As heterodoxias e os arroubos do relator, Alexandre de Moraes, tampouco são ocorrências de se admirar.

Mas nada disso —é importante frisar— retira a legitimidade do que foi decidido nesta quinta-feira (11). O Estado de Direito se consuma na observância de suas regras, e elas foram todas cumpridas, com margens para interpretações diversas cabíveis.

Não se deve tirar o foco do essencial —a tentativa, da parte de um grupo vencido nas urnas, de manter-se no poder à força. A iniciativa criminosa partiu de Bolsonaro e seguidores. O sistema de Justiça apenas reagiu ao agravo dentro de sua competência.

Como o objetivo não é a vingança, mas a punição proporcional ao crime para evitar que ele volte a ocorrer, a corte deveria ouvir com atenção os argumentos da defesa de Bolsonaro para que ele cumpra a pena em domicílio.

Não há dúvidas sobre tratar-se de condenado com saúde comprometida em virtude do atentado sofrido na campanha de 2018. Submetê-lo nessas condições ao presídio comum seria desumano.

Mais ensino médio integral

Por Folha de S. Paulo

Matrículas no modelo sobem 242% em oito anos; estados precisam acelerar expansão com gestão eficiente

Pernambuco lidera o ranking (71%), seguido por Piauí (58%). Minas Gerais (15%) e Rio de Janeiro (14%), estados mais ricos, estão abaixo

Levantamento da ONG Todos pela Educação, divulgado na segunda (8), mostra que o número de matrículas no ensino médio integral das redes estaduais subiu 242%, entre 2016 a 2024, de 393 mil para 1,3 milhão —alcançando 21,7% dos alunos que cursavam essa etapa do ensino no ano passado.

A quantidade de escolas de ensino médio que ofertam o modelo também aumentou, de 1.673 para 7.153, o que representava 35,3% das unidades em 2024.

O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 estipulou que, até 2024, o ensino de tempo integral deveria estar presente em no mínimo 50% das escolas públicas do país, de forma a atender pelo menos 25% dos estudantes da educação básica —não há meta específica para o ensino médio.

Mesmo que as taxas indicadas pelo levantamento na última etapa da educação básica estejam abaixo dos objetivos listados no PNE, trata-se de evolução muito bem-vinda, dados os benefícios do ensino integral para a aprendizagem verificados em pesquisas e experiências internacionais.

O modelo amplia a carga horária de 20 horas semanais (4 por dia) para uma superior a 35 horas semanais (7 diárias), com adaptação do currículo a interesses e aptidões dos alunos, o que contribui para a redução da evasão escolar, alta no ensino médio.

Segundo estudo de 2024, que monitorou a trajetória de mais de 1 milhão de estudantes do ensino médio em ambas as modalidades, entre 2017 a 2022 (excluindo os anos da pandemia), os jovens do modelo integral alcançaram maior participação no Enem, melhores notas, mais matrículas no ensino superior e até mais vagas de trabalho.

Na pesquisa da Todos pela Educação, só 9 estados estão acima da média nacional em matrículas (21,7%) e 6 deles estão no Nordeste. Pernambuco lidera (71%), seguido por Piauí (58%) e Ceará (53%). Estados mais ricos como Minas Gerais (15%) e Rio (14%) estão abaixo da média —que é superada por dois pontos percentuais em São Paulo (24%).

Em relação à taxa de escolas que ofertam o modelo, dá-se o mesmo, com os cinco primeiro lugares ocupados por Ceará (74%), Piauí (71%), Pernambuco (69%), Paraíba (63%) e Bahia (54%). Já São Paulo tem 45%, e Acre, Roraima, Distrito Federal e Santa Catarina dividem a última posição com apenas 7%.

Governos estaduais precisam perseverar na ampliação do ensino integral, que, como mostram os números, depende mais de uma gestão eficiente do dinheiro público do que da quantidade de recursos disponíveis.

Justiça histórica contra o golpismo

Por O Estado de S. Paulo

Supremo rompe com uma nefasta tradição de leniência ao condenar Bolsonaro e seus comparsas civis e militares à prisão pela tentativa de impedir a posse de um presidente legitimamente eleito

A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes correlatos, engrandece o Brasil. Sob risco de se perder a real dimensão do feito realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não se pode analisar o fim do julgamento da Ação Penal (AP) 2.668 somente à luz da punição de criminosos que, desde os mais elevados postos da República, conspiraram contra a Constituição. É preciso reconhecer que, malgrado os problemas jurídicos, de resto compreensíveis ante o ineditismo do processo, e em meio a uma brutal pressão sofrida pelo STF, a democracia brasileira passou com poucos arranhões por seu maior teste desde o fim da ditadura militar e soube lidar com uma ameaça real à sua existência.

Pela primeira vez, um ex-presidente da República é condenado à prisão por insuflar e liderar uma conspiração que pretendia impedir a posse de um presidente legitimamente eleito. Ao lado de Bolsonaro na desonra de ingressar no rol dos culpados, três generais de quatro estrelas e um almirante de esquadra foram igualmente condenados, rompendo-se, assim, a nefasta tradição de leniência com militares sediciosos que conspurca a história republicana. Desde 1889, o País conviveu com reiteradas intervenções de fardados na vida política nacional, sempre sob o signo da impunidade. Nesse sentido, a decisão do STF de não condenar apenas o líder civil da trama golpista resgata uma condição indispensável para o desenvolvimento do Brasil: na democracia, não há lugar para tutela militar sobre os destinos do País. Tampouco há espaço para indulgência com traidores da Pátria, sejam paisanos ou fardados.

A condenação de Bolsonaro, pode-se afirmar, é o corolário de uma vida pública dedicada à insurreição, à violência, à mentira, ao desrespeito às instituições e a tudo o mais que possa ser hostil à convivência em uma sociedade livre. Como bem sublinhou o ministro relator da AP 2.668, Alexandre de Moraes, Bolsonaro foi praticamente um “réu confesso”. Recorde-se que, em agosto de 2021, o então presidente afirmara que só via “três alternativas” para seu futuro: “estar preso, estar morto ou a vitória (na eleição de 2022)”, deixando claro que “a primeira alternativa não existe”. Ou seja, Bolsonaro jamais cogitou de uma transferência pacífica de poder.

A condenação, porém, transcende a biografia do indigitado, um sujeito que nunca ofereceu algo de bom ao Brasil e a seus concidadãos como militar, como deputado e como presidente da República. A decisão do STF é uma vitória da sociedade brasileira, que, a duras penas, reconquistou as liberdades democráticas em 1985 e tem lutado para aprimorá-las desde então. Portanto, a prisão de Bolsonaro por liderar uma tentativa de restauração do arbítrio no País é o triunfo, do ponto de vista coletivo, do ideal de Justiça.

É preciso registrar, ademais, a gravidade das pressões para deslegitimar o julgamento de Bolsonaro e seus asseclas. O presidente dos EUA, Donald Trump, sob influência de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, impôs sanções ao Brasil e a ministros do Supremo. Há poucos dias, chegou a ameaçar o Brasil até com a possibilidade de intervenção militar para livrar Bolsonaro da cadeia. Em paralelo, o grupo político do sr. Bolsonaro empenhou-se sistematicamente em criar um clima de hostilidade em relação ao Supremo, na expectativa de mudar o destino do ex-presidente, agora um golpista condenado, a depender da mudança de ventos políticos. Infelizmente, não há razão para crer que essa malta recuará, o que prenuncia tempos ainda mais tumultuados.

Seja como for, o Supremo provou-se disposto a cumprir seu papel, mesmo diante das mais severas adversidades. Agora, cabe à sociedade e ao Congresso reafirmar esse pacto democrático. Não se tratou de vingança, mas de justiça. Não se tratou de perseguição, mas de resguardo da Constituição. O Brasil mostrou que é capaz de punir, com o rigor da lei, aqueles que atentam contra a democracia. E que ninguém, nem mesmo um ex-presidente da República ou militares de alta patente, está acima da lei.

Choque de realidade na Polônia

Por O Estado de S. Paulo

A aventura de Putin nos céus da Otan deveria implodir o autoengano do Ocidente nutrido pela obsessão por ‘soluções negociadas’. A ofensiva imperialista russa está aumentando, não diminuindo

A madrugada de 10 de setembro passado foi um divisor de águas: 19 drones russos penetraram o espaço aéreo da Polônia, membro da Otan, obrigando caças poloneses e holandeses a abatê-los. Foi a primeira vez desde 1949 que aeronaves da aliança confrontaram armamentos russos em território aliado. O premiê polonês, Donald Tusk, alertou: “Foi o momento mais próximo de um conflito aberto desde a 2.ª Guerra Mundial”. O gesto deixou claro o que está em jogo: a credibilidade da defesa coletiva no coração da ordem euro-atlântica.

Moscou acusou Varsóvia de disseminar “mitos”. Mas a escala, a origem e o momento – às vésperas do exercício Zapad, na Bielorrússia, que tradicionalmente ensaia cenários de guerra contra a Otan – não deixam dúvidas: foi uma operação de sondagem. Vladimir Putin buscou testar tempo de resposta, interoperabilidade e nervos políticos da aliança, a fim de expor velhas fissuras e, sobretudo, abrir novas. A estratégia é antiga, mas eficaz: avançar por meio de provocações ambíguas, negar responsabilidade e colher inteligência e dividendos psicológicos.

O padrão corresponde ao que estrategistas apontam como a única via de sucesso para o Kremlin: manipular percepções e vontades políticas no Ocidente. O PIB dos países da Otan é mais de 20 vezes maior que o da Rússia, e, no campo militar, Moscou está perto dos limites convencionais. Mas a guerra cognitiva segue sendo sua arma mais poderosa: fazer crer que resistir seria “escalar”; que a Ucrânia “não pode vencer”; que o apoio é custoso e arrisca uma “guerra sem fim”; que a “paz” depende de concessões territoriais. Cada incursão tolerada fortalece essa narrativa.

Se a Otan contemporizar o ataque, Putin concluirá que pode esticar ainda mais os limites. A lógica é clara: escalar pouco a pouco, medir reações e transmutar o anômalo em novo normal. A Europa já enfrentava táticas híbridas, como sabotagens, assassinatos ou ciberataques. A investida coincide com ataques massivos à Ucrânia. Assim se constrói a erosão gradual da dissuasão.

A resposta não pode ser tímida nem só verbal. É preciso combinar três dimensões. Primeiro, defesa ativa: interceptar sistematicamente qualquer incursão, reforçar o policiamento aéreo e deslocar barreiras antiaéreas para o leste. A experiência ucraniana ensina que caças de alto custo não podem ser a única linha de defesa contra enxames de drones baratos. É urgente desenvolver camadas integradas de defesa, inclusive com interceptores de baixo custo e capacidades cibernéticas.

Segundo, apoio ampliado à Ucrânia: negar à Rússia os “santuários” de onde partem ataques implica fornecer a Kiev arsenais de longo alcance, inteligência e meios industriais para atingir fábricas de drones e mísseis no território russo. A vitória ucraniana é o único caminho para frear o ímpeto agressivo de Moscou, e qualquer congelamento de linhas de frente será só o preâmbulo da próxima escalada. Putin só parará quando for parado.

Terceiro, clareza estratégica: a Otan precisa provar que não tolerará a criação de uma nova “zona cinzenta” em seu firmamento, riscando linhas vermelhas – ao invés de diluí-las. Os EUA têm responsabilidade especial. Ambiguidades, prazos vazios ou mensagens irônicas em redes sociais encorajam mais agressões. O artigo 5.º, de defesa mútua, só terá valor se Washington reafirmar, sem hesitações, que defenderá “cada centímetro” do território aliado.

A investida na Polônia foi o ensaio de um desafio maior à segurança europeia e ao sistema internacional. O episódio serve de alerta a líderes europeus que continuam a tratar suas obrigações de defesa com tibieza, ao contrário da Polônia, que leva a ameaça russa a sério. A diretora de Relações Exteriores da União Europeia, a estoniana Kaja Kallas, enunciou a verdade da qual muitos se esquivam: “A guerra da Rússia está escalando, não acabando”.

A lição é tão antiga quanto a guerra: fraqueza é um convite à agressão. Reagir com firmeza já não é escalar, é dissuadir. Armar a Ucrânia e fortalecer a integridade da Otan são a única forma de evitar que a Rússia transforme provocações em rotina, e rotinas, em guerra aberta. O teste foi feito. A hora da verdade chegou.

Um tiro na democracia

Por O Estado de S. Paulo

Assassinato de trumpista exige que republicanos e democratas desautorizem com vigor a violência política

O assassinato do ativista Charlie Kirk, atingido por um tiro no pescoço durante um debate ao ar livre com estudantes da Universidade Utah Valley, já se converteu em forte símbolo da violência política impregnada nos EUA. Embora os atentados motivados por divergências políticas venham se multiplicando nos últimos anos no país, esse caso é particularmente relevante porque Kirk era um jovem trumpista que se propunha a dialogar com quem pensa diferente. Aliás, ele foi morto exatamente no momento em que participava de um desses eventos.

Nesse sentido, o tiro que matou Kirk feriu gravemente a própria ideia de democracia americana, no momento em que há tantas dúvidas sobre a saúde democrática dos EUA. Por esse motivo, mais do que nunca, as lideranças políticas americanas, republicanas e democratas, precisam pôr a mão na consciência e trabalhar para arrefecer os ânimos. Aceitar como consequência natural do enfrentamento político que um adversário seja assassinado significa que a sociedade está irremediavelmente dividida, situação em que um dos lados considera impossível conviver com o outro.

Fundador da Turning Point USA, organização que fomentava valores conservadores entre estudantes de ensino médio e universitários, Kirk conquistou milhões de seguidores por debater sua ferrenha oposição ao aborto e ao controle do acesso a armas com pessoas com visões totalmente opostas às suas.

Defensor contumaz da Segunda Emenda da Constituição dos EUA, que garante aos cidadãos do país o direito ao porte de armamentos, Kirk entendia que as mortes causadas por armas eram um preço a pagar por um bem maior, a manutenção desse direito.

Houve quem considerasse essa opinião suficiente para tornar Kirk elegível para levar um tiro, o que obviamente é repugnante. O ativista, que não debatia com armas, mas tão somente com ideias, defendia apenas um direito constitucional consagrado.

Embora seja óbvio que ninguém deve ser morto por expressar opiniões, por mais que se possa discordar delas, torna-se obrigatório reafirmá-lo nos tempos atuais, de extrema polarização e intolerância política não só nos EUA, mas também no Brasil e no mundo.

Kirk era um apoiador do presidente Donald Trump, que foi quem deu a notícia da morte dele, mas nos últimos anos a onda de violência política que assola os EUA tem vitimado tanto republicanos quanto democratas.

Da série de atos de violência política recente nos EUA, destacam-se a invasão do Capitólio, em janeiro de 2021, incitada por Trump para tentar reverter sua derrota na eleição presidencial de 2020, e o atentado que quase matou o próprio Trump na campanha eleitoral de 2024. A violência assustadora desses dois acontecimentos, entre outros tantos, deveria ser suficiente para fazer o establishment político americano trabalhar para baixar a fervura. O assassinato de Kirk prova que, seja lá quais tenham sido as providências tomadas para reduzir as tensões nos EUA, não foram suficientes.

Democracia é conquista inegociável

Por Correio Braziliense

O julgamento e a punição dos militares que questionaram o resultado das eleições de 2022 e tramaram um golpe para a tomada do Poder Executivo são sinal claro de que são esses os propósitos que precisam ser interrompidos

Um dos mais importantes julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) termina com a condenação inédita de um ex-presidente da República e militares da alta patente das Forças Armadas e abre a possibilidade de um reencontro com a história brasileira. É praticamente certo que a polarização no país ganhe ainda mais força com a prisão de Jair Bolsonaro, contaminando a disputa eleitoral do próximo ano. Espera-se também que o bater do martelo evidencie o alto preço a ser pago em momentos de ruptura democrática.

Jair Bolsonaro e outros sete réus foram condenados, por quatro votos a um, por tentativa de golpe de Estado Democrático de Direito. Durante o voto, o ministro relator, Alexandre de Moraes, afirmou que o ex-presidente utilizou "da estrutura do Estado brasileiro para a implementação de seu projeto autoritário de poder, conforme fartamente demonstrado nos autos". Frustrou-se. Mas, há 61 anos, o desfecho foi diferente.

Em 1964 — no quarto aniversário de Brasília, a nova capital —, deu-se o golpe militar. Era o início de um regime ditatorial, marcado pela tortura e pela morte dos que defendiam o sistema democrático. Foram 21 anos de obscurantismo, período em que as Forças Armadas frearam, por meios violentos, os movimentos sociais e políticos. O então presidente João Goulart foi deposto pelos militares, que comandaram o país até 1985.

O período obscuro penalizava quem reivindicasse políticas sociais, econômicas e a reestruturação, como planejou Goulart. A democracia estava execrada do vocabulário político. O novo regime suprimiu quaisquer valores sociais e de respeito aos cidadãos brasileiros.

À época, um movimento pela anistia também agitou o país. Tratou-se de parte do processo que visava restaurar a vida democrática, permitindo a volta de exilados e perseguidos políticos. Ainda que controversa, por também incluir agentes do regime responsáveis por torturas e assassinatos, aquela anistia tinha como horizonte a reconstrução da democracia.

A pretendida agora e que mobiliza a oposição no Congresso Nacional e uma parcela da população é descabida. O julgamento e a punição dos militares que questionaram o resultado das eleições de 2022 e tramaram um golpe para a tomada do Poder Executivo são sinal claro de que são esses os propósitos que precisam ser interrompidos. Trata-se de uma resposta enfática aos movimentos autoritários que assombram o Brasil e outros países do mundo.

Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia, decana da Suprema Corte, enfatizou que a responsabilização dos autores da tentativa de golpe é "elemento fundamental para a pacificação nacional e a consolidação do Estado Democrático de Direito". Ela lembrou, ainda, que é preciso seguir atento, uma vez que "não se tem imunidade absoluta contra o vírus do autoritarismo, que se insinua insidioso, destilando o seu veneno, a contaminar a liberdade e os direitos humanos".

A decisão inédita do STF expressou claramente, conforme assentou o ministro Cristiano Zanin, que a responsabilização adequada dos agentes que atuaram pela ruptura institucional é "elemento fundamental para a pacificação nacional e a consolidação do Estado Democrático de Direito". Como lembrou Flávio Dino, trata-se de "afirmação da democracia que o Brasil construiu sob o pálio da Constituição de 1988".

Que opositores compactuem desse entendimento e respeitem o mandamento constitucional de independência e harmonia entre os Poderes da República. São inegociáveis os ditames da Constituição Cidadã bem como a democracia duramente reconquistada pelo povo brasileiro. 

STF faz história condenando réus da trama golpista

Por O Povo (CE)

Foi benéfica a divergência aberta por Fux. Com a discordância, cai por terra a teoria conspiratória do bolsonarismo de que tudo já estava preparado para a condenação unânime dos réus

O Supremo Tribunal Federal (STF) cumpriu com a sua obrigação ao condenar, por quatro votos a um, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus participantes de uma trama golpista que visava impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Houve apenas um voto divergente, do ministro Luiz Fux, que votou pela condenação apenas do tenente-coronel Mauro Cid e do general Braga Netto, por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, um dos cinco crimes dos quais eram acusados.

Esse foi um julgamento histórico, que vai repercutir positivamente na sociedade brasileira, pois nunca na história do País, os participantes de uma tentativa de golpe ou por uma sublevação consumada — como aconteceu em 1964 — haviam sido responsabilizados por atentar contra a democracia.

Do ministro Luiz Fux já era esperada alguma divergência, principalmente quanto ao foro para julgar os réus. No entanto, seu comportamento causou perplexidade generalizada, à direita e à esquerda, inclusive nos advogados do ex-presidente, que não esperavam um resultado tão favorável.

Apesar de a leitura de seu voto demorar por mais de 10 horas, o ministro fixou-se na teoria e foi econômico ao contestar as provas apresentadas, sem conseguir confrontar de maneira convincente a tese do procurador-geral, Paulo Gonet.

O ministro chegou ao ponto de questionar a democracia brasileira, ecoando o discurso bolsonarista de que o País viveria em uma "ditadura do Judiciário".

As alegações de Fux, na quarta-feira, foram respondidas uma a uma na pela ministra Cármen Lúcia e pelo ministro Cristiano Zanin na sessão de ontem, que concluiu o julgamento.

Fux questionou o foro do STF para julgar os réus, que para ele deveria ser na primeira instância. No entanto, o ministro já julgou cerca de 500 casos na Primeira Turma, nos quais eram réus integrantes da turba que depredou a sede dos Três Poderes. Na maioria dos casos ele seguiu o entendimento do relator Alexandre de Moraes, sem questionar o foro no STF.

Também é incompreensível o fato de ele ter condenado Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, quando é impossível separá-lo daquele que lhe dava ordens, Jair Bolsonaro. Não se trata da teoria do "domínio do fato", pois existem provas sobrantes de que Bolsonaro preparava-se para desfechar um golpe de Estado para manter-se no poder.

Por outro ponto de vista, foi benéfica a divergência aberta por Fux. Com a discordância, cai por terra a teoria conspiratória do bolsonarismo de que tudo já estava pronto para uma condenação unânime dos réus.

O julgamento no STF é uma prova insofismável de que a democracia brasileira, apesar de suas falhas — como todas as outras por se tratar de um regime perfectível — assegura o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa a quem está sendo julgado.

 

 



Nenhum comentário: