segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Violência como política de governo de Trump. Por Jan-Werner Mueller*

Valor Econômico

Mais do que um “gosto pela divergência”, seu governo vem fermentando um gosto pela crueldade

O horrendo assassinato do ativista de extrema direita Charlie Kirk foi recebido com reações apaziguadoras, dignas de estadistas, nos dois lados do espectro político. No entanto, também demonstrou, mais uma vez, uma assimetria fundamental na política contemporânea dos Estados Unidos. As manifestações de muitas figuras destacadas da direita, chegando até o presidente do país, Donald Trump, representaram nada menos do que um pedido de retaliação contra a “esquerda radical” - e isso tudo sem que ainda existam informações sobre o assassino e suas motivações.

Trump vem sinalizando, há cerca de dez anos, que a violência política cometida por seus apoiadores é aceitável e até passível de ser recompensada. Entre os que receberam seu perdão presidencial pela insurreição em 6 de janeiro de 2021 no Congresso dos EUA, muitos haviam sido condenados por crimes violentos. Ainda assim, Trump e muitos de seus seguidores mais devotos não consideram essa conduta como violência, mas uma autodefesa legítima, até patriótica; da mesma forma que outros populistas de direita, eles se retratam como perpétuas vítimas.

Um voto esdrúxulo, um efeito virtuoso. Por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

O dissenso no STF legitima suas decisões e reduz o ímpeto de ofensivas de court-curbing

É difícil saber os reais determinantes do voto minoritário do ministro Luiz Fux no julgamento do “núcleo 1” – considerado crucial – dos envolvidos na trama golpista de Bolsonaro. O fato é que sua posição destoou não apenas da maioria da Corte, mas também de sua própria postura anterior, quando proferiu votos duros nas condenações de réus do 8 de Janeiro.

Apesar de inconsistente, o voto de Fux pode ter efeitos institucionais relevantes. Ao romper a unanimidade, reduziu a força do argumento de Bolsonaro e de seus seguidores radicais de que o Supremo estaria agindo de forma parcial, em um julgamento de cartas marcadas. Em contextos de alta polarização política, o dissenso interno reforça a legitimidade externa da Corte.

Entre a política e a economia. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Real valorizou-se porque sanções americanas não vieram; Bolsa caiu porque sanções ainda podem vir. Especulação fica ao gosto do freguês

O dólar caiu, e o real se valorizou na última sexta-feira, primeiro dia útil depois da condenação de Bolsonaro. Foi um movimento expressivo. O dólar fechou a R$ 5,35, nível mais baixo desde junho de 2024. Na semana do julgamento, a moeda americana acumulou queda de 1,10%, algo que não se via faz tempo.

Se a cotação do dólar é um indicador do nível de estresse no mercado, então parece que vai tudo bem por aqui. E não apenas no mercado financeiro. Todos costumam olhar a taxa de câmbio por um viés bem definido: dólar caro assusta — e como! —, dólar barato alivia. Isso mesmo que não haja viagem marcada para o exterior.

O herói vingador que sabe mais. Por Demétrio Magnoli

O Globo

Para seus eleitores, ele acalenta um plano sigiloso, de longo curso, que trará a redenção

Atônitos desde a derrota de Kamala Harris, os democratas acreditam que acharam uma bússola. O norte, imaginam, chama-se Jeffrey Epstein. Divulgando uma página do “livro de aniversário” dos arquivos judiciais do caso Epstein, um documento de 2003, sonham lancetar o coração político de Trump.

A página contém um diálogo ficcional entre Trump e Epstein, pleno de subentendidos sexuais e emoldurado pelos contornos de um corpo feminino. A assinatura parece ser Trump, algo que ele nega. Trata-se de mais uma prova da amizade pretérita entre os dois, fato de domínio público, mas não constitui evidência de envolvimento nas aventuras criminosas do financista pedófilo. Por que, então, os democratas sentem o cheiro do sangue?

O julgamento visto das quebradas. Por Preto Zezé

O Globo

STF, ao condenar um ex-presidente, envia recado. Mas, se ele não chega traduzido às favelas, vira só notícia de rico pra rico

A condenação de Bolsonaro, de generais e gestores pelo Supremo entra para a História como marco contra a tentativa de golpe. Mas, nas favelas, o reflexo é ambíguo. Para alguns, vitória da democracia. Para outros, mais uma cena de um teatro onde a favela nunca é chamada a atuar — só a sangrar. Ali, Justiça não chega de toga, mas de viatura: bate de madrugada, enquadra sem explicação, executa sem defesa. Eis a chance de mostrar que o Estado de Direito vale para todos.

O Brasil segue dividido entre quem tem o direito de ser cidadão e quem vive sob punição permanente. A polarização política virou método de deseducação. O menino da favela aprende cedo que justiça é só para rico; certo e errado não estão na lei, mas no bolso de quem pode pagar por ela. Por isso, a condenação de um ex-presidente não traz alívio imediato, mas desconfiança:

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Narcogarimpo ameaça segurança da Amazônia

Por O Globo

Apesar das sucessivas operações policiais, garimpeiros ilegais persistem, em aliança com o tráfico

A informação de que o Sul do Pará volta a ser ocupado por balsas do garimpo ilegal, apesar de sete operações realizadas apenas neste ano na região, reflete a dificuldade de estabelecer uma política eficaz de segurança pública para a região. Tal política não pode se resumir às operações, cujo efeito se assemelha a enxugar gelo. As distâncias na Amazônia podem ser maiores, mas, como nas áreas urbanas, o combate à ilegalidade exige informação e estratégia para sufocar os criminosos.

Os alvos mais recentes dos garimpeiros são a Terra Indígena Kayabi e o Refúgio de Vida Silvestre Rio São Benedito e Azul, criado pelo governo do Pará em 2021. A corrida à região é motivada pela duplicação do preço do ouro em apenas um ano, para R$ 630 por grama. A rentabilidade do negócio se tornou tão grande que garimpeiros, ao ser surpreendidos, preferem afundar suas balsas e tentar recuperá-las depois. Em reportagem do GLOBO, um morador da região comparou o que acontece no Sul do Pará à descoberta de ouro em Serra Pelada nos anos 1980, quando era comum habitantes de fora venderem tudo o que tinham para tentar a sorte no garimpo.

Constituição cidadã gerou punição a militares por golpe, dizem historiadores. Por Gustavo Zeitel

Folha de S. Paulo

Ampliação de direitos básicos à população criou consciência sobre democracia, mas anistia perpetuaria impunidade

Em voto decisivo no julgamento da trama golpista, a ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), recordou os sucessivos golpes de Estado no Brasil, citando a ruptura democrática de 1964 que instaurou a ditadura militar. Se já é clichê ver um marco histórico na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos de prisão, também é verdade que a punição aos oito integrantes da conspirata não pode ser compreendida sem a clareza dos motivos que levaram ao tão alardeado ineditismo.

Afinal, excedidos movimentos regionais, como a Revolta Paulista de 1924, é de fato a primeira vez que militares são punidos no Brasil por atentados contra o poder constituído. Historiadores identificam três razões que viabilizaram, enfim, a responsabilização dos militares: a Constituição de 1988, que expandiu e legitimou direitos da sociedade, construindo um consenso sobre a preservação da democracia, a diminuição da desigualdade social e a falta de apoio da elite econômica à impunidade dos golpistas.

Anistia a Bolsonaro é tentativa de golpe por outro caminho. Por Christian Lynch*

Folha de S Paulo

Extrema direita pede indulto em nome de suposta pacificação, mas não abandona extremismo

[Resumo] Campanha por anistia a Bolsonaro e demais condenados por trama golpista retoma vício que macula a história do Brasil desde o Império. Suposta pacificação defendida por coalização reacionária na verdade é método para minar democracia liberal e restaurar pela ditadura o poder de grupos dominadores tradicionais.

O tema da anistia não pode ser considerado em abstrato, mas nas circunstâncias concretas da política contemporânea, no Brasil e no mundo. Vivemos um período de ataque frontal à democracia liberal por parte de uma extrema direita articulada internacionalmente.

À luz da experiência nazifascista, as democracias do pós-Segunda Guerra ergueram muralhas institucionais contra o autoritarismo. Não bastava confiar no jogo político: era preciso blindar o regime com constituições liberais e republicanas claras, cortes constitucionais fortes e amplos poderes de proteção contra arroubos de maiorias circunstanciais.

Com a globalização dos anos 1980-1990, esse modelo se disseminou, inclusive no Brasil. Ele abriu espaço para a emergência de novos grupos sociais dentro de cada nação —formalmente incorporados, mas até então mantidos como subalternos— e para novos países fora do Atlântico Norte no cenário internacional. Parecia o anúncio de uma era igualitária, capaz de dissolver os vestígios da velha ordem oligárquica e imperial.

Foi então que os grupos que sempre se viram como donos do poder passaram a sentir-se ameaçados. Contra adventícios, imigrantes e diferentes, essas elites tradicionais reagiram, reivindicando sua suposta condição de povo "autêntico", enraizado em famílias cristãs patriarcais e mitos nacionalistas de fundação que justificariam sua superioridade histórico-cultural.

Anistia a Bolsonaro jogaria estabilidade democrática no chão. Por Leonardo Weller

Folha de S. Paulo

Perdão a golpistas é retrocesso que pode nos levar novamente ao chumbo da ditadura

[Resumo] Conceder indultos a golpistas e conspiradores tem sido uma tradição no Brasil do pós-guerra, o que só incentiva novas tentativas de tomada armada do poder. Se a anistia de 1979 revelou-se depois indispensável para pacificar o país, afinal os militares ainda estavam no poder, repetir agora o perdão judicial a Bolsonaro e demais réus condenaria a uma instabilidade política que já parecia superada, avaliar autor.

Vários políticos de direita defendem uma anistia aos réus envolvidos na trama golpista liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo reportagem da Folha, o grupo inclui cerca de 300 deputados, maioria na Câmara. Por detrás desta reação contra o julgamento do STF está o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que se move com medo da família Bolsonaro e de olho nas eleições presidenciais do ano que vem.

Entrevista | Daniel Aarão Reis: Não acredito em anistia 'irrestrita', mas talvez se chegue a meio-termo

Professor da UFF avalia que condenação de Bolsonaro e militares é importante para abalar certeza de impunidade, mas indica que golpismo não é vencido só com julgamento judicial

Por Bernardo Mello / O Globo  

O historiador Daniel Aarão Reis avalia que, apesar da forte representação do bolsonarismo no Congresso e da simpatia de parte do Centrão, uma anistia "ampla, geral e irrestrita" dificilmente será aprovada. Professor da UFF, ele acredita, no entanto, que talvez haja um meio-termo, com redução de penas. Um efeito muito positivo do julgamento da trama golpista, indica Aarão Reis, é que "a certeza da impunidade, que parece ter sido importante no golpe de 1964, agora ficou abalada".

É possível dizer que a democracia brasileira mostrou força ao se condenar um ex-presidente e militares por tentativa de golpe?

O ineditismo do julgamento e da condenação é um aspecto importante, especialmente com nosso histórico de golpes e anistias. Mas ideias só são vencidas por ideias, e não por condenações jurídicas. Seria um erro tomar o julgamento como prova de que se derrotaram as ideias golpistas.Venho alertando para o problema de subestimar a extrema-direita, que se fortaleceu no país desde 2013, inicialmente de forma subterrânea. A democracia é um dos poucos regimes que permitem que seus inimigos se pronunciem. Isso confere a ela uma instabilidade básica, embora também possa ser fundamentada em maior ou menor medida.

A tragédia e a farsa. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Presidente americano voltou à Casa Branca porque instituições dos EUA não funcionaram

Um presidente de índole autoritária tenta se reeleger, é derrotado nas urnas e se recusa a aceitar o resultado. Inflamados por suas mentiras, extremistas invadem e depredam o Congresso na esperança de mantê-lo no poder.

Aconteceu como tragédia nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. Repetiu-se como farsa no Brasil, em 8 de janeiro de 2023.

As semelhanças entre os dois episódios pararam na destruição do patrimônio público. Depois da selvageria, cada país escolheu seu modo de lidar com o ataque às instituições democráticas.

Nos EUA, o candidato a autocrata driblou a Justiça, ficou impune e conseguiu voltar à Presidência. No Brasil, seu imitador acaba de ser condenado a 27 anos e três meses de prisão.

Mudanças institucionais históricas e o julgamento de Bolsonaro. Por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Os julgamentos de presidentes por golpes ou corrupção representam avanços, mas o saldo institucional líquido para o STF terá sido negativo

O caráter histórico do julgamento da conspiração tem sido reiterado por analistas de diversas matizes. Douglass North (Nobel de Economia) e coautores enfatizam o controle civil sobre os militares como uma das pré-condições para a transição a uma "ordem social de acesso aberto" (que combina democracia e prosperidade) ao lado do império da lei e de organizações impessoais.

Julgamentos e condenações de presidentes por golpes ou corrupção têm se tornado muito mais frequentes em todo mundo inclusive na Europa. Da Ros e Gehrke, com dados para 1946-2022, mostram que há, a partir dos anos 1990, mudança qualitativa e quantitativa: a proporção de líderes condenados sobe de cerca de 2% para 9%. As condenações criminais tornam-se mais comuns e a punição violenta e arbitrária menos frequente. Considerando todos os chefes de governo que deixam o cargo, a probabilidade de um líder ser morto, encarcerado ou ir para o exílio no primeiro ano pós-mandato cai de mais de 30% (1960–1980) para apenas 12% (2000–2015).

A Semana da Pátria de 11 dias. Por Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

Responsabilizar aqueles que tramaram contra a democracia representa o rompimento com a tradição de impunidade

Semana da Pátria, pelo calendário oficial, compreende os dias entre 1º e 7 de setembro, período dedicado à celebração da soberania nacional. Em 2025, porém, excepcionalmente a Semana da Pátria se estendeu até o dia 11 de setembro, quinta-feira passada, data da inédita condenação de um ex-presidente da República por liderar uma trama de golpe de Estado —entre outros crimes— na tentativa de se manter no poder depois da derrota na eleição 2002.

Muito, muito, mas muito além de preferências político ideológicas ou de disputas partidárias, o momento é emblemático e decisivo para a defesa e preservação do Estado Democrático de Direito. Responsabilizar aqueles que tramaram contra a democracia representa o rompimento com a tradição de impunidade que historicamente beneficiou criminosos de colarinho branco no Brasil.

Pacificação é dar paz ao povo e não a golpistas poderosos. Por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Para nossa democracia ser segura, nosso povo também precisa se sentir seguro

Na corrida por votos em 2026, candidatos à direita falam em "pacificar" o país. O que passa, em sua visão, por perdoar golpistas poderosos. Nada é mais contraintuitivo. Se a ideia é promover paz, vamos deixar de responsabilizar pessoas que querem impor sua vontade por meio de ameaças e violência?

Vamos fingir que nada grave aconteceu e seguir a vida? Vamos deixar o caminho aberto para que novas violências, e talvez mais graves, sejam cometidas? Que paz é essa?

Poesia | Embriaguem-se, de Charles Baudelaire

 

Música | Elis Regina & Hermeto Pascoal | Asa Branca, Montreux Jazz Festival