- Valor Econômico
A melhora nas contas de algumas famílias não impedirá quebras em grande escala e demissões nos setores mais afetados. Restrições físicas ao consumo são a nova, e crucial, característica desta crise. Há necessidade de ações direcionadas, além de estímulos à economia
Nossa prioridade absoluta durante a pandemia do coronavírus precisa ser salvar vidas. Também precisamos, contudo, reduzir o impacto econômico e preservar o emprego e a renda da melhor forma possível. É inevitável que tenhamos um grande impacto na economia, mas podemos limitar os danos com políticas econômicas sólidas e bem direcionadas.
Da mesma forma que na crise financeira mundial de 2008, precisamos compreender o equilíbrio entre as três categorias de problemas enfrentados: liquidez, solvência e demanda deficiente.
Os problemas de liquidez tanto no sistema financeiro quanto na economia real podem ser compensados por ações firmes dos bancos centrais, sendo que vários pacotes de medidas econômicas apropriadas que já foram anunciados. Entre elas estão a redução das taxas de juros a zero; emprestar dinheiro do banco central aos bancos comerciais para que possam emprestá-lo às empresas; e liberar os colchões de capital anticíclico dos bancos para que possam conceder mais empréstimos. Combinadas, essas ações podem garantir que empresas com fundamentos saudáveis não quebrem por falta de crédito.
Mas elas serão insuficientes para evitar importantes problemas de insolvência em setores específicos. Se bares, restaurantes, hotéis e empresas aéreas ficarem sem clientes por dois meses, não haverá volume de crédito barato na Terra capaz de evitar eventuais quebras.
Se os funcionários forem mantidos, os prejuízos das empresas vão se acumular rapidamente. Se os funcionários forem demitidos em grandes números, eles vão passar a gastar menos mesmo em setores on-line, como o de entretenimento e o de compras, que poderiam estar em alta no mundo do trabalho em casa. Sem ações que neutralizem isso, vamos nos deparar com um ciclo deflacionário de queda no consumo e na renda.
A política monetária não é capaz de fazer quase nada para contrabalançar esses riscos; com as taxas de juros já no chão, novos cortes pequenos não vão alimentar nem os investimentos das empresas nem os gastos dos consumidores. Apenas a expansão fiscal pode fazer uma diferença relevante. Isso repete nossa experiência em 2009, quando déficits fiscais de mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no Japão, Estados Unidos e Reino Unido e de 6% na região do euro foram essenciais para evitar uma depressão profunda e prolongada.
Claramente, os estímulos fiscais precisam envolver qualquer aumento que seja necessário nos gastos em serviços de saúde pública. Em países com fortes sistemas de bem-estar social, os gastos públicos vão crescer automaticamente, à medida que as licenças remuneradas e os pedidos de seguro-desemprego aumentem. Nos EUA, a Casa Branca abriu negociação com o Congresso para um pacote de estímulo de US$ 1 trilhão que inclui o envio de dinheiro diretamente às famílias americanas para reforçar suas contas.
Tais pagamentos deveriam ter sido usados de forma mais ampla em 2009. Agora, poderiam ajudar a neutralizar contrações na demanda da economia como um todo. Mesmo isso, entretanto, seria insuficiente. Em 2008, a ameaça à demanda vinha do colapso na confiança dos consumidores e das empresas. As quarentenas e confinamentos de hoje significam que mesmo pessoas com dinheiro de sobra para sair e gastar não podem fazê-lo.
Muitos dos que agora têm segurança de emprego trabalhando em casa vão economizar dinheiro à medida que os salários continuarem chegando e as oportunidades de compra diminuírem. Mas a melhora nas contas de algumas famílias não vai impedir quebras em grande escala e demissões nos setores mais afetados. Restrições físicas ao consumo são a nova, e crucial, caraterística desta crise. Isso implica a necessidade de ações direcionadas, além dos estímulos à economia como um todo.
É hora de subsídios ao emprego para sustentar as empresas que preservem as folhas salariais e de apoio financeiro direto aos setores mais pressionados. Isenções de impostos sobre pessoas jurídicas e doações para ajudar no pagamento de aluguéis onde empresas tiveram que fechar as portas têm que desempenhar um papel crucial juntamente com o crédito barato.
Os governos normalmente são cautelosos ao adotar tais preferências setoriais, mas está claro quais setores foram mais afetados pelas proibições a viagens, toques de recolher, autoisolamento e distanciamento social. Além disso, a necessidade e preferência setorial, claramente, será por tempo limitado. Quando os governos puderem permitir que as pessoas voltem aos bares e restaurantes, o apoio a esses setores pode ser encerrado.
Posteriormente, mais apoio fiscal vai ser necessário para impulsionar a recuperação econômica, mas a ênfase, então, em vez de estar nos subsídios para setores específicos, deveria ser reorientada a investimentos de longo prazo em infraestrutura, idealmente de modos que também ajudem a reduzir as emissões e a nova economia de baixas emissões de carbono.
Tudo isso implica em grandes déficits fiscais e possíveis aumentos nas proporções já altas de endividamento em relação aos PIBs. Mas com os rendimentos dos bônus governamentais já próximos a zero, a maioria dos países desenvolvidos não enfrenta limitações no financiamento de curto prazo. Para países com moedas nacionais, o financiamento monetário pelo banco central por meio de déficits fiscais temporariamente elevados é uma opção viável. Isso poderia proporcionar fortes estímulos sem aumentar a carga da dívida pública.
As regras e a estrutura da região do euro inibem o financiamento monetário explícito, mas é preciso encontrar formas criativas que permitam ao Banco Central Europeu (BCE) sustentar a expansão fiscal dos países membros. Pelo menos para o mundo desenvolvido, encontrar dinheiro não é o principal problema.
*Adair Turner foi chefe da Comissão de Serviços Financeiros (FSA, órgão regulador do mercado financeiro britânico).
Nenhum comentário:
Postar um comentário