- Valor Econômico
Nenhuma evidência aponta para um fim rápido da pandemia
O Brasil está há uma semana em modo de crise por causa da epidemia de coronavírus. A Europa, há um mês. A China, há dois meses. A dimensão dessa crise dependerá diretamente da duração da epidemia, o que é impossível de prever neste momento. Empresas, escolas e governos estão anunciando medidas válidas por algumas semanas ou meses. Isso parece excessivamente otimista. Nenhuma evidência aponta para um final tão rápido. O problema, porém, é que é difícil fazer previsões (e definir ações) para uma crise mais longa, devido ao ineditismo de tudo o que está acontecendo.
Uma epidemia viral muito contagiosa, como a atual, costuma terminar de duas maneiras: ou boa parte da população é infectada e ganha imunidade, o que reduz a circulação do vírus; ou uma vacina propicia essa imunização.
Há muita especulação a respeito, mas nenhuma indicação concreta de que uma vacina estará disponível no curto prazo. O desenvolvimento da vacina é complexo. Até hoje não há uma vacina para a aids nem para a sars (causada por outro coronavírus). Os processos de verificação de segurança e de eficácia de uma nova vacina são demorados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não prevê uma vacina neste ano. Pode haver surpresas, mas é melhor não contar com isso.
Quanto à imunização pelo contágio, ainda estamos longe disso. Dados oficiais apontam que mais de 240 mil pessoas já foram infectadas pelo mundo. O número real é certamente muito maior. Vários países, como o Brasil e os EUA, não estão testando todos os possíveis casos suspeitos, devido ao custo e à falta de kits de teste.
Além disso, muitos casos são assintomáticos, isto é, a pessoa infectada não apresenta sintomas, não é testada e não entra na estatística. Um estudo indicou que no vilarejo de Vò, um dos primeiros afetados na Itália, quase 70% das pessoas infectadas não apresentaram sintomas (mas propagam o vírus). Ainda que o número real de casos fosse, vamos supor, dez vezes maior, não chegaria a 415 mil na Itália, numa população de 60 milhões. Isso está longe de bastar para desacelerar o contágio.
A estratégia de combate à epidemia que vem sendo adotada em quase todo o mundo prevê o confinamento e o isolamento social. O objetivo é retardar a propagação do vírus, para evitar que os sistemas de saúde entrem em colapso. Mas isso também prolonga a epidemia.
A China reivindica ter zerado os novos casos locais (não há confirmação independente), mas à custa de medidas duríssimas, que em boa parte continuam em vigor. Há o risco de a epidemia voltar se essas medidas forem revogadas, inclusive pela importação de novos casos. Hong Kong, por exemplo, parece estar vivendo um segundo surto da covid-19.
Assim, qual é uma perspectiva de prazo razoável para a normalização? Os parques da Disney em Orlando foram fechados até o fim de março. O campeonato inglês de futebol foi suspenso até o começo de abril. A OAB adiou a sua próxima prova para maio. A NBA, liga americana de basquete, vê chance de retomada dos jogos em meados de junho. Isso mostra a dificuldade de fazer uma previsão, até porque especialistas divergem. Alguns, como Zhong Nanshan, um dos principais assessores do governo chinês, falam de uma normalização em junho. Já Lothar Wieler, presidente do Instituto Robert Koch, responsável pela prevenção e controle de doenças na Alemanha, afirmou nesta semana que a pandemia pode durar dois anos. Ele prevê até 10 milhões de casos na Alemanha; até ontem havia 15 mil.
O caminho ainda pode ser longo.
É difícil antever as consequências de um período tão grande de paralisações e incertezas, para a economia, a política, a sociedade e até a segurança, interna e global.
Por quanto tempo os governos terão de apoiar empresas e trabalhadores que perderam sua renda? O custo muda muito se forem sete meses em vez de três. Se os mercados e os cidadãos começaram a duvidar da solvência de um país, pode haver uma corrida ao dólar e uma crise de balança de pagamento.
A recente instabilidade no câmbio deve tornar mais difícil precificar ativos, produtos e serviços. Se isso se prolongar, pode afetar ainda mais os mercados, o comércio internacional e a oferta em geral.
Hoje fábricas, como as das de automóveis, estão fechando pelo mundo por falta de peças, de mão de obra ou por precaução. Mas e se isso se estender à produção de remédios e alimentos? Após duas semanas de quarentena no país, os preços dos alimentos frescos ainda não subiram na Itália, o que indica que o sistema de abastecimento continua funcionando. Mas essa cadeia resistirá a cinco meses de disrupções?
Do mesmo modo, damos como certo que a internet e a eletricidade que muitos de nós estão usando agora em home office continuarão funcionando sem problemas. Mas as empresas que fornecem esses serviços podem ter dificuldade para mantê-los, com aperto na receita, alta nos custos e na demanda e mais dificuldade de manutenção.
No campo político, o que acontecerá se os países tiverem de adiar eleições? A França adiou, ainda sem data, o segundo turno das eleições municipais, que seria realizado neste domingo. Por ora não há polêmica. Mas e se chegarmos a setembro sem novas administrações nas cidades? Há risco de tensão política e judicialização, o que também pode ocorrer com as eleições no Brasil e nos EUA.
Como as pessoas, que hoje esperam ficar em casa por algumas semanas, reagirão se o confinamento se prolongar também por muitos meses? Nos países mais pobres, sem condições de atender os doentes, há riscos de distúrbios. Um aumento da pobreza também ameaça elevar a criminalidade.
Governos pelo mundo estão pensando o que era impensável até poucas semanas atrás. Quem diria que o governo Donald Trump iria distribuir dinheiro? Mas mesmo esse impensável pode ser uma solução para três meses de crise e não bastar para oito meses.
Com mais dúvidas que respostas, é importante que os governos busquem criar um clima de união nacional contra a epidemia (são comoventes as imagens de italianos cantando das sacadas e janelas) e que convençam os cidadãos de que estão à altura dessa crise histórica e que buscam adotar as melhores soluções possíveis. O governante que não fizer isso, correrá riscos.
*Humberto Saccomandi é editor de Internacional.
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