sexta-feira, 20 de março de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

Contra risco de depressão, trilhões para a economia – Editorial | Valor Econômico

A necessidade de gastar o que for preciso para evitar mortes, depressão e desemprego em massa é hoje consenso entre governos e autoridades monetárias dos países ricos

A derrocada dos mercados parece não ter fim. Os recuos das bolsas mundiais já são superiores ao turbilhão vivido na grande crise financeira de 2008 e não há piso à vista. As ações não encontram qualquer ponto de apoio para iniciar o caminho de volta. A queda se transmite a todos os outros ativos, em uma espiral de prejuízos que chegou nos últimos dias aos títulos soberanos, considerados os mais seguros. Isso significa que investidores e agentes do mercado passaram a vender seus melhores papéis para cobrir posições e garantir liquidez em uma crise cuja duração é imprevisível. Os bancos centrais, apagando os incêndios que surgem, estão intervindo com munição pesada em todos os mercados.

A roda destrutiva das perdas, da qual os investidores são incapazes de reverter por si sós, indica a precificação do caos. Com o coronavírus se instalando nas principais economias do mundo, como Alemanha e Estados Unidos, grandes emergentes, depois de passar pela Ásia, a economia real ameaçar entrar em uma depressão. Os mercados acionários só tem uma direção, para baixo, se os investidores tentam mensurar o valor de empresas e setores que estão paralisados - por ordem dos governos - ou vão paralisar e cuja única expectativa é a de que suas receitas sejam zero ou perto disso.

É sobre essa espiral descendente que os BCs estão agindo, com as armas legadas do afrouxamento monetário. O balanço do Federal Reserve americano já está perto do pico da crise de 2008 - US$ 4,5 trilhões -, com projeções de que em pouco tempo chegue a US$ 6 trilhões. Para prover liquidez ao mercado de dívida corporativa, anunciou que injetará US$ 750 bilhões na compra de títulos dos quais os investidores estão fugindo. O Banco Central Europeu anunciou na noite de quarta megadose de seu QE, mais € 750 bilhões, elevando para €1 trilhão a quantidade de títulos soberanos e de papéis privados que comprará até o fim do ano. O Banco da Inglaterra ampliou de 445 bilhões para 650 bilhões de libras seu apoio à liquidez e reduziu de novo os juros, desta vez para 0,1% ao ano.

Ainda que os bancos não estejam no epicentro da crise, como estiveram em 2008, a corrida dos bancos centrais visa evitar que a debacle dos mercados, em primeiro lugar, e depois a paralisação de vários setores da economia, com inadimplência de empresas inativas e consumidores desempregados, firam gravemente o balanço dos bancos. Essa é a tarefa mais urgente, que vem sendo executada com desenvoltura pelas autoridades monetárias. BCs de 22 países emergentes, por seu lado, reduziram suas taxas de juros para minorar os efeitos de uma grave retração.

Mas, à diferença de 2008, o estopim da crise vem do golpe conjunto das quedas da oferta e da demanda provocadas pela covid-19 e pelos métodos escolhidos para combatê-la. As fronteiras da Europa e dos EUA estão fechadas, enquanto que quarentena em centenas de centros urbanos limitam produção e consumo. Falta de liquidez de empresas e consumidores, em meio a um grande endividamento de companhias não financeiras (US$ 12 trilhões, o dobro de 2007), trazem risco real de colapso econômico.

A ameaça da depressão deixou para trás as exigências fiscalistas. Europa, EUA, Alemanha, entre outros, partiram diretamente para emissão de dinheiro para sustentar empresas e trabalhadores inativos ou demitidos - uma diferença marcante com a grande crise financeira de 2008. Transferências de US$ 500 bilhões serão feitas ao lares dos EUA, em um pacote estimado inicialmente em US$ 1,2 trilhão. A Alemanha colocará € 550 bilhões iniciais, a custo quase zero, para permitir que as empresas sobrevivam à maré recessiva e aperto financeiro. O Tesouro britânico injetará 330 bilhões de libras para amparar companhias e trabalhadores. A UE está deixando de lado provisoriamente os limites fiscais em prol de mais gastos para dar apoio à economia subjugada pela pandemia.

Sustentar e reerguer a produção e a demanda dos consumidores em uma crise global exigirá muito mais dinheiro do que no socorro a bancos em 2008. A necessidade de gastar o que for preciso para evitar mortes, depressão e seu cortejo de desemprego em massa, é hoje consenso entre governos e autoridades monetárias dos países ricos. O custo zero do endividamento é um estímulo para reerguer a economia real - e aí sim abrir caminho para a normalização dos mercados. É impossível prever quando a estabilização econômica e financeira ocorrerá, enquanto o coronavírus impedir a circulação de pessoas e mercadorias em massa. Mas o rumo é este.

Cabotinismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Foi um espetáculo constrangedor, protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro, a entrevista coletiva realizada na quarta-feira para detalhar as ações do governo no combate ao coronavírus. Alguns de seus ministros até tentaram esclarecer os jornalistas a respeito dos esforços para lidar com a crise. Já o presidente só tinha uma preocupação: chamar a atenção para si mesmo e capitalizar politicamente o desempenho do governo, que para ele é ótimo. De quebra, usou a ocasião para, mais uma vez, atacar a imprensa.

No auge do cabotinismo, o presidente declarou, triunfante: “Nosso time está ganhando de goleada. Duvido que quem vier me suceder um dia, acho muito difícil, consiga montar uma equipe como eu montei. E tive a coragem de não aceitar pressões de quem quer que seja. Então, se o time está ganhando, vamos fazer justiça, vamos elogiar seu técnico, e seu técnico se chama Jair Bolsonaro”. O mau português é o menor dos problemas de tal declaração, que resume o grau de alheamento do presidente.

Até o momento em que resolveu aparecer com seus ministros para prestar esclarecimentos sobre o que o governo estava fazendo contra a galopante disseminação do coronavírus, Bolsonaro insistia que a crise era fruto da “histeria” alimentada pela imprensa, mesmo quando já estava clara a dimensão terrível da pandemia.

Diante da patente incapacidade de Bolsonaro para lidar com a situação e cansados da fabricação diária de conflitos desde sua posse, os brasileiros começaram a protestar, promovendo panelaços em diversas cidades. Ademais, a popularidade do presidente nas redes sociais, outrora um território que o bolsonarismo dominava, começou a derreter na mesma proporção em que crescia a certeza da inépcia de Bolsonaro.

Certamente foram esses os motivos que levaram o presidente a armar o circo travestido de “entrevista coletiva”, em que não faltaram nem mesmo as máscaras protetoras que só devem ser usadas por quem apresenta os sintomas da covid-19 ou é profissional da saúde, conforme instruções do próprio Ministério da Saúde. Ou seja, não havia nenhuma necessidade de o presidente e os ministros usarem as máscaras, a não ser que o objetivo fosse meramente cenográfico – o que se pôde constatar diante das evidências de que nenhum deles sabia direito como manuseá-las, acentuando o caráter picaresco do evento e, por extensão, do desgoverno de Bolsonaro. São imagens que ficarão para a história.

Também ficará para a história a desfaçatez de um presidente que usa um momento tão delicado da vida nacional para se promover e para inventar inimigos, em especial a imprensa, com indisfarçáveis propósitos autoritários. Na entrevista em que deveria detalhar seus planos contra a pandemia, Bolsonaro gastou energia para tentar jogar a opinião pública contra jornalistas e mentiu mais de uma vez – ao dizer que estava preocupado com o coronavírus desde fevereiro; e ao negar que tenha convocado manifestações contra o Congresso mesmo diante da recomendação do Ministério da Saúde de que não houvesse aglomerações. De quebra, aproveitou o ensejo para convocar seus apoiadores a fazer um panelaço para se contrapor a mais um protesto contra seu governo, ocorrido anteontem.

Tudo isso em meio à devastação social e econômica causada pela pandemia, que deixa aflitos todos os brasileiros, em especial os mais pobres e aqueles que estão no mercado de trabalho informal. A aflição aumenta ainda mais diante da confirmação de que não temos presidente de verdade, e o que temos tudo faz para atrapalhar o próprio governo e, por extensão, o País. Nisso está sendo auxiliado pelo deputado Eduardo Bolsonaro, seu filho mais novo, que, macaqueando o presidente norte-americano, Donald Trump, atribuiu à China a “culpa” pela crise, criando um atrito diplomático gratuito e desnecessário com nosso maior parceiro comercial justamente nesta hora de grande vulnerabilidade.

Cientistas de todo o mundo lutam para encontrar tratamento para a covid-19. No Brasil, constata-se que a incompetência do atual governo é incurável.

O pão mais duro Editorial | O Estado de S. Paulo

Entre 2009 e 2018 o desemprego no mundo declinou gradualmente. Mas essa tendência se estancou e deve permanecer estagnada por ao menos dois anos, segundo o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Perspectivas Sociais e do Emprego no Mundo. Não à toa, a organização destaca que 7 entre 11 sub-regiões do globo experimentaram um crescimento na incidência de protestos contra o desemprego e suas consequências.

O declínio no desemprego dos últimos anos se deu sobretudo nos países de renda alta. Isso, diga-se de passagem, serve como um contra-argumento ao temor generalizado de que as transformações tecnológicas estão levando ao desemprego em massa. Em contraste, países de renda média que passaram por crises econômicas mantiveram altas taxas de desemprego e é improvável que consigam revertê-las nos próximos anos.

A OIT estima que há 188 milhões de desempregados no mundo, ou 5,4% da força de trabalho. Somados a toda mão de obra subutilizada, são 470 milhões (13%) de pessoas. Dos 3,3 bilhões de trabalhadores do mundo, 2 bilhões (61%) são informais. Destes, 1,4 bilhão trabalha em países de renda média ou baixa, em condições vulneráveis e por remunerações bem menores que as dos assalariados típicos. Mais de 630 milhões de trabalhadores, quase 1 em 5, não recebem o suficiente para tirar a si mesmos e suas famílias da faixa de pobreza extrema ou moderada. Nos países de renda baixa essa parcela chega a 66% dos trabalhadores.

Some-se a isso as disparidades de gênero e de geração. A força de trabalho ativa das mulheres é de 47%, enquanto a dos homens é de 74%. Na América Latina, o nível médio de educação das mulheres é mais alto, mas elas recebem 17% menos, uma situação ainda mais dramática quando se considera que o número de lares sustentados por mulheres está em ascensão. O aumento da coabitação, de divórcios e de mães solteiras faz com que no Brasil, por exemplo, as mulheres já sejam chefes de família em 30% dos lares. Cerca de 267 milhões de jovens no mundo (22%) não trabalham nem estudam. Mesmo na Europa e Ásia Central a qualidade dos empregos para os jovens foi prejudicada pela crescente incidência de empregos temporários.

Além de todos esses desafios, o volume total de capital disponível para o trabalho tem encolhido. Entre 2004 e 2017, a parcela de renda do trabalho – em oposição à renda auferida pelos detentores do capital – declinou de 54% para 51%. Segundo a OIT, este decréscimo está em grande parte relacionado à erosão da renda dos autônomos, com a proliferação de novas formas de trabalho precário e informal.

Entre os próprios trabalhadores a desigualdade de renda é expressiva. Os 10% mais bem pagos recebem em média US$ 7.400 ao mês, enquanto os 10% mais pobres recebem US$ 22. Em quase todos os países – com algumas exceções, como China e Índia – a desigualdade de renda está estagnada, e, segundo as revisões estatísticas da OIT, é maior do que se supunha anteriormente.

Para o Brasil, as projeções são angustiantes. Entre 2019 e 2025, a taxa de desemprego deve cair apenas de 12% para 11,4% (acima da média mundial de 5,4%). Ou seja, em cinco anos o número de desempregados recuaria apenas de 12,8 milhões para 12,6 milhões. Entre os jovens o índice de desemprego hoje é de 25%. No total, somando-se subempregados, desalentados, informais e outros em condições precárias, a mão de obra subutilizada chega a quase 25 milhões, cerca de 25% da força de trabalho, bem acima da média mundial de 13%.

Trata-se de uma tragédia humanitária que demanda a atenção de todos. As medidas do governo para estimular a contratação se reduziram a baratear a mão de obra para os empregadores. Mas não há por que eles contratarem quando a capacidade ociosa da indústria, por exemplo, oscila na casa dos 25% a 30%. Por mais tração que as reformas e medidas do governo consigam dar à economia, o desemprego seguirá alto por alguns anos. É imperativo que o governo Bolsonaro dê mais atenção às políticas sociais do que deu em seu primeiro ano.

Risco global de recessão com vírus – Editorial | O Estado de S. Paulo

O pavor de uma recessão, desta vez com a mistura de doença, morte e desemprego, continua sacudindo os mercados, enquanto governos e bancos centrais anunciam operações de socorro multibilionárias, tentando evitar uma quebradeira pior que a da crise de 2008. A palavra temida foi usada pelo presidente Donald Trump, chefe de governo da maior economia do mundo, quando ele admitiu, em público, o risco de uma recessão nos Estados Unidos. Mas o desastre pode ser muito mais amplo. “Podemos chegar efetivamente a uma recessão global”, disse o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, numa entrevista à Rádio CBN. “Em alguns mercados”, acrescentou, “certamente chegaremos, mas em termos globais é mais difícil dizer.” Se entre esses mercados estiverem alguns dos maiores do mundo, o contágio, é fácil concluir, será tão veloz e difuso quanto o do coronavírus.

O risco de crescimento zero ou de contração econômica no Brasil já está nos cenários de grandes bancos, consultorias e instituições de pesquisa, como assinalou o Estado. As possibilidades de expansão igual ou superior a 2% já sumiram. Pelas novas contas do Itaú Asset, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) poderá encolher 0,3% neste ano. As estimativas do Credit Suisse incluem retração de 0,1% no primeiro trimestre e de 1,6% no segundo, com o resultado geral do ano equilibrado em 0%. A LCA Consultores aponta como provável um resultado negativo de 0,4% em 2020. Pelo cálculo anterior deveria haver uma expansão de 1,7%.

Várias instituições continuaram, ontem, divulgando novas projeções, sempre com taxas de crescimento menores que aquelas esperadas há pouco tempo. Nas estimativas mais favoráveis o crescimento indicado para 2020 bateu em 1%, número próximo dos alcançados nos três anos anteriores.

Negativo, nulo ou apenas ligeiramente positivo, o desempenho brasileiro será em grande parte determinado, neste ano, pela retração dos negócios na maior parte do mundo. Também afetada pelo coronavírus, a economia argentina continuará muito fraca. Isso limitará as exportações brasileiras de veículos. Vendas para outros países também deverão refletir a retração global da demanda. A crise chinesa deverá produzir forte impacto nos preços de mercadorias do agronegócio e de minérios, um efeito já sensível nas últimas semanas.

Na China, a produção industrial no primeiro bimestre caiu 13,5% em relação à de janeiro e fevereiro de 2019, segundo os últimos dados. Comparações semelhantes apontaram queda de 20,5% nas vendas do comércio varejista e de 34,7% nas vendas de imóveis. Apesar de sinais de recuperação, o primeiro trimestre está perdido e há quem estime contração econômica em todo o primeiro semestre. Meio ano de mau desempenho na segunda maior economia será suficiente para causar estragos em todo o mundo.

O risco de recessão na Europa foi admitido pela Comissão Europeia na sexta-feira passada. Em vez do crescimento de 1,7%, anteriormente estimado, o bloco poderá fechar o ano com uma contração econômica próxima de 1%, segundo informe divulgado no dia 13.
Nenhuma dessas projeções é uma condenação. Governos e bancos centrais de grandes economias iniciaram ações para contenção dos danos, como facilidades tributárias, gastos para defesa do emprego e das pessoas mais vulneráveis e crédito mais acessível.

No Ocidente a epidemia ainda avança e as ações defensivas, como a proibição de aglomerações, travam as vendas e a produção. Isso poderá limitar, por algum tempo, os efeitos das novas medidas econômicas, agora aplicadas também no Brasil. Mas as medidas acabarão funcionando, mesmo com alguma demora. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro critica as precauções sanitárias, defende atividade econômica mais normal e menospreza o risco de contágios e mortes. Destoa dos demais governantes, incluídos alguns de seus ícones de direita, empenhados neste momento em proteger a vida. Sem essa defesa, qualquer recessão seria muito mais devastadora.

Ainda tateando – Editorial | Folha de S. Paulo

Falta ao governo plano abrangente para enfrentar impacto econômico da pandemia

Na pandemia do coronavírus, as autoridades não têm escolha além de impor severas restrições à circulação de pessoas e, ao mesmo tempo, conter os danos decorrentes da paralisia econômica. O governo brasileiro ainda tateia na segunda frente de providências.

Ao menos as primeiras medidas começaram a ser anunciadas nos últimos dias, a partir do necessário entendimento de que o momento exige deixar de lado o controle orçamentário para evitar uma tragédia social. Entretanto ainda se nota a falta de um plano mais abrangente, ambicioso e coeso.

Se a ideia de transferir renda diretamente a trabalhadores informais mostra objetivos corretos, por exemplo, carece de foco a decisão de permitir a redução em até 50% de jornadas de trabalho e salários —de modo a, em tese, preservar empregos formais.

O fundamental agora é socorrer os estratos mais vulneráveis da população, o que necessariamente demandará expressivo gasto público, e evitar uma onda de falências, por meio, por exemplo, de alívio tributário e oferta de crédito.

Mudar contratos de trabalho a esta altura ameaça criar um tumulto político contraproducente, mesmo com a intenção anunciada de complementar a renda de parte dos trabalhadores atingidos.

Também se perceberam sinais de alheamento no corte de juros promovido pelo Banco Central na quarta-feira (18). A queda da Selic, de 4,25% para 3,75%, pode ser considerada tímida no atual contexto.

Afinal, o americano Fed e outras autoridades monetárias do mundo já baixaram suas taxas a zero e buscam garantir que os mercados não colapsem por falta de liquidez.

O comunicado em que o BC brasileiro justifica sua decisão soa ainda mais anacrônico, ao manter quase intacto o léxico de documentos anteriores. Repetem-se a preocupação com o andamento das reformas e as tradicionais projeções de inflação, como se a conjuntura política e econômica não tivesse sofrido uma reviravolta.

Não se recomenda, evidentemente, abandonar a prudência, mas reconhecer que o país está diante de risco gravíssimo de recessão —enquanto nem mesmo conseguimos retomar o patamar de Produto Interno Bruto anterior à profunda retração de 2014-16.

Estimativas para o PIB deste 2020 já caem abaixo de zero e, se o restante do mundo for um parâmetro, não se pode descartar a possibilidade de uma queda significativa.

O BC, que dispõe de outros instrumentos além da taxa de juros, pode fazer mais do que apresentou até agora. A política monetária decerto não será capaz de resolver a crise, mas cumpre indicar a disposição de agir com vigor para evitar os piores cenários.

Negócio da China – Editorial | Folha de S. Paulo

Eduardo fomenta tensão diplomática enquanto se necessita de cooperação global

Entre as coisas de que o Brasil menos precisa neste momento de crise e incerteza é um entrevero com nosso maior parceiro comercial. Foi exatamente o que logrou produzir o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ao veicular mensagens responsabilizando a China pela pandemia da Covid-19.

Na quarta (18), o parlamentar, filho do presidente da República e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, endossou a acusação de que a culpa pela disseminação global do novo coronavírus pertence ao Partido Comunista Chinês, comparando o caso ao acidente nuclear de Tchernóbil, ocorrido em 1986.

No dia seguinte, tentou dar nova interpretação a suas palavras, mas o problema já estava criado.

A resposta à fanfarronice foi drástica. Em tom de agressividade inusual na linguagem diplomática, o embaixador do país asiático declarou que as falas do deputado “são um insulto maléfico contra a China e o povo chinês”, que vai ferir a relação amistosa entre os dois países.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, buscou aplacar o mal-estar afirmando que as declarações de um deputado não refletem a opinião do governo. Na contramão desse esforço, e certamente em busca de agradar ao chefe, o chanceler Ernesto Araújo divulgou nota em que pediu a retratação do embaixador chinês.

Publicadas no mesmo dia em que Jair Bolsonaro enfrentou protestos em diversas cidades do país, as mensagens do filho parecem ter o objetivo de excitar a militância bolsonarista das redes sociais, mirando um alvo também da predileção do americano Donald Trump.

Não que inexistam motivos para criticar o comportamento da China desde o surgimento do novo vírus. Parece claro que a ditadura agiu, no mínimo, de forma negligente nas primeiras semanas do surto, minimizando a importância da infecção e calando profissionais de saúde que alertavam para os perigos da doença.

Hoje, contudo, tendo controlado a epidemia, o país adquiriu um papel proeminente no auxílio a outras nações assoladas pela enfermidade —numa atitude em que não faltam pretensões geopolíticas.

Ao se comportar como parlamentar nanico, Eduardo Bolsonaro não só atrapalha uma parceria que proporcionou US$ 65 bilhões em exportações no ano passado como indispõe o Brasil com o governo chinês numa hora em que se necessita de cooperação global.

Funcionalismo tem de dar a sua contribuição – Editorial | O Globo

Se os gastos obrigatórios não forem flexibilizados, dinheiro da saúde irá para folha dos servidores

A pesada carga da cultura de injustiça social que o Brasil carrega emerge e fica visível em momentos em que é preciso decidir sobre a repartição do custo na sociedade de ações duras de correção. No ano passado, a reforma da Previdência contribuiu para expor a existência de dois tipos de brasileiros, classificados pelos regimes de seguridade social: o assalariado do setor privado, cuja aposentadoria obedece ao teto hoje de R$ 6.101, e o servidor público, que sai do serviço ativo ainda jovem e com benefícios superiores a R$ 10 mil ou R$ 20 mil, a depender da esfera administrativa em que esteja. A reforma conseguiu acabar com parte do privilégio, mas apenas para os novos servidores, e nem todos.

Como o mundo, o Brasil sofre os efeitos de um vírus que, além de adoecer e matar, desemprega, extermina salários, joga as economias no chão. A possibilidade de caos social e humanitário é concreta, se governos e sociedade não agirem com rapidez e de maneira incisiva. O pedido do governo ao Congresso de decretação de estado de calamidade, aprovado ontem na Câmara e a ser chancelado hoje no Senado, dá ao Executivo o espaço que precisa para conduzir as correções.

Diante da rápida e maciça perda de receita das empresas, é preciso agir para que elas sobrevivam. Na quarta, foi anunciado que será proposto que os empregadores possam cortar pela metade o salário de seus funcionários, na mesma proporção da redução da jornada de trabalho. O conceito de que é melhor preservar o emprego e parte da remuneração do que ser demitido é indiscutível.

Na manhã de ontem, no programa “Em ponto”, da GloboNews, a economista Zeina Latif fez a pergunta: “por que não se fala em fazer o mesmo no setor público?" A questão é irrefutável. Ora, se as finanças públicas estão dissolvendo, porque a recessão seca os canais que abastecem o Tesouro de impostos, e é preciso dinheiro público para salvar vidas em hospitais, postos de saúde e garantir alguma renda a dezenas de milhões de pessoas que vivem na informalidade, entre outras, os servidores precisam dar sua contribuição. Eles são um dos maiores itens de despesa nos orçamentos públicos, federal, estaduais e municipais.

Se não, pode ocorrer a situação inaceitável de os bilhões que os estados já pedem, com razão, ao governo federal serem usados para pagar ao funcionalismo ativo e aposentado, que constitui despesa obrigatória, desviando os recursos que seriam para o atendimento às vítimas do coronavírus.

Os assalariados do setor privado, que não têm estabilidade no emprego, abrirão mão de parte do salário em troca do emprego. Enquanto os servidores, estáveis, continuarão intocáveis.

A situação de calamidade é só dos infectados e dos milhões dos assalariados da iniciativa privada. É preciso que o Congresso aprove já a PEC Emergencial, para permitir a correção desta injustiça, agora devido a uma séria crise humanitária no Brasil.

Restrições não têm conseguido reduzir passageiros nos transportes – Editorial | O Globo

Momento exige sintonia e bom senso de diferentes governos para que medidas surtam efeito

As bem-intencionadas medidas para restringir a circulação de passageiros nos transportes do Rio em decorrência da epidemia de coronavírus têm se revelado frustrantes, à medida que os ônibus continuam a trafegar lotados, como mostrou ontem o “Bom dia Rio”, da Rede Globo.

Decreto do governador Wilson Witzel publicado na terça-feira determinou a redução de 50% na lotação de ônibus intermunicipais, trens, metrô e barcas. Na capital, o prefeito Marcelo Crivella estabeleceu que os ônibus circulem apenas com passageiros sentados. Quando todos os lugares estiverem ocupados, o motorista não poderá mais parar nos pontos para embarque.

Na prática, porém, a medida se choca com a realidade do transporte no Rio. É sabido que os BRTs, por exemplo, trafegam superlotados. A prefeitura pôs guardas municipais nos terminais para tentar fazer cumprir a norma. Mas de pouco adiantou. Ontem, Crivella disse que motoristas que descumprirem a norma poderão ser presos.

Evidentemente, para que as medidas de restrição surtam efeito, não basta apenas a autoridade publicar decretos. A população precisa colaborar. Se os ônibus agora só podem circular com passageiros sentados, e o número de usuários continua o mesmo, é óbvio que a conta não fecha. Porém, no caso dos BRTs, há que se observar que muitos passageiros usam esse tipo de transporte para ir ao trabalho.

A desarticulação entre os diversos níveis de governo também tem contribuído para que medidas não surtam o efeito desejado. Um exemplo é o decreto do governador que proíbe a chegada ao Rio de ônibus interestaduais vindos de áreas com circulação do vírus. Embora o movimento na Rodoviária Novo Rio tenha caído drasticamente, ainda há ônibus chegando. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) alegou que a competência sobre as linhas interestaduais é dela. Ontem, Witzel ampliou a restrição: nenhum ônibus de fora poderá entrar na capital.

Embora União, estados e municípios tenham competências distintas sobre a regulação dos transportes, o momento exige sintonia e bom senso dos diversos níveis de governo. Desde que a epidemia do novo coronavírus surgiu na China, no fim do ano passado, e se espalhou pelo mundo, governos das mais diferentes tendências têm atuado de forma semelhante, enfatizando o isolamento social para conter o vírus. No Brasil, respeitando as atribuições de cada um, é preciso ter uniformidade. O vírus não conhece limites entre cidades, estados ou fronteiras entre nações. Quanto mais coordenadas as ações de combate à epidemia, mais chances elas têm de dar certo. China, Coreia do Sul, Cingapura têm mostrado que é possível contê-la. Mas com medidas drásticas, e que sejam respeitadas por todos.

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