O Brasil não precisa de milagres, mas sim do empenho do governo
e das lideranças em fazer ajustes e reformas
A
fala do presidente Bolsonaro de que o Brasil está quebrado e de que ele não
consegue fazer nada em termos de alocação de recursos repercutiu muito. Apesar
de reconhecer que a situação econômica e fiscal embute riscos relevantes,
discordo do comentário, pois julgo que há muito a ser feito.
O Brasil avançou em
várias frentes nos últimos 40 anos, tais como: a construção de uma democracia
sólida; um Congresso e um Judiciário independentes e capazes de evitar
equívocos do Executivo; a universalização do atendimento gratuito no sistema
público de saúde - quase três bilhões de atendimentos anuais desde
procedimentos ambulatoriais até cirurgias de alta complexidade; a estabilização
econômica - com inflação baixa e estabilidade monetária; e a modernização do
setor de commodities, com o país tornando-se um dos maiores exportadores de
produtos agropecuários e minerais.
Todavia, não é possível festejar essas conquistas, pois vários países com
estágios de desenvolvimento mais atrasados no fim dos anos 1970 avançaram muito
mais. Cerca de 60% da população brasileira nasceu depois do início da década de
1980 e não viveu os anos de crescimento pujante. O crescimento médio do PIB
desde então foi inferior a 2,5% ao ano, com uma expansão per capita muito
reduzida.
As distorções domésticas são vergonhosas. Enquanto uma parte diminuta da sociedade vive em condições compatíveis às dos países desenvolvidos, a maior parcela vive as agruras do subdesenvolvimento, com elevada deficiência nos sistemas, por exemplo, de educação - quase 50% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm, no máximo, ensino fundamental completo - e de saneamento - 30% dos domicílios não têm rede geral nem fossa séptica.
O destaque negativo
continua sendo a baixa qualidade do ensino, refletindo a pouca relevância
atribuída ao tema por parte da sociedade. A inoperância do Ministério da
Educação (MEC) durante a pandemia comprova a inépcia operacional dos seus dirigentes.
Apesar de não ter responsabilidade direta pela gestão do ensino básico, o MEC
tinha por obrigação propor ações para minimizar os custos da ausência de aulas
presenciais para crianças e jovens e do pouco ou nenhum acesso ao aprendizado
remoto pelos alunos das escolas públicas.
A perda de um ano de aprendizado prejudicará a produtividade da mão de obra nos
próximos muitos anos. O aumento do capital humano será fundamental para o
crescimento do país a partir de agora, pois o bônus demográfico - aumento da
força de trabalho - está praticamente exaurido. Não consigo desenhar um ciclo
de forte expansão dos investimentos no longo prazo, mesmo com um ambiente
favorável de juros baixos, sem que haja um maior foco no ensino básico -
infantil, fundamental e médio.
O atual governo carece
de um planejamento mínimo e de uma capacidade de negociação para construção de
uma estratégia de convencimento da sociedade. Mesmo com um diagnóstico correto,
a área econômica enfrenta grande dificuldade para operacionalização das suas
propostas. Em parte, isso se deve à indefinição do governo sobre suas
prioridades, fora a retrógrada agenda dos costumes e a equivocada demanda pelo
voto impresso. À luz da atuação do Ministério da Saúde, que parece reagir
apenas às repercussões na mídia e ao embate com o governo de São Paulo, o
combate à pandemia não parece ser uma prioridade.
Apesar da relevância
de uma reforma administrativa, a opção do governo e da maioria dos líderes
partidários de não incluir os atuais servidores civis e militares na atual
proposta torna pouco útil sua tramitação para efeito da melhoria das contas
públicas nesta década. Assim, a busca pela aprovação no Congresso de uma
reforma tributária seria uma melhor alternativa.
Os últimos governos
não foram capazes de organizar um debate profundo sobre uma reforma ampla desse
código. Isso facilitou a proliferação de alterações que distorceram ainda mais
o sistema de impostos, visando, por exemplo, a proteção da indústria nacional.
Essas intervenções prejudicam a utilização eficiente dos recursos domésticos
escassos, privando os consumidores do acesso a produtos de melhor qualidade e
mais baratos. Ao tornar o sistema tributário extremamente complexo, o
oferecimento desorganizado de subsídios e abatimentos fiscais nas últimas
décadas gerou um enorme número de pendências jurídicas e de custos fiscais
inacreditáveis, traduzidos pela ampliação dos valores e do número de
precatórios.
Passados mais de dois anos de mandato, o atual governo também não foi capaz de
apresentar uma proposta de reforma tributária completa. O governo encaminhou
para o Congresso apenas uma primeira fase dessa proposta em meados de 2020, com
a garantia de que logo enviaria as demais. Isso ainda não ocorreu. Fora a
cansativa cantilena, não houve nenhum esforço consistente de convencimento dos
parlamentares. Em um cenário em que todos são a favor da reforma, mas contra
revisões que reduzam seus privilégios tributários, essa dinâmica não é
alentadora, como comprovado pela reação de alguns setores contra o recente
anúncio do governo de São Paulo sobre a redução de incentivos fiscais.
Apesar de não estar
quebrado, o país tampouco está uma maravilha. A esperança dos brasileiros é de
que um ou dois governos inertes não alteram as perspectivas de longo prazo de
um país. Não será apenas uma ou duas décadas que mudarão os desígnios do
Brasil. Todavia, 40 anos de expansão do PIB muito inferior à média dos demais
países emergentes deixam muitas marcas, ainda mais quando os próximos anos não
parecem auspiciosos.
O país parece perdido no atual ambiente de picuinhas políticas, de embates entre os representantes dos três poderes, do suposto excessivo foco do presidente nas eleições de 2022 e da falta de uma agenda que seja mais do que discursos cada vez mais vazios. O Brasil não precisa de milagres, mas sim do empenho do governo e das lideranças políticas visando a aprovação no Congresso de um conjunto sólido de ajustes e reformas em 2021 e 2022. Pensando bem, isso seria quase um milagre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário