Falta
de diálogo reforça críticas à extinção do Mdic
Ano
novo, vida nova. Nem sempre para melhor. Os primeiros dias de 2021 já impõem
desafios ao governo, uma administração que vai criando o hábito de terceirizar
responsabilidades e adiar a tomada de decisões que podem evitar o agravamento
da crise.
As
taxas de contaminação e óbitos por covid-19 crescem, lamentavelmente, a uma
velocidade alarmante. Acelerado também é o crescimento da imprevisibilidade
quanto ao início do plano nacional de imunização, assim como do receio de que o
anúncio da Ford seja apenas o prenúncio de um movimento maior daqueles que não
consideram mais o Brasil um bom destino para investir.
Sem
vacinação, estima o Ministério da Saúde, o país precisaria manter medidas de
isolamento social por até dois anos, para só então conseguir interromper a
transmissão da enfermidade sem o colapso do sistema de saúde. Não existe
possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro apoiar ideia como essa, a qual
também não parece atrair a cúpula da pasta.
A postura do ministro Eduardo Pazuello aumenta os argumentos daqueles que apostam que ele deixará a farda para entrar na política e disputar algum cargo eletivo no próximo pleito. Estes dizem ser prudente acompanhar suas movimentações na região Norte.
Silêncio
no Ministério da Economia. A pasta amarrou-se ao desfecho das disputas na
Câmara e no Senado, deixando-se levar pela correnteza do debate sobre os
efeitos danosos na economia da demora da vacinação e sobre a situação dos
milhões de brasileiros que ficarão sem o auxílio emergencial. No Congresso e no
setor privado, há também o sentimento de que falta uma ação coordenada do
governo no sentido de se assegurar a produção dos equipamentos utilizados no
enfrentamento da covid-19 e evitar que mais investidores deixem o país. Se o
Parlamento não estivesse em recesso, até mesmo integrantes da base pediriam a
palavra para discursar contra a passividade do Executivo ao ver a Ford
abandonar o país.
Corre-se
o risco de que a disputa política novamente deixe em segundo plano um debate
essencial para o desenvolvimento do país.
Desta
vez, a discussão sobre os efeitos da crise em relação à indústria nacional e se
há alguma lição a ser tirada durante a pandemia para assegurar a saúde de um
setor estratégico para qualquer país.
O
tema já havia se comprovado relevante quando o Brasil ficou sem respiradores
nas unidades de terapia intensiva de diversos hospitais dos mais variados
Estados. Ganhou novo impulso com os alertas sobre a possibilidade de faltar
agulhas e seringas para a imunização de toda a população contra covid-19 e, ao
mesmo tempo, manter os programas de vacinação voltados ao combate de outras
doenças.
A
notícia envolvendo a Ford acabou dando novamente voz àqueles que dizem sentir
saudade da expressão “política industrial” e gostariam de vê-la voltar a ser
pronunciada no governo. Atualmente, está praticamente banida nos gabinetes da
pasta da Economia.
Isso
não quer dizer que a agenda liberal do ministro Paulo Guedes deva ser deixada
de lado. Ela tem legitimidade. Saiu vencedora das eleições e, embora seja alvo
de críticas até mesmo dentro do governo, está neste momento sendo utilizada por
aqueles que antes a desprezavam para justificar a decisão da Ford. Segundo esse
discurso, a montadora teria ido para a Argentina por que não obteve aqui os
incentivos que outros países estão dispostos a conceder.
Ocorre
que política industrial não se faz só com benefícios fiscais e a pandemia
mostrou que o processo de desindustrialização não está ocorrendo em todos os
lugares do mundo. Há países que, por questões de segurança nacional, mantêm
programas de substituições de importações. Mas, não é disso que o Brasil
precisa.
Uma
das lições que deve ficar deste período é que o país deve possuir determinadas
competências para conseguir acelerar o desenvolvimento de sua capacidade
produtiva em setores que já domina e, ainda, ter como se aventurar em outros
segmentos de forma rápida e eficiente quando for necessário. Isso que se viu,
por exemplo, quando algumas empresas fizeram conversões de seus parques
produtivos e, em vez de fabricarem vestidos de boneca ou peças de lingerie,
passaram a produzir máscaras. Para tanto, é preciso ter equipamento e mão de
obra qualificada.
O
mesmo se viu em relação à manutenção ou produção de respiradores. A
Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) fizeram uma iniciativa conjunta com as montadoras de
automóveis, entre elas a Ford. Isso ocorreu, também, por haver demanda
garantida para esses equipamentos.
Espera-se
que haja, a partir de agora, uma maior coordenação e interlocução entre o
governo e o setor privado para que o Estado use o seu poder de compra, facilite
procedimentos regulatórios e sinalize qual é o tipo de insumo estratégico que
não pretende ver em falta.
O
instrumento de “encomenda tecnológica”, mecanismo moderno e que demanda
compreensão dos órgãos de controle sobre os riscos envolvidos em sua adoção,
está sendo utilizado durante a pandemia e deve ser incentivado em situações
semelhantes. Isso nada ter a ver, necessariamente, com a retomada de políticas
que se demonstraram equivocadas no passado, a proteção de fabricantes nacionais
ineficientes ou a criação de obstáculos à abertura da economia.
O desafio que se impõe é, ao menos, permitir-se debater como o Brasil pode manter uma indústria forte e diversificada, capaz de reagir em momentos como os atuais, assegurando que ela seja também competitiva e com alta produtividade. Se faltar agulhas e seringas, o tema voltará à mesa. Talvez de forma ainda mais forte, o que dará novo impulso àqueles que criticam a decisão de Bolsonaro de ter extinto o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Isso pode ocorrer num momento em que o Executivo analisa a possibilidade de realizar uma reforma ministerial.
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