Propostas
que esvaziam subordinação da segurança aos estados são parte do projeto de
poder de Bolsonaro
O
apoio do presidente Jair Bolsonaro a dois projetos que alteram a organização
das Polícias Militar e Civil, para reduzir o poder que os governadores têm
sobre ambas, não é apenas uma manobra para o presidente ampliar o apoio com que
já conta nas corporações, principalmente na PM. Mais do que isso, representa um
risco institucional seriíssimo de que as polícias possam constituir um poder
paralelo sob a influência de Bolsonaro. É um perigo para o estado democrático
de direito e toda a sociedade.
O
ex-capitão sempre procurou atrair o apoio de PMs e militares de baixa patente,
com a promessa de medidas populistas. Como fez há pouco, em visita à central de
abastecimento de São Paulo (Ceagesp), estatal federal, ao anunciar que
policiais militares, fardados ou não, passariam a ter desconto de 20% dos
comerciantes. Comportou-se como representante sindical desses servidores
públicos armados ao longo dos 28 anos em que integrou o baixo clero da Câmara.
Continua a comportar-se no Planalto.
É
inequívoca a adesão que conquistou nessas categorias. Entre os praças, 41%
acessam e interagem em espaços bolsonaristas na internet, revelou pesquisa do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Decode. Desses, 16% navegam em
ambientes radicalizados. Entre os oficiais, tais números são, respectivamente,
35% e 18%. Como presidente, Bolsonaro parece interessado em obter dos policiais
bem mais do que votos. Os números alertam para a possibilidade de novas
insubordinações, como a que aconteceu ano passado durante a greve da PM no
Ceará.
Bolsonaro se recusou a chamar de “motim” a rebelião cearense. Em 13 dias de paralisação — proibida pela Constituição —, policiais desobedeceram às ordens para voltar ao trabalho. Houve 240 assassinatos no estado. Como agiriam outros policiais diante de governos estaduais com menos poderes?
Várias
das mudanças propostas na Câmara refletem só o corporativismo de costume. É o
caso das que criariam, na PM, postos semelhantes aos da hierarquia militar:
tenente-general; major-general e brigadeiro-general (hoje, a patente mais alta
é coronel). Ou da inevitável melhoria no soldo. Mas a transformação da PM numa
espécie de milícia privada a serviço do bolsonarismo parece ser o objetivo
implícito.
Com
a intenção de reduzir o poder dos governadores, comandantes-gerais e
delegados-gerais passariam a ter mandato de dois anos. Na PM, o governador
escolheria o comandante numa lista tríplice apresentada pela própria
corporação. Na Polícia Civil, o chefe seria um dos que estão no topo da
carreira. A destituição do comandante da PM teria de ser “justificada e por
motivo relevante devidamente comprovado”. Na Polícia Civil, teria de ser
aprovada na assembleia ou câmara distrital.
Bolsonaro
flerta com a rebelião trumpista nos Estados Unidos e diz que algo “pior”
acontecerá aqui se perder em 2022. Projetos que sintonizariam o comando das
polícias com seus desejos não podem ser aprovados. As implicações extrapolam a
segurança pública. Ameaçam a própria democracia.
Saída
da Ford do Brasil resulta da insistência em políticas erradas – Opinião / O
Globo
Protecionismo
e subsídios jamais foram capazes de trazer ao país áreas estratégicas das
montadoras
Não há como considerar boa notícia o fechamento das fábricas da Ford no Brasil, com a extinção de 5 mil dos 6,2 mil empregos gerados aqui. Mas é preciso entender a decisão num contexto maior. Mais que resultado da crise atual ou de erros cometidos pelo governo Jair Bolsonaro, ela deriva da visão equivocada que todo governo brasileiro sempre teve em relação às montadoras, desde pelo menos Juscelino Kubitschek: conceder proteção, agrados e subsídios para que elas construam fábricas aqui.
Só
para a Ford, estima-se que tenham sido concedidos US$ 20 bilhões ao longo dos
anos. A indústria automotiva é de longe a mais protegida do país. Um estudo do
Ipea revela que a tarifa efetiva sobre automóveis era da ordem de 200% até
2010, quando havia mais de 20 montadoras por aqui (depois caiu a “apenas” 90%).
Mesmo assim, o setor já apresentava dificuldades para competir com veículos
importados da China, do Japão ou da Coreia do Sul.
Quando
o governo Dilma criou o programa Inovar-Auto, o objetivo era ampliar a
eficiência com novas tecnologias. O resultado da proteção concedida à produção
local foi o oposto: fábricas operando a 50% da capacidade só para fazer jus a
subsídios — e um enorme custo de oportunidade com capital alocado nelas, em vez
de irrigar negócios mais produtivos.
Depois
de julgado ilegal pela OMC, o Inovar-Auto foi enxugado e deu origem ao Rota
2030, outro festival de subsídio e proteção aprovado a toque de caixa em 2018,
sancionado no governo Temer e em vigor até hoje. O objetivo desses programas,
trazer ao Brasil o desenvolvimento das montadoras, jamais foi alcançado. Tanto
que Mercedes e Ford não hesitam na hora de ir embora.
A
política industrial que favorece a indústria automotiva só é mantida graças ao
lobby poderoso que as montadoras sempre exerceram em Brasília. Os bilhões do
governo destinados a proteger o setor tiram recursos de áreas bem mais
importantes, como educação, saúde, infraestrutura ou saneamento.
O
conforto de saber contar com novos subsídios quando necessário sempre
contribuiu para que as montadoras fossem coniventes com a estrutura de impostos
distorcida, que faz do governo um sócio oculto na produção local — e contribui
para tornar o carro brasileiro um dos mais caros do mundo. A reforma tributária
que beneficiaria o setor como um todo vive sendo adiada.
É
por isso que, na hora do aperto, a Ford escolhe manter suas linhas de produção
em países de estrutura tributária menos perversa, como Uruguai ou Argentina.
Eis o resultado da visão desenvolvimentista que prioriza o “conteúdo nacional”,
a “produção local” e outros seres mitológicos, em detrimento de educação,
conhecimento, tecnologia e produtividade.
Sai a Ford, ficam os caros incentivos – Opinião | O Estado de S. Paulo
Incentivos,
crédito fácil e proteção tarifária proporcionaram tranquilidade às montadoras,
mas com efeitos pouco visíveis em sua competitividade.
Sem grande surpresa, a Ford anunciou a decisão de encerrar a produção de veículos no Brasil, com o fechamento de fábricas em Taubaté (SP), Camaçari (BA) e Horizonte (CE). Políticos lamentaram e sindicalistas protestaram. Houve quem atribuísse a decisão da empresa a falhas do governo e à sua baixa credibilidade. Também houve quem chamasse a atenção para o ambiente de negócios no Brasil, marcado por problemas bem conhecidos, como tributação disfuncional, insegurança jurídica, excessos de burocracia e infraestrutura deficiente. Segundo o presidente Jair Bolsonaro, a empresa queria mesmo subsídios, embora nenhum de seus diretores tenha mencionado essa questão. Pouco se falou, no entanto, sobre o desempenho e sobre as condições de operação da indústria automobilística no Brasil.
Segundo
o Ministério da Economia, o fim da produção da Ford no País é parte da
estratégia global da companhia. Fábricas foram fechadas em outras partes do
mundo, a atividade na América do Sul será reorganizada e a lista de produtos
principais deve mudar. Novas tecnologias, novas normas ambientais, novos tipos
de veículos e novas condições mundiais de concorrência impõem mudanças a toda a
indústria de veículos.
Além
de responder a questões internas, a nova política da Ford provavelmente leva em
conta essas transformações no ambiente empresarial. De toda forma, o
encerramento da produção de caminhões em São Bernardo do Campo (SP), no ano
passado, foi um prenúncio de amplas mudanças. A decisão recém-anunciada
torna-se ainda menos surpreendente quando se considera o desempenho da
companhia, no Brasil, nos últimos anos, com prejuízos acumulados desde 2013.
Em
vez de lamentar o fim de atividades de mais uma empresa, o governo deveria dar
atenção ao desempenho da indústria, nos últimos dez anos, e examinar com
cuidado a atividade do setor automobilístico. Dificilmente se encontrará outro
ramo industrial tão favorecido pelo setor público. Entre 2009 e 2019 as
fábricas de veículos ganharam incentivos fiscais da ordem de R$ 30 bilhões.
Estímulos
foram concedidos, sem interrupção, pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva,
Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Em 15 de março de 2019, quando o
atual governo nem havia completado três meses, o secretário de Produtividade,
Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, assegurou ao Estadão/Broadcast a
continuidade dos subsídios ao setor automotivo no Nordeste.
“Existe
um regime especial, recentemente prorrogado, que viabilizou investimentos não
apenas da Ford, na Bahia, mas também da Fiat-Chrysler, em Pernambuco, por
exemplo. As empresas que utilizam esse regime contam com essas regras para a
manutenção de seus investimentos”, disse o secretário. Poucos dias antes ele e
executivos da Ford haviam conversado sobre o fechamento da fábrica de caminhões
em São Bernardo do Campo. Havia a esperança, aparentemente, de preservação da
unidade na Bahia.
Em
outubro de 2020 o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei de prorrogação de
incentivos fiscais a montadoras e fabricantes de autopeças em áreas menos
industrializadas. Os benefícios foram destinados a investimentos no Nordeste,
no Norte e no Centro-Oeste. A origem da lei foi a Medida Provisória 987, de
junho de 2020.
Incentivos,
crédito fácil e proteção tarifária proporcionaram tranquilidade às montadoras,
mas com efeitos pouco visíveis em sua competitividade. O acordo automotivo
Brasil-Argentina, renovado muitas vezes desde a virada do século, proporcionou
conforto e poucos desafios. Com fácil acesso aos mercados argentino e da
vizinhança, as fábricas instaladas no Brasil pouco se empenharam em competir em
outras áreas. Em 2019, mesmo em crise, o mercado argentino absorveu cerca de um
terço das exportações das montadoras. As vendas para a América Latina
corresponderam a cerca de 85% do valor total. Mas nem a vizinhança é mais um
território seguro, com a chegada dos chineses. Apesar dos incentivos, o setor
continua pouco empenhado em disputar espaços no mercado global.
A necessária resistência de Maia – Opinião | O Estado de S. Paulo
Presidente
da República não pode se esquivar das responsabilidades do cargo.
Finalmente,
depois de 24 meses no cargo, o presidente Jair Bolsonaro começa a encontrar a
devida resistência ao modo como vem governando o País. Ao longo da semana
passada, por exemplo, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ),
fez declarações assertivas sobre o presidente da República.
No
dia 9 de janeiro, Maia escreveu no Twitter: “Bolsonaro é covarde”. O presidente
da Câmara referia-se a uma notícia da revista Veja com o título Bolsonaro culpa Pazuello por perda de popularidade e atraso da
vacina.
Não
cabe dúvida quanto à responsabilidade de Jair Bolsonaro pelo modo como o
Ministério da Saúde vem enfrentando a pandemia de covid-19. Os dois ministros
da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que pretenderam enfrentar o
novo coronavírus de forma minimamente técnica e não aceitaram as ordens
preconceituosas e negativistas do presidente da República foram sumariamente
demitidos.
Para
evitar novos incômodos, Jair Bolsonaro colocou o intendente Eduardo Pazuello na
chefia do Ministério da Saúde. As condições eram claras: obedecer ao chefe, sem
contestar. Além disso, sempre que quisesse, Jair Bolsonaro poderia repreender
ou desmentir o intendente em público.
Em
outubro de 2020, o intendente afirmou que o governo federal negociava com o
Instituto Butantan a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac.
Imediatamente, Bolsonaro mostrou quem mandava. “Tenha certeza, não compraremos
vacina chinesa”, disse. Não é de estranhar que o presidente tenha de ouvir
agora coisas desagradáveis sobre seu comportamento.
Rodrigo
Maia também reagiu à declaração de Bolsonaro de que, sem voto impresso em 2022,
“nós vamos ter problema pior que os EUA”. O presidente referia-se nada mais
nada menos que à invasão do Congresso americano por apoiadores de Donald Trump.
“A
frase do presidente Bolsonaro é um ataque direto e gravíssimo ao TSE e seus
juízes. Os partidos políticos deveriam acionar a Justiça para que o presidente
se explique. Bolsonaro consegue superar os delírios e os devaneios de Trump”,
escreveu o presidente da Câmara no dia 7 de janeiro.
Na
mesma semana, ao comentar uma notícia do jornal Folha de S.Paulo (Brasil deixa de pagar banco do Brics e governo
acusa Congresso), Rodrigo Maia escreveu: “Governo transferindo
responsabilidade. É prática de um governo incompetente. É sempre assim”.
Um
dos alicerces do regime democrático é a responsabilidade de quem exerce o
poder. Por isso, é especialmente perniciosa a desinformação que tenta culpar um
Poder por erros, confusões e omissões que são de autoria de outro Poder. A
população tem direito a saber a verdade dos fatos. Só assim, poderá depois
exercer conscienciosamente seus direitos políticos. A mendacidade é inimiga da
democracia – que também é um regime de responsabilidade.
Diante
de desarranjos populistas e autoritários, é muito bom que haja resistência da
sociedade e dos partidos políticos que a representam. É também alvissareiro
constatar a prontidão do Judiciário para proteger, quando acionado, a
Constituição e o Direito. Mas é especialmente importante que também o
Congresso, por meio de suas lideranças, se manifeste perante assuntos de
tamanha relevância pública.
A
política não pode se ausentar da tarefa de recordar os limites e
responsabilidades do chefe do Executivo. Assim como toda autoridade num Estado
Democrático de Direito, o presidente da República não pode se esquivar das
responsabilidades do cargo, tampouco pode usar sua posição de destaque para
proferir ameaças, explícitas ou veladas.
Houve
quem se escandalizasse com as palavras de Rodrigo Maia. Afinal, os posts do
presidente da Câmara no Twitter escancararam aspectos um tanto complicados do
comportamento do presidente da República. A rigor, no entanto, escandalosa é a
falta de contestação por parte de Jair Bolsonaro. Como já havia ocorrido em
outras situações, o presidente Bolsonaro, que tanto gosta de falar,
simplesmente se calou quando confrontado. Deu a entender que, apesar de suas
dificuldades cognitivas, captou o fundamento das acusações.
Não basta voltar ao normal – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
pós-crise deveria ser mais que a volta à normalidade do baixo dinamismo.
Passado
o grande choque de 2020, o mundo se recompõe, ainda ameaçado por novos surtos
de covid-19, e o Brasil retoma seu lugar entre as economias menos dinâmicas e
com menor potencial de crescimento. Depois de encolher 4,3% em 2020, a produção
global deve crescer 4% neste ano e 3,8% no próximo, segundo as novas
estimativas do Banco Mundial. O País deve avançar 3% em 2021 e 2,5% em 2022,
recuperando-se lentamente do recuo de 4,5% no ano passado. Com ajuda
emergencial, facilidades tributárias e muito incentivo ao crédito, o consumo e
a produção industrial reagiram rapidamente a partir de maio. Mas é preciso
muito mais que essa recuperação em V para levar a economia brasileira a uma
posição melhor no quadro internacional.
A
retomada inicial é a única demonstração de vigor econômico do Brasil, desde o
início da crise, e nenhum resultado notável está previsto para os próximos
anos. Com a forte reação depois do tombo de março-abril, o Brasil fechou 2020
com uma perda econômica bem menor que os 5,2% estimados em junho pelo Banco
Mundial. O balanço geral da América Latina e do Caribe é bem pior, com recuo de
6,9%. Também os dados sanitários são especialmente ruins.
Embora
abrigue menos de 10% da população mundial, a região teve cerca de 20% de todos
os casos confirmados de covid-19 – e, além disso, há suspeita de ampla
subnotificação. Em cerca de um terço dos países latino-americanos e caribenhos
a contração econômica foi igual ou superior a 10%. Mas a região deve crescer
3,7% em 2021 e 2,8% em 2022, segundo o relatório de Perspectivas Econômicas Globais divulgado
no começo da semana pelo Banco Mundial.
É
mais fácil, no entanto, avaliar o desempenho e o potencial brasileiros quando
se examinam os números de 26 países latino-americanos e caribenhos listados no
documento. A contração econômica em 2020 foi maior em 21 desses países do que
no Brasil. Mas 16 dessas economias devem crescer mais que a brasileira em 2021.
No ano seguinte 18 deverão exibir crescimento maior que o do País.
A
comparação fica mais informativa quando se consideram períodos anteriores à
pandemia. Treze desses latino-americanos e caribenhos acumularam avanço maior
que o do Brasil em 2018-2019. O número certamente cresce quando se acrescentam
os anos de 2015 a 2017, por causa da recessão brasileira de 2015-2016. A tabela
só apresenta, no entanto, dados a partir de 2018.
No
Brasil, a recuperação do consumo e do investimento, iniciada em 2020, deve
prolongar-se no começo de 2021 e garantir, segundo o relatório, 3% de
crescimento. Isso dependerá da confiança e da manutenção de condições “benignas
de crédito”. A expansão continuará desigual entre setores, com agricultura e
indústria avançando mais que os serviços, como em 2020. Mas o impulso deve
diminuir ao longo do ano, em parte por causa da retirada dos estímulos fiscais
e monetários, e em 2022 o crescimento ficará em 2,5%.
O
relatório pouco avança no exame das potencialidades e limitações de cada país.
Fica longe das considerações, comuns em documentos do Fundo Monetário
Internacional (FMI), sobre taxa de investimentos, eficiência da infraestrutura,
formação e produtividade da mão de obra, integração internacional e
competitividade. Mas os gráficos e tabelas são expressivos, evidenciando os
contrastes entre a economia brasileira e as condições de produção e de
crescimento de outros países.
Os
3% de expansão previstos para o Brasil em 2021 dependem, claramente, de
condições especiais. Parte do impulso provém da recuperação iniciada em 2020 e,
além disso, a base de comparação é muito baixa. Sem os estímulos, a atividade
perde vigor e o crescimento econômico tende a recuar para 2,5%. Sem mistério:
esse número é parecido com o potencial de crescimento estimado por economistas
do mercado e de instituições multilaterais. A volta ao normal, para o Brasil, é
a volta a uma condição de baixo dinamismo, incontornável sem reformas bem
estudadas, sem investimentos e sem maior esforço de competitividade. Tudo isso
é legível nos números.
A conta da eficácia – Opinião | Folha de S. Paulo
Mesmo
abaixo da expectativa criada, dado da Coronavac aponta boa opção no país
Depois
de números tornados públicos de modo um tanto descuidado pelo governo paulista,
podem parecer decepcionantes os dados divulgados nesta terça-feira (12) que
apontam eficácia
de 50,4% da Coronavac contra a Covid-19.
A
administração João Doria (PSDB) criou confusão desnecessária —e um risco em
potencial para a credibilidade do imunizante— ao mencionar, na
semana passada, duas taxas parciais de eficácia: 78% para casos leves
(pacientes que precisam de atendimento em ambulatório) e 100% para moderados e
graves (com internação).
O
erro começou a ser sanado com uma nova entrevista coletiva, em tom mais técnico
e menos político. Finalmente se conheceu, com fartura de esclarecimentos, a
cifra mais ampla, que leva em conta também os casos muito leves, de infectados
que tiveram sintomas mas não precisaram de médico.
Admitiu-se,
ademais, que os 100% antes citados não têm maior relevância estatística, uma
vez que se referem a episódios raros.
O
que cientistas chamam de eficácia é uma taxa que mede a redução proporcional da
incidência de Covid-19 entre as pessoas que foram vacinadas em pesquisa
clínica, na comparação com o que acontece com indivíduos que receberam um
placebo (grupo de controle).
O
cálculo orienta as metas de vacinação para que se chegue à imunidade coletiva.
Quanto menor a eficácia, mais gente precisa ser atingida para eliminar a
doença.
Com
uma taxa de 50%, o mínimo exigido pela Organização Mundial de Saúde contra o
novo coronavírus, toda a população deve ser vacinada para que se chegue à
chamada imunidade de rebanho.
Pfizer
e Moderna anunciaram com cálculos diferentes eficácia em torno de 95% —o que
significa necessidade de vacinar pouco mais da metade dos habitantes para uma
proteção coletiva total.
No
contexto brasileiro, porém, a primeira é importada e depende do armazenamento a
-70ºC, inexistente na rede de frio do SUS. A segunda nem sequer consta das
negociações do país, reflexo da imprevidência do governo Jair Bolsonaro.
Empregar,
nesse cenário, uma vacina com 50,4% de eficácia —além de produzida no país e
armazenável em geladeiras comuns, como as já disponíveis no aparato vacinal
brasileiro— constitui boa opção para começar o enfrentamento da pandemia. Será
o suficiente para que se reduza de modo expressivo a lotação dos hospitais.
Urge,
portanto, que a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) examine com senso de
responsabilidade os dados apresentados. Se e quando comprovadas a segurança e a
eficácia da Coronavac, o país precisa começar a recuperar o enorme tempo
perdido até aqui.
Ford vai além – Opinião | Folha de S. Paulo
Fim
de fábricas reflete mudanças no setor; ao governo cabe operar pela economia
O
encerramento das atividades de uma grande empresa é necessariamente doloroso.
Milhares de trabalhadores perdem seus empregos, e consumidores, seus produtos.
O impacto se espalha, por vezes de modo terminal, entre fornecedores,
investidores, credores, comércios e regiões adjacentes.
Tratando-se
de uma companhia como a Ford brasileira, o evento ganha dimensões simbólicas e
políticas. Uma das marcas principais da industrialização do país anunciou
na segunda-feira (11) o fechamento de suas fábricas, e governos do presente
e do passado têm sua responsabilidade escrutinada.
A
experiência demonstra, entretanto, que intervenções do Estado destinadas a
prolongar a longevidade de negócios resultam em mazelas ainda mais graves e
duradouras. O setor automobilístico, aliás, também simboliza distorções da
industrialização nacional.
A
decisão da Ford decerto encontra motivos na estratégia particular da empresa,
na situação de seu ramo de atividade, na conjuntura econômica e na condição
estrutural do país —e governos, como norma geral, só deveriam interferir em
favor das duas últimas.
Em
fevereiro de 2019, a montadora já anunciara o fechamento
da fábrica de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Àquela altura
estava claro que transformações profundas se aproximavam.
O
setor como um todo se adapta a novas circunstâncias do mercado global —de
mudanças nos hábitos dos consumidores às pressões por veículos não poluentes,
passando pela ascensão dos aplicativos de transporte individual.
Desde
períodos anteriores, de todo modo, está fadada à exaustão a política brasileira
de subsídios e proteção à indústria, que resulta em produtos caros e custos
para o erário. Hoje vigora o programa Rota 2030, de 2018, que substituiu o
Inovar-Auto, considerado parcialmente ilegal pela Organização Mundial do Comércio
(OMC).
Aqui
e agora, o governo de Jair Bolsonaro não deve fazer nada pela Ford ou outras
empresas em particular. Tem pela frente, isso sim, enormes tarefas, até o
momento negligenciadas, para a recuperação da atividade, a proteção da
população mais vulnerável e a melhora do ambiente de negócios do país.
Vacinação,
ampliação do Bolsa Família, abertura a importações, privatizações, reformas
administrativa e tributária —há muito a fazer para evitar que o Brasil
testemunhe mais desinvestimento.
Projeto de autonomia da polícia demanda debate amplo e público - Opinião | Valor Econômico
Não
se pode criar poder policial paralelo ao poder civil
As
íntegras dos projetos de lei que pretendem dar maior autonomia às polícias
militar e civil ainda não são conhecidas. Nesta semana, tomou-se conhecimento,
por meio do jornal “O Estado de S. Paulo”, de algumas ideias que vêm sendo
discutidas pelo governo federal com as corporações do setor de segurança. O
debate intramuros de um assunto dessa importância e complexidade levanta
desconfiança sobre as reais intenções de seus defensores. Como trata de
segurança pública, a discussão deve ser pública, ampla e aberta.
Pelo
que foi noticiado até agora, os projetos de lei alteram as estruturas das
polícias, dando a elas maior autonomia administrativa e financeira. Determinam,
por exemplo, mandato de dois anos para o comandante-geral da polícia militar e
para o delegado-geral da polícia civil de cada Estado.
No
caso de destituição, o governador teria que justificar o ato e o motivo teria
que ser devidamente comprovado. Mesmo neste caso, a dispensa teria que ser
ratificada pela respectiva Assembleia Legislativa, por maioria absoluta de seus
membros.
O
comandante-geral de cada Polícia Militar seria nomeado pelo governador a partir
de uma lista tríplice apresentada pelos oficiais. Cada delegado-geral seria
escolhido pelo governador entre aqueles de classe mais alta na carreira.
Os
dois projetos não contemplam soluções específicas para os graves problemas de
segurança pública que afligem os brasileiros, como, por exemplo, a eficácia do
policiamento. Como disse o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, Renato Sergio de Lima, as propostas representariam, se aprovadas, a
“blindagem” das corporações. “Esse projeto significa a blindagem definitiva e
irreversível das polícias e a declaração de sua independência”, afirmou Lima
ao Valor.
A
Constituição atual diz que os membros das polícias militar e civil são
militares dos Estados. E acrescenta que as polícias militares e os corpos de
bombeiros militares subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as
polícias penais estaduais e distrital, aos governadores dos Estados e do
Distrito Federal.
No
Estado democrático de direito, todo o Poder emana do povo e em seu nome é
exercido por representantes legitimamente eleitos. A autoridade máxima de um
Estado é o governador, que foi eleito para isso, e ele deve ser o responsável
pela segurança de seus concidadãos. Os projetos em discussão pelas corporações
com o governo federal pretendem restringir o poder e a autoridade dos
governadores, que passariam a não ter o controle sobre as forças de segurança.
Os
projetos são vistos nas polícias como forma de defesa das corporações das
ingerências e perseguições políticas. São preocupações legítimas e que devem
ser analisadas, mas a solução para isso não pode ser a criação de um poder
paralelo dentro dos Estados. O poder policial não pode se sobrepor ao poder
civil; como determina a atual Constituição, a ele se subordina. As polícias
militar e civil são apenas executoras de políticas públicas, definidas pelos
governadores.
Outro
aspecto da proposta que precisa ser considerado diz respeito à questão
financeira. Um órgão que ganha autonomia quer, acima de tudo, definir o seu
próprio Orçamento. Não existe autonomia efetiva sem independência financeira.
Ao ganhar autonomia, as corporações policiais vão querer também definir suas
estruturas de carreiras e suas remunerações, como já ocorre com outros órgãos
públicos, que criam grande dificuldades para as gestões das contas públicas
estaduais e federal. É bom lembrar que outras corporações de servidores também
defendem a autonomia da Polícia Federal e da Receita Federal.
Alguns
analistas acreditam que as propostas em discussão no Legislativo estariam em
sintonia ideológica com o governo Jair Bolsonaro, que sempre procurou atender
às reivindicações das corporações militares. Desde a campanha eleitoral de
2018, Bolsonaro adota um discurso de valorização das forças de segurança e de
maior endurecimento das ações policiais.
Quaisquer que sejam as motivações ideológicas das propostas de autonomia das polícias militar e civil, há limites que não podem ser ultrapassados. Não se pode criar poder policial paralelo ao poder civil e a autoridade máxima, em cada Estado, é a do governador, eleito pelo povo. Qualquer proposta que não respeite esses preceitos constitucionais não merece ser apreciada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário