Com
força predatória, surge o preconceito ligado ao pensar diferente, que enraivece
Inicialmente
deve ser dada uma explicação acerca do título. Não se trata de divergência ou
diversidade social, de raça ou de sexo. Ela se refere às diferenças de opinião
e de manifestação como corolários da liberdade de pensamento, que é a essência
da democracia e a base de uma sociedade livre e pacífica.
Em
relação ao conteúdo do texto também é necessário um esclarecimento. As opiniões
divergentes precisam ser justificadas. Assim, ao menos se saberá tratar-se de
um ato de racionalidade, ainda que não aceitas as razões. Os divergentes devem
manter respeito recíproco, sem fanatismo, com tolerância e mente aberta,
prontos para, eventualmente, mudar suas posições.
Vários
fatores certamente concorreram para a formação daqueles que integram os
segmentos que cultuam os valores da democracia e da liberdade, no Brasil de
hoje. Foram forjados num ambiente de livre pensar, opinar, contestar e
contrapor as suas opiniões com as que lhes são contrárias.
Nesse
sentido, ao lado da liberdade de se expressar, cada qual deve reconhecer o
mesmo direito para seu semelhante, e mais, defender esse direito como se seu
fosse, mesmo divergindo do pensamento alheio. Trata-se do absoluto respeito
pelo pensar de outrem. “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a
morte o direito de dizeres.”
Pois
bem, esse antigo e sábio brocardo está sendo afrontado sem nenhum disfarce ou
constrangimento. A intolerância é a resposta àqueles que ousam discordar.
Assistimos
às constantes agressões aos postulados civilizatórios construídos durante
séculos, os quais se pensava que estariam hoje absorvidos pelo (in)consciente
social e impregnados na cultura universal.
Ledo
engano. As duas guerras mundiais no século passado; as cruentas disputas
religiosas do Oriente Médio e de outros sítios do universo; a existência de
grupos de extermínio; as organizações criminosas; as perseguições
discriminatórias de raça, cor, religião e sexo; tudo isso reflete um quadro de
ódio, fruto do desamor que pouco a pouco se vai alastrando aqui e fora.
Dentro desse panorama que contrasta com as expectativas de um mundo harmonioso e pacífico, sobressalta, como fenômeno mundial, um endêmico sectarismo. Esse fenômeno encontra as suas raízes não necessariamente em conturbações sociais ou na luta pelo poder. A sua origem está relacionada à liberdade de pensamento, de raciocínio e de expressão.
Ao
lado das mazelas já mencionadas, surge com força predatória em nosso horizonte
o preconceito ligado ao pensar diferente, que provoca imediato enraivecimento.
Não concordar com algo dito basta para que o dizente passe a ser considerado
adversário ou desafeto. Não alguém que tome posição diversamente, mas um
inimigo. Nesses embates não há protagonistas de um diálogo, mas sim de um
monólogo raivoso e irracional.
Nele
não são reconhecidas qualidades pessoais nem direitos. A não coincidência de
opinião é suficiente para não se reconhecer no outro um sujeito de direitos.
Negam-se a ele as mais comezinhas pretensões ligadas à realização de seus
objetivos ou à satisfação de seus anseios.
No
Brasil atual, o discurso oficial está contaminando vários setores de nossa
vida. As falas são sempre em sentido contrário à racionalidade, ao bom senso, à
opinião universal sobre temas específicos, como o meio ambiente, e, mais
recentemente, à pandemia e à vacina. Em relação a ambas, o pouco-caso, a
omissão e o desinteresse por soluções chocam até as mentes mais desviantes e
anormais.
Seria
desnecessário citar outros exemplos de ilogismo, brutalidade, desumanidade,
desprezo pela vida e consequente indiferença em face da morte. Mas deve-se
insistir: desrespeito às instituições, à imprensa livre, às relações
internacionais, ao exercício do direito de defesa, à diversidade religiosa, ao
ensino livre, à ciência, aos direitos humanos.
Para
ser coerente com este texto, afirmo que eu até reconheceria o direito de
pessoas apoiarem tais sandices caso eu conhecesse com clareza os motivos e as
razões que justificam esse apoio. Eu duvido, no entanto, que um único apoiador
das falas oficiais aponte um único argumento racional que alicerce os
palavrórios acima mencionados e outros não expostos por falta de espaço.
Falo
ainda de outras manifestações orais, pois quanto às realizações concretas não
há como apoiar, uma vez que elas simplesmente inexistem. Ações práticas,
políticas públicas positivas, execução de ideias e planejamentos palpáveis de
qualquer natureza e área não são sequer mencionadas no plano da retórica.
Por
enquanto, não se vislumbra sequer uma pequena abertura de espírito e de mente
que possibilite um diálogo desprovido de paixão, que paire num nível racional,
tendo como foco os elevados interesses do País e de seu povo.
Desejo,
com todo o ardor do meu querer, que de alguma forma os hoje defensores do
status quo se conscientizem de que sua obstinação não atende às aspirações
nacionais. É preciso lembrar que nunca é tarde para a prevalência da razão e do
amor.
*Advogado criminalista
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