O
Brasil parece renunciar ao amor por seu povo. Não há melhores a imitar
Aos
trancos e barrancos, em violentas erupções eles governam. Se o país está
quebrado, é hora de comprá-lo. Barão de Rothschild vaticina: a riqueza troca de
dono quando há sangue nas ruas. Os mercados lucram com a miséria humana,
explica o New York Times, porque
as bolsas estão bombando na pandemia.
Como
o presidente libera sentimentos que ninguém quer ver e em geral destrói todos
os que cometeram o erro de nele acreditar, há alguma coisa no ar que não fecha.
Declarar a insolvência do Brasil sabendo da manipulação da descrença que a isso
se segue permite supor que alguém já lhe deve mais do que ele jamais poderia
dever.
Brasil
e EUA vivem a moléstia do vitorioso mal-agradecido que debilita a glória de
presidir o país pela mortificação pessoal de ocupar cargo acima de seu nível.
Porque esse negócio de dizer que não pode fazer nada quer dizer que não pode
fazer tudo em regime legal. Alusão ao mundo subterrâneo, motor da palhaçada
ultrajante no Capitólio querendo produzir torpor na democracia.
A
democracia não tem a velocidade maldosa do impune. Não detém sua esterilidade
petulante, nem suaviza a dureza da pedra ou incute valores morais em atitudes
destrutivas. Basta uma declaração para resumir a aversão ao diálogo, como
campeão de lutas caducas.
Dois países, um mole, outro desarranjado, assistem ao êxtase de líder errado, num concurso de paixão sem razão e capacidade de frear. Impeachment é por crime de responsabilidade. De irresponsabilidade é interdição, desqualificação por circunstância. Como a sorte lançou votos em seu caminho, drenar o pântano é aposentar quem não entende as dificuldades da vida normal e fazer regredir a preferência pelo conservadorismo político desinformado e pelo liberalismo tosco.
O
poder não se comove. Quando diz decência pode significar indecência. A confusão
se amplia. O excesso de estimulação que recebe o governante produz um vazio
extremo no governado que confunde poderoso como alguém de ego forte. Negativo.
Forte é a circunstância do ambiente facilitador em que vive. A má autoridade não
injuria ou zomba de ninguém. A agressão vem do lugar que ocupa.
Há
uma inversão na ordem. Dois países gigantes perdem a fé na sua força por não
saberem lidar com problemas pessoais de presidentes e o ambiente de fúria e
inveja que propagam. Muitas autoridades trazem de casa seus costumes e ampliam
a confusão entre o público e o privado.
O
Brasil vive uma desnecessidade de poder. Como se os anéis justapostos do
arbítrio, da criminalidade e do delito produzissem uma atividade motora que vai
do indivíduo à autoridade, do crime ao tribunal, sem distinção ou limite. Quem
julga o juiz em nossa pátria? Quem detém do governante o delito? Quem protege a
paz do cidadão? As instituições começam a não desempenhar papel relevante na
vida pública, com mãos soltas para executar o que for.
Erra
também o Banco Central se deixa sua independência ser entendida como garçonnière de bolsa e suas
fantasias. Alienação baseada em comodismo acadêmico supersticioso: considerar o
mercado amante volúvel, sem emprego e produtividade. E supor economicamente
irracional pensar também em metas de confiança, pleno emprego, crescimento
econômico e estabilidade da moeda. Sozinha e paparicada, a moeda especulativa,
dogma do iliberal brasileiro, é uma desmaterialização produtiva, que permite
que valorização no mercado de ações seja desvinculada da economia real. A
economia financeira do risco e som de canhão acha que a paz dá prejuízo.
Assim
começa janeiro. A terceira pré-estreia desse filme de quatro anos. E a bagunça
geral vai produzindo um País sem testemunha que não sabe que a sucessão no
Congresso é a principal decisão econômica de 2021. Ou continuaremos a assistir
a bolsa rica e bolso pobre; especulação subir, produção sumir; o empresário
investir, o imposto comer; o jovem crescer, o emprego desaparecer. Agravado
pelo erro de querer desvincular empresa e escola nas políticas para jovens
vulneráveis. Trabalho sem estudo é gasolina na evasão escolar, ponte inútil
para o futuro.
O
Brasil parece renunciar ao amor pelo seu povo. Não há melhores a imitar. Desde
1926, de Araraquara Mário de Andrade alertava: “Se três brasileiros estão
juntos estão falando porcaria... Pode ser que os outros sejam mais nobres. Mais
calmos certamente que não. Mas não tenho medo de ser mais trágico... O presente
é uma neblina vasta. Hesitar é sinal de fraqueza, eu sei. Mas comigo não se
trata de hesitação. Trata-se de uma verdadeira impossibilidade, a pior de
todas, a de nem saber o nome das incógnitas”. Enfim, estão aí o ano novo e o
mesmo presidente sem horizonte.
Não é a primeira vez que o Brasil vive o amor devorante do narcisista que parece deixar-se amar para levar do outro os esforços em proveito de si mesmo. Diante do deboche e da audácia releiam Macunaíma. Para pular cedo da canoa, dar uma chegada até a foz do Rio Negro, buscar a consciência ali deixada e ajudar a tirar do buraco o ano novo.
*Sociólogo.
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