Nova
mudança na equipe de Guedes desperta ceticismo
O Globo
No
início do governo, Paulo Guedes assumiu como uma espécie de superministro,
concentrando sob seu comando o que antes eram quatro ministérios. Sua meta era
um programa econômico de matriz liberal, que reduzisse o peso do Estado sobre a
economia, com destaque para as reformas da Previdência, tributária e
administrativa, além do programa estratégico de privatizações.
Desde
o início, Guedes se fez notar por declarações de impacto e promessas tão
ambiciosas quanto irrealizáveis. Aos poucos, seu ministério foi sofrendo as
consequências previsíveis da pressão política e da resistência às reformas
predominante há décadas em Brasília. O plano anunciado mal saiu da prancheta.
Apenas a reforma previdenciária, já encaminhada na gestão Temer, foi aprovada,
com a desidratação previsível para atender a bases eleitorais do presidente
Jair Bolsonaro — em particular, militares e policiais.
A tributária foi levada ao Congresso numa versão mais fraca que duas PECs que já tramitavam no Senado e na Câmara. A administrativa ainda continua no campo das boas intenções. O programa de privatizações, apesar do sucesso em leilões recentes, ainda anda a passos trôpegos. Os recursos emergenciais exigidos pela pandemia contribuíram para deixar em segundo plano qualquer projeto cujo objetivo fosse a austeridade e a saúde fiscal.
Como
resultado, secretários estratégicos do ministério começaram a sair, a começar
pelo do Tesouro, Mansueto Almeida, egresso ainda do governo Temer. No ano
passado, deixaram o governo os encarregados das privatizações (Salim Mattar) e
do programa de desburocratização (Paulo Uebel). A crise em torno da negociação
do Orçamento resultou em mais mudanças esta semana. Os destaques foram a
demissão do secretário Waldery Rodrigues — sempre firme na defesa de um
Orçamento exequível, pagou um preço — e a saída da secretária Vanessa Canado,
uma das maiores tributaristas do país, assessora especial para a reforma. Dos
oito secretários da equipe original de Guedes, apenas um permanece.
Caíram
também os presidentes de BNDES, Petrobras e Banco do Brasil, substituídos por
nomes mais dóceis ao Planalto. É verdade que a nova equipe de Guedes ainda
mantém um perfil técnico de competência reconhecida. Dentro do governo, porém,
vêm de todos os lados pressões para desmembramento do ministério e recriação de
pastas que, no passado, sempre foram usadas para atender a interesses políticos
particulares, sem muito apreço pelo custo coletivo.
A
nova configuração de sua equipe dá a Guedes uma última chance de entregar ao
Brasil o que sempre prometeu. A realidade tem infelizmente dado a cada dia mais
motivos para ceticismo. É até possível relevar o lado pitoresco de Guedes,
aquele que diz que a China criou o coronavírus e vendeu ao Brasil uma vacina
pior que as americanas, para depois sair desdizendo o que disse na tentativa de
consertar o estrago. Palavras, afinal, são apenas palavras.
Atos
são mais relevantes. Numa situação fiscal crítica, com pressão cambial e
inflacionária, demanda social crescente e crise aguda como resultado da
pandemia, mais do que nunca o momento é de ação concreta, sobretudo de
capacidade política para pôr em marcha um programa ambicioso de reformas, de
que o Brasil precisa para resgatar a confiança. Nesse ponto, é inegável que
Guedes continua devendo
Estado
precisa manter leilão da Cedae marcado para amanhã
O
Globo
A
decisão do presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, que na terça-feira
derrubou liminar da Justiça do Trabalho impedindo o leilão da Cedae, marcado
para amanhã, pode não ter sido o último round na batalha que se arrasta há mais
de três anos. A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), que trabalha
incansavelmente para boicotar a concessão, pretende votar hoje projeto de
autoria do presidente da Casa, André Ceciliano (PT), que suspende o certame até
que seja assinada a renovação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com a
União.
Até
agora, todas as tentativas de sustar o leilão, seja pela Alerj, ou pelas
poderosas corporações encasteladas na Cedae, acabaram frustradas. Desde
setembro de 2017, quando o Rio, mergulhado num caos econômico e social, assinou
com a União a adesão ao RRF, não há margem para discussão fora das regras do
jogo. Na época, a Cedae foi dada como garantia de um empréstimo de RS 2,9
bilhões, usado para pagar salários de servidores sem receber havia meses.
Sempre se soube que, se não houver leilão, a Cedae passará ao controle da
União. É o que foi pactuado.
Mas
coerência não é ativo abundante no claudicante universo político fluminense, em
que quatro governadores ou ex já foram encarcerados, um quinto foi afastado sob
suspeita de corrupção, e a Alerj, volta e meia, recebe a visita da Polícia
Federal. O RRF, que permitiu ao Rio parar de pagar a dívida com a União, deu um
alívio nas contas públicas. Porém os compromissos assumidos não têm sido
honrados pelo estado.
Na
batalha mais recente, sindicatos de trabalhadores da Cedae conseguiram, no TRT,
suspender o leilão, alegando que levaria à demissão de 80% dos quadros da
Cedae. Fux derrubou a liminar e restabeleceu a segurança jurídica. A última
esperança dos deputados é barrar o certame com a votação relâmpago na Alerj.
Nada indica que essa nova tentativa vá prosperar.
Pelo
menos, o governador Cláudio Castro, que no ano passado afirmara não saber se a
concessão seria bom negócio para o Rio, mudou de ideia e não tem medido
esforços para manter o leilão nos termos do edital proposto pelo BNDES. Aliado
de Bolsonaro, Castro sabe que a privatização, além de agradar ao governo
federal, abre caminho para a renovação do RFF num modelo mais favorável ao Rio.
Ao mesmo tempo, se indispõe com a Alerj, principal trincheira contra a venda da
Cedae.
O
lamentável é que a nova iniciativa da Alerj, em nome de interesses pouco
republicanos, cria insegurança jurídica. O leilão da Cedae precisa ser levado
adiante. Não só por exigência do RRF. Mas principalmente porque a população
necessita de serviço decente, compatível com o segundo estado mais rico da
Federação. Para onde quer que se olhe, os indicadores são vergonhosos.
A concessão da Cedae é oportunidade para universalizar o fornecimento de água e melhorar a coleta e o tratamento de esgoto no estado. Certamente será um marco no saneamento do Rio. Não se pode admitir que a população viva o dilema ridículo entre não ter água na torneira, ou tê-la com o cheiro e sabor peculiares da geosmina.
Renda
sem omissão
-
Folha de S. Paulo
STF
aponta imperativo de programa social, mas debate deve se dar no Congresso
Pouca gente se lembrava, até o Supremo Tribunal Federal deliberar sobre o tema, de que o Brasil tem instituído na legislação um programa que garante a todos os seus residentes, independentemente da condição socioeconômica, uma mesma renda básica.
A
lei 10.835, de janeiro de 2004, é exemplo dos mais eloquentes de como boas
intenções e medidas ambiciosas, até bombásticas, podem chegar ao papel sem
produzir nenhum efeito prático.
Aprovado
sem maior controvérsia pelo Congresso nos primórdios do governo Luiz Inácio
Lula da Silva, o texto servia como uma espécie de prêmio de consolação para a
militância de esquerda e, em particular, para o então senador Eduardo Suplicy
(SP), o mais notório defensor da proposta no país.
Na
época, a administração petista estava mais preocupada com reformas e ajustes
orçamentários, enquanto lançava um programa social bem mais realista —o Bolsa
Família, com foco apenas nos estratos mais carentes da população.
A
ideia de que o bem-sucedido Bolsa Família pudesse ser gradualmente ampliado até
se converter em uma renda universal de cidadania caiu no esquecimento.
Nunca
houve entendimento técnico e político para levar adiante uma empreitada cujos
custos, a depender do formato adotado, podem atingir algo entre 5% e 10% do
Produto Interno Bruto (a conta do Bolsa Família ronda 0,5% do PIB).
Passados
17 anos desde a sanção da lei, eis que o STF concluiu, na segunda (26), que o
Executivo se omitiu na regulamentação do benefício —no que tem toda a razão.
A
corte determinou que o programa seja implantado gradualmente a partir de 2022.
Prevaleceu, porém, a tese de que seu alcance não deve ser universal, mas
limitado a famílias com renda per capita até R$ 178 mensais. Nesse ponto,
apesar da louvável preocupação orçamentária, os magistrados se aventuraram a
legislar sobre o tema.
O
debate, que é dos mais pertinentes, deve se dar no Congresso Nacional. Lá já
tramitam propostas para o aperfeiçoamento e eventual ampliação das ações de
seguridade. O projeto da Lei de Responsabilidade Social, por exemplo, constitui
um bom ponto de partida.
Sob
Jair Bolsonaro, o Executivo não tem sido capaz de apresentar nada relevante
nessa matéria —o auxílio emergencial na pandemia foi movimento parlamentar.
Para
que novas iniciativas não venham a cair no vazio, sua formulação precisa estar
associada à discussão do Orçamento. Do contrário, serão inócuas ou, pior,
gerarão crises que agravarão a pobreza.
Censo no tribunal
Folha de S. Paulo
Governo
e Congresso devem reparar com urgência enorme erro de parar levantamento
A
etimologia da palavra “estatística” se confunde com a noção de estado, status:
ciência que busca retratar com números a presente situação. A partir do século
19, consagrou-se a ideia de que todo país é ingovernável sem ela —uma noção que
o governo Jair Bolsonaro não parece compreender.
O
Censo demográfico se realiza a cada dez anos, ou deveria realizar-se. Em 2020
adiou-se a pesquisa, e com razão, em meio ao fragor da pandemia. Seria feito
neste ano, mas Congresso e Presidência se uniram para ceifar de R$ 2 bilhões
para R$ 50 milhões a verba do levantamento, inviabilizando-o.
Os
prejuízos são, literalmente, imensuráveis. A maior parte das políticas públicas
perde foco quando não se conhecem características das populações-alvo. Por
exemplo, transferências da União para estados e municípios se fazem com base em
projeções que, sem o Censo, se afastam da realidade.
Estudos
amostrais como a Pnad dependem de parâmetros fornecidos pelo Censo. Até
pesquisas de opinião e de mercado, vitais para o setor privado, necessitam do
recenseamento para não cair nos desvãos de tendências indetectadas.
O
talho no orçamento do IBGE ameaça até a realização do levantamento em 2022. O
recurso restante é insuficiente para os trabalhos de preparação e treinamento
imprescindíveis para que recenseadores visitem com segurança 72 milhões de
domicílios.
Entende-se
que o desastroso enfrentamento da Covid-19 pelo governo federal e a fragilidade
fiscal do Estado brasileiro impõem obstáculos consideráveis para o censo. O
atraso, portanto, precisa ser minimizado desde já.
Em
condições normais de temperatura e pressão, o governo deveria estar fazendo
todo o possível para reunir recursos capazes de garantir o recenseamento dentro
do menor prazo possível. Entre a ignorância do Planalto e a inoperância da área
econômica, entretanto, nenhuma providência se nota.
Chega-se
ao cúmulo, agora, de ver o tema chegar aos tribunais —mais especificamente ao
Supremo Tribunal Federal, cujo plenário examinará liminar
concedida nesta quarta-feira (28) pelo ministro Marco Aurélio Mello
determinando a realização do Censo 2021.
Infelizmente
não basta uma canetada do Judiciário para viabilizar a pesquisa em tempo hábil.
Além de conseguir dinheiro, há uma série de medidas a serem tomadas, a começar
por um concurso para recenseadores. De todo modo, é bom que Executivo e
Legislativo estejam obrigados a reparar o enorme erro que cometeram juntos.
Economia da obediência
- O Estado de S. Paulo
O fracasso do Ministério
da Economia, sem rumo, sem projetos e sem peso político, foi comprovado, mais
uma vez, pela rendição do ministro Paulo Guedes a pressões do Congresso, de
outras áreas do Executivo e também do presidente da República. Ao substituir
alguns de seus principais auxiliares, como o secretário especial da Fazenda, o
ministro cuidou apenas de uma reles acomodação política. Ele nem tentou
disfarçar. “O que está acontecendo”, explicou, “é remanejamento da equipe
justamente para facilitar negociações com o Congresso.” Negociações para quê?
Para garantir a execução de uma ambiciosa política econômica? Até poderia ser,
mas nada parecido com essa política foi apresentado em quase dois anos e meio
de escassa atividade governamental.
A nova rendição é mais um
desdobramento da enorme confusão sobre o Orçamento de 2021. Aprovado só em
março, o projeto orçamentário, muito ruim desde a origem, ainda foi destroçado
no Congresso para atender aos interesses paroquiais de parlamentares. Emendas
foram infladas, gastos obrigatórios foram subestimados e a sanção presidencial
foi decidida, enfim, no meio das negociações entre Poderes e de graves
divergências dentro do Executivo.
Já desgastado em outros
episódios, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, atraiu novas
críticas. Com isso, ficou mais exposto à destituição, enfim anunciada,
juntamente com outras mudanças, na terça-feira. Considerado um fiscalista
rigoroso, ele chegou a propor, no ano passado, o congelamento de aposentadorias
ligadas ao salário mínimo. O presidente reagiu, ameaçou demissões e o ministro
aceitou a pressão, embora houvesse admitido, inicialmente, a proposta impopular
formulada pelo secretário.
A desarticulação da área
econômica, no entanto, é muito mais importante que o conteúdo das polêmicas. O
Ministério da Economia negociou mal, e de forma confusa, a forma final do
Orçamento. O ministro falhou na escalação do pessoal autorizado a se manifestar
e na definição dos temas e objetivos da negociação. Os parlamentares
conseguiram, afinal, manter boa parte das emendas infladas. Ficou para o
Executivo a missão de completar os ajustes. Cortaram-se verbas destinadas ao
censo demográfico, já atrasado, ao programa habitacional e a outras ações de
importância econômica e social, em áreas como educação, serviços de saúde e
pesquisa médica.
Houve pouca discussão
sobre os efeitos desse ajuste, mas o Sindicato da Indústria da Construção Civil
do Estado de São Paulo apontou possíveis consequências. Os cortes, segundo o
sindicato, poderão impedir ou dificultar a produção de cerca de 215 mil
unidades habitacionais em todo o País, com perda de “mais de 400 mil empregos
diretos e indiretos”.
Especialistas podem
debater os detalhes, mas o investimento em habitação é conhecido como importante
fonte de empregos e de estímulos a vários setores da indústria – nos segmentos
de aço, plásticos, cimento, vidros, guindastes, tratores, tintas e móveis,
entre outros. Pode-se perguntar se o governo leva em conta informações como
essas ao tomar decisões sobre política orçamentária. A resposta é provavelmente
negativa, a julgar pela escassa atenção destinada, habitualmente, às condições
de funcionamento da economia, isto é, ao dia a dia da produção e dos negócios.
Essa pouca atenção foi
demonstrada na decisão de reduzir o auxílio emergencial a partir de setembro e
extingui-lo na virada do ano. O aumento da miséria foi uma das consequências.
Depois, aparentemente surpreendido, o governo teve de negociar com o Congresso
ações para restabelecer a ajuda. Não houve sequer, em 2020, o planejamento
necessário para o enfrentamento continuado da crise. Sem plano e sem
prioridades para a economia real, o governo se aproxima de um período eleitoral
muito perigoso para as finanças públicas, com o Tesouro sujeito às pressões do
presidente e de seus aliados dentro e fora do Congresso. Se nada surpreendente
ocorrer, a função do Ministério da Economia será tentar a conciliação dessas
pressões.
A recessão global da democracia
0 Estado de S. Paulo
O “ano dos protestos” de 2019 foi substituído pelo “ano do lockdown” de 2020. A pandemia favoreceu as arbitrariedades autocráticas, acentuando o declínio da democracia global da última década. O mundo ainda é mais democrático do que era nos anos 70 e 80, mas o nível de democracia desfrutado pelo cidadão global médio retrocedeu aos padrões de 1990. Essas são as principais conclusões do Democracy Report do instituto Varieties of Democracy (V-Dem), sugestivamente intitulado A autocracia viraliza.
O relatório mensura
anualmente cinco grandes princípios democráticos: o eleitoral, o liberal, o
participativo, o deliberativo e o igualitário. Com base nisso, identifica
avanços, retrocessos e transições de quatro tipos de regime: a democracia
liberal; a democracia eleitoral (que apresenta deficiências em alguns
componentes da democracia, como as liberdades civis e o Estado de Direito); a
autocracia eleitoral (que preserva algumas instituições democráticas de jure,
mas é uma autocracia de facto); e a autocracia fechada.
A autocracia eleitoral é o
regime mais comum do mundo. Junto com as autocracias fechadas, são 87 países
que abrigam 68% da população mundial. As democracias liberais, segundo a
metodologia do estudo, diminuíram na última década de 41 países para 32 –
apenas 14% da população.
Há raios de esperança.
Entre os 10 países que mais avançaram, quatro tornaram-se democracias nos
últimos 10 anos. Mas os países em processo de democratização são pequenos e na
última década caíram pela metade: hoje são 16, abrigando apenas 4% da população
global.
Por sua vez, a “terceira
onda” da autocratização (após a primeira, no entreguerras, e a segunda, no pico
da guerra fria) se acelera, engolfando hoje 25 países – 34% da população
mundial (2,6 bilhões de pessoas). Muitas nações do G-20, como os EUA, integram
essa corrente, e Brasil, Índia e Turquia estão entre as 10 que mais declinaram.
Pelos critérios do V-Dem,
o mundo perdeu em 2020 a sua maior democracia: a Índia, com 1,37 bilhão de
cidadãos, passou a ser classificada como uma autocracia eleitoral. O processo
liderado pelas hostes nacionalistas hindus seguiu um padrão de autocratização
para o qual o instituto alerta. “As liberdades da mídia e da academia e a
sociedade civil são tipicamente reprimidas. Paralelamente, os governos no poder
frequentemente estimulam a polarização através de campanhas oficiais de
desinformação disseminadas via mídias sociais e do crescente desrespeito aos
contra-argumentos de oponentes políticos. Só então as instituições formais,
como a qualidade das eleições, são minadas em um passo posterior rumo à
autocracia.”
Qualquer semelhança com o
Brasil não é mera coincidência. Entre os “Top-10” países autocratizantes da
última década, o Brasil está em 4.º, atrás apenas de Polônia, Hungria e Turquia.
No segundo ano de mandato de Jair Bolsonaro, o País regrediu em todos os cinco
princípios mensurados pelo V-Dem. No “componente deliberativo”, o Brasil ocupa
a 136.ª posição e no “igualitário”, a 140.ª.
Tal como no Brasil, as
ameaças à liberdade de expressão e de imprensa recrudescem no mundo. Elas
respondem por 8 entre 10 indicadores em declínio no maior número de países na
última década. Em 2020, elas declinaram substancialmente em 32 países, em
contraposição a 19 países há três anos. Desde 2010, a repressão à sociedade
civil também cresceu expressivamente em 50 países. As mobilizações de massa,
após atingirem um pico histórico em 2019, declinaram em 2020 para o seu nível
mais baixo em uma década.
Apesar de tudo, muitos
ativistas encontraram maneiras alternativas de promover a causa democrática. O
V-Dem estima que o impacto direto da pandemia sobre a democracia foi limitado,
“mas o custo final pode ser muito maior a menos que as restrições sejam
eliminadas imediatamente após o término da pandemia”. Se as forças liberais não
redobrarem a vigilância, a pandemia pode acrescentar à degradação cíclica e
crônica da democracia global deformações agudas e duradouras que tomarão
décadas para serem sanadas – se forem.
-O Estado de S. Paulo
O senador Flávio Bolsonaro
saiu ao pai. Tal como costuma fazer o presidente Jair Bolsonaro, o parlamentar
ofendeu a inteligência alheia ao discursar na abertura da CPI da Pandemia. Na
ocasião, o senador, com vergonhosa caradura – outro traço paterno –, queixou-se
do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por ter autorizado a instalação da
CPI. Disse que o senador Pacheco estava sendo “irresponsável” porque estava
“assumindo a possibilidade de, durante os trabalhos desta CPI, acontecerem
mortes de senadores, mortes de assessores, mortes de funcionários desta Casa,
em função da covid”, já que “as sessões vão ter que ser presenciais, no momento
em que nem todos estão vacinados”. E arrematou: “Por que não esperar todo mundo
se vacinar e fazer com responsabilidade esses trabalhos? Por que essa insistência
agora, atropelando protocolos, ignorando a questão sanitária? Alguém, em algum
momento, vai ser responsabilizado se algo acontecer. Vamos orar para que não
aconteça”.
É um acinte. Desde o
início da pandemia, os Bolsonaros, com o presidente Jair na vanguarda, fazem
campanha sistemática contra os “protocolos” mencionados pelo senador Flávio. O
presidente estimula aglomerações, desdenha da vacinação e jamais demonstra preocupação
com os doentes nem respeito pelos mortos. Por fim, é Bolsonaro, e não o
presidente do Senado, quem defende o fim das medidas de restrição adotadas
pelos governadores e prefeitos no momento em que nem mesmo o chamado “grupo de
risco” da população está vacinado.
“Alguém, em algum momento,
vai ser responsabilizado se algo acontecer”, disse Flávio Bolsonaro,
referindo-se a eventuais mortes no Senado em razão do trabalho presencial. Mas
“algo” já aconteceu: são quase 400 mil mortes desde o início da pandemia,
muitas delas perfeitamente evitáveis, e é justamente para encontrar os
responsáveis por esse crime monstruoso que a CPI foi instalada.
O comportamento do senador
Flávio Bolsonaro não surpreende. É o padrão da infâmia no governo Bolsonaro – a
tal ponto que, numa inconfidência gravada, o ministro da Casa Civil, Luiz
Eduardo Ramos, de 64 anos, revelou ter tomado a vacina “escondido”, porque “a
orientação era para não criar caso”.
Não se sabe bem a que
“orientação” o ministro se referiu, mas, ao dizer que teve que tomar a vacina
“escondido”, deixou claro que alguns ministros do governo Bolsonaro não ficam à
vontade para se imunizar, pois esse gesto contrariaria a campanha do presidente
contra a ciência e contra a vacinação.
“Mas tomei mesmo, não
tenho vergonha, não”, continuou o ministro Ramos, que estava numa reunião do
Conselho de Saúde Suplementar. “Eu, como qualquer ser humano, quero viver. E se
a ciência, a medicina, fala que é a vacina (...), quem sou eu para me
contrapor?” E ainda acrescentou que está tentando convencer Bolsonaro a se
vacinar, pois o presidente estaria correndo risco de vida. Ou seja, um ministro
de Bolsonaro candidamente confirma que, no governo, quem decide alinhar-se à
ciência e preservar a vida deve fazê-lo discretamente, para não embaraçar o
negacionista militante ocupante da silha presidencial.
Na mesma reunião estava o
ministro da Economia, Paulo Guedes, que também teve sua oportunidade para
confirmar o assustador padrão do governo. “O Estado quebrou”, disse o ministro
Guedes, acrescentando que “todo mundo vai procurar o serviço público” de saúde,
pois “todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130”, e “não há capacidade instalada
no setor público para isso”. Ou seja, para o ministro que se diz liberal o
problema da saúde pública é que os brasileiros desejam viver mais.
A solução para esse
problema, segundo o ministro Guedes, seria instituir um “voucher” para que o
paciente procure tratamento no sistema privado de saúde. “Você é pobre? Você
está doente? Está aqui seu voucher. Vai no Einstein se você quiser”, explicou o
ministro, numa escancarada defesa do desmonte do Sistema Único de Saúde –
estrutura sem a qual o desastre da pandemia seria muitas vezes maior.
Como se vê, nesse
campeonato de desfaçatez, há quem esteja suando a camisa para ser ainda mais
imoral que os Bolsonaros. É difícil, mas eles seguem tentando.
O
aquecimento global pode custar caro aos bancos
Valor
Econômico
O
BC tem mais propostas para ampliar o combate para deter o aquecimento
Os
bancos terão de ficar cada vez mais atentos ao que se passa com o clima e, de
todos os motivos possíveis para isso, há um muito convincente: podem perder
bastante dinheiro com o aquecimento global. Ele cria desafios para todos os
negócios, muda a percepção de risco de todos os agentes e torna complexa a
precificação de algo que até hoje foi pouco, ou mal, avaliado. Em um cenário
climático deteriorado, a própria estabilidade financeira está em jogo.
Não
é apenas a regulação bancária que está se adaptando aos novos e mais difíceis
tempos. O Banco Central colocou recentemente em consulta pública normas para
que os bancos incorporem fatores sociais, ambientais e climáticos em suas
políticas de gerenciamento de riscos. Já concluiu outra consulta pública sobre
critérios socioambientais para o crédito rural. Ambas jogam no mesmo sentido,
de desestimular o financiamento de negócios que contribuam para aumentar as
emissões de gases estufa, destruam florestas, poluam rios e degradem o ambiente.
As
mudanças de curto prazo no clima “não tiveram impactos relevantes sobre
depósitos ou crédito no Brasil”, concluiu o Banco Central em seu Relatório de
Estabilidade Financeira do primeiro trimestre, com base em estudo inédito (de
Juliano Assunção, da PUC-Rio, Flávia Chein, Universidade Federal de Juiz de
Fora, Giovanni Frisari, do BID e Sérgio Koyama, do BC), que avaliou os efeitos
em nível municipal, no período entre 2004 e 2017, de fenômenos climáticos
adversos. Isto ocorre porque os bancos se adaptaram à evolução de secas e
inundações, que estão mudando significativamente, da mesma forma com que se
adaptam a uma situação econômica arriscada - reduzindo o crédito para controlar
a inadimplência. A menor liquidez diminui as atividades e, com elas, os volumes
de depósitos.
A
estratégia visa fugir de perdas potenciais que não são pequenas. O estudo
estima o que ocorreria nesse período se os bancos não se adaptassem - algo
possível no caso de secas, nem tanto no caso de inundações. A inadimplência
diante das estiagens subiria a 8%, com uma queda de 61,9% nas carteiras ativas
das instituições, acompanhadas por retração de 34,5% nos depósitos a vista e
78,5% nos a prazo. Ao agir com enorme precaução (adaptação), o resultado foi de
aumento de 13,1% na carteira ativa e uma queda de 2,4% na inadimplência. Os
cortes de crédito preventivos foram menos intensos nos bancos estatais do que
nos privados. Com isso, as instituições oficiais sofrem impacto maior pela
inadimplência decorrente das secas.
Mas
o que ocorreria se as mudanças climáticas seguissem o curso previsto pelo IPCC?
Foram criados modelos para estimar o impacto de longo prazo de chuvas e das
temperaturas sobre os resultados financeiros com os cenários propostos pela
instituição da ONU. O saldo da carteira ativa dos bancos despencaria no mínimo
22%, na média, 31% e no máximo, 48%. O crédito poderia se reduzir em cerca de
20%. A taxa de inadimplência aumentaria 12%, e no máximo 18%.
Apenas
como base de comparação (não feita no estudo), esse cenário é muito mais danoso
para as instituições financeiras que, por exemplo, os cenários de estresse a
que o Banco Central as submeteu, que considerava duas situações. A volta
inesperada de uma recessão em 2021, com a mesma (forte) intensidade da de 2015,
e deterioração fiscal da magnitude de 2015-2016, com idêntica retração
econômica. Os ativos problemáticos, nessa situação, somariam 10,1% da carteira
total de crédito, superando o pico de 8,1% de março de 2017.
Diante
do aquecimento global, é importante não só agir para evitar os piores cenários,
mas também medir os riscos em alta. A falha em precificá-los pode afetar
“substancialmente” as instituições financeiras, logo a economia como um todo,
adverte o Banco Central. “Elas podem ter perdas, por exemplo, se financiarem indústrias
que deixam de ser competitivas numa economia de baixo carbono, ou se tiverem
como garantia um imóvel em área sujeita a intempéries relacionadas à mudança
climática”, disse Kathleen Krause, do Departamento de Regulação Prudencial e
Cambial do BC (Valor,
26 de abril).
O BC, acertadamente, tem mais propostas para fortalecer as defesas contra riscos ao mesmo tempo que ampliar o combate para deter o aquecimento. Está prevista uma terceira consulta pública que incorpora recomendações internacionais para que os bancos ampliem o detalhamento da sustentabilidade dos projetos que financiam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário