quinta-feira, 29 de abril de 2021

Fabio Graner - Risco de inflação no curto prazo é desafio para CBS

- Valor Econômico

Equipe econômica acha arriscado incluir inicialmente na proposta de reforma tributos estaduais e municipais

Uma reforma tributária que envolva somente transformar o PIS/Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) tem riscos de causar desequilíbrios no curto prazo, entre eles uma subida da inflação, e dificultar a necessária retomada da economia. O alerta foi feito pelo economista e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Bernard Appy, um dos mentores da PEC 45, que promove uma ampla reforma na tributação de consumo no Brasil, não só na esfera federal.

“A CBS não tem regra de transição e, portanto, tem um impacto sobre preços relativos que ocorre todo de uma vez. Essa mudança pode gerar reações muito negativas, inclusive com impacto inflacionário”, disse ao Valor. “No longo prazo, quem tem redução de tributo, por pressão concorrencial, acaba sendo obrigado a passar para preço. No curto prazo, não necessariamente. E quem tem aumento de tributo tende a repassar para preço. Não porque o desenho da CBS seja errado, mas por não ter transição, os impactos no curto prazo podem não ser positivos”, acrescentou.

Apesar de Appy ser um dos autores técnicos e defensor da PEC 45, é bom se atentar para seu alerta, ainda mais em uma economia já fragilizada. Em especial no contexto em que a reforma volta a ser discutida no Congresso e no qual o governo pressiona para que seja dada prioridade à CBS.

Especialista no assunto, Appy reconhece que o desenho do tributo federal para substituir o PIS e a Cofins teria efeitos positivos de longo prazo no crescimento econômico. Avalia, porém, que esse benefício futuro é bem menor com a CBS sozinha do que com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que inclui também tributos estaduais e municipais e que poderia resolver os diversos problemas do ICMS, ISS e PIS/Cofins.

“O ICMS é o maior problema tributário que nós temos. O PIS/Cofins é o segundo maior”, salientou, destacando que a aprovação de uma ampla reforma pode levar o mercado a antecipar seus efeitos positivos, via redução dos juros, acelerando a retomada do crescimento. Ele diz ainda que a reforma ampla é deflacionária no longo prazo e, como tem transição, não deve trazer problemas de curto prazo.

Appy nega haver riscos de aumento de carga tributária com a PEC 45, hipótese que tem sido levantada nos bastidores da equipe econômica. Segundo ele, o texto é claro em garantir que haverá equilíbrio em relação ao nível atual de carga e o fato de haver uma fase de dois anos de testes com alíquota baixa e oito anos de transição viabilizariam essa promessa, o que, diz, não ocorreria no caso da CBS.

No último fim de semana, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou o retorno do tema. Em seguida cobrou a apresentação de um relatório por parte do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que tem a nada trivial missão de construir um texto de consenso para as PECs 45 e 110 e o projeto que cria a CBS.

O movimento de Lira surpreendeu muita gente. Há diversas interpretações sobre sua real intenção, se seria agradar o mercado financeiro, de quem tem estado muito próximo, ou para tentar dividir a atenção da CPI da Pandemia, relatada por seu inimigo político em Alagoas, o senador Renan Calheiros (MDB). A CPI tem deixado desesperado o governo Bolsonaro, ao qual Lira se aliou. Seja qual for a motivação, o fato é que o tema voltou ao radar

Dias depois de anunciar a volta das discussões, Lira deu sinal de que apoiaria uma reforma fatiada, o que agradou a Economia. O time de Paulo Guedes considera arriscado um movimento que inclua já os impostos estaduais e municipais.

Uma fonte do governo defendeu ao Valor a estratégia gradualista. Lembrando que o Brasil já deixou muitas vezes o bom em busca do ótimo, o interlocutor avalia que é melhor avançar onde haveria consenso. Essa fonte confirma que há chance de o governo aceitar mais de uma alíquota para fazer avançar a CBS. Não seria o ideal do ponto de vista teórico, diz, mas, se servir para reduzir impactos setoriais, viabilizando um acordo para aprovação do projeto de lei, valeria a pena.

O interlocutor reconhece que, para a economia brasileira, seria melhor uma reforma ampla, que corrigisse todos os problemas, mas aponta para a dificuldade de consenso em torno do IVA Nacional (IBS) e os riscos de se ficar sem nada. “A nossa solução pelo menos marca um início de mudança e trará crescimento econômico. Fazer o PIS/Cofins não é pouca coisa, tanto que ninguém fez isso antes”, disse.

O diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali, que tem ajudado o setor de serviços nessas discussões, defende que a CBS tenha várias alíquotas para evitar um grande impacto em preços relativos e o risco de se alimentar a inflação. A mesma lógica, explica, se aplicaria ao IBS.

Segundo ele, “alíquotas variáveis neutras resolveriam mais de 90 % dos problemas, pois acabariam com a complexidade e litígios sobre os insumos”. “Seria desastroso, especialmente para o emprego, aumentar impostos sobre os serviços ao consumidor, como habitação, mensalidades, passagens, exames médicos.”

O cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André César, se mostra cético com o cenário para o andamento da reforma tributária. “Lira conseguiu retomar o debate, jogar luz no tema, mas não creio que a reforma vai ocorrer agora. Foi movimento para chamar atenção e colocar as pessoas para conversar. Quando ele fala em fatiar, mostra isso”, disse.

Ele lembra que Lira está em uma fase de “morde-assopra” com o governo e que ele pode estar fazendo movimento para ganhar poder junto ao governo. O analista considera que há complicadores para a reforma, como o fato haver três propostas na mesa, dificultando o trabalho de Aguinaldo Ribeiro para ter um texto de consenso. Além disso, destaca, o foco da sociedade está direcionado para a pandemia.

Até o momento Ribeiro não sinalizou se vai atender o prazo de Lira e o que vai entregar em termos de proposta. De fato, o país demanda para logo uma melhora em seu sistema. Não só na tributação de consumo. Mexer na terrível regressividade tributária, avançando na cobrança de Imposto de Renda e dividendos (fontes indicam que isso pode entrar em eventual relatório de Ribeiro), também é fundamental. Por etapas ou de uma só vez, a torcida é para que haja reforma de verdade e que a discussão não seja só mais uma tática diversionista dos políticos.

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