Equipe
econômica acha arriscado incluir inicialmente na proposta de reforma tributos
estaduais e municipais
Uma
reforma tributária que envolva somente transformar o PIS/Cofins na Contribuição
sobre Bens e Serviços (CBS) tem riscos de causar desequilíbrios no curto prazo,
entre eles uma subida da inflação, e dificultar a necessária retomada da
economia. O alerta foi feito pelo economista e diretor do Centro de Cidadania
Fiscal (CCiF), Bernard Appy, um dos mentores da PEC 45, que promove uma ampla
reforma na tributação de consumo no Brasil, não só na esfera federal.
“A CBS não tem regra de transição e, portanto, tem um impacto sobre preços relativos que ocorre todo de uma vez. Essa mudança pode gerar reações muito negativas, inclusive com impacto inflacionário”, disse ao Valor. “No longo prazo, quem tem redução de tributo, por pressão concorrencial, acaba sendo obrigado a passar para preço. No curto prazo, não necessariamente. E quem tem aumento de tributo tende a repassar para preço. Não porque o desenho da CBS seja errado, mas por não ter transição, os impactos no curto prazo podem não ser positivos”, acrescentou.
Apesar
de Appy ser um dos autores técnicos e defensor da PEC 45, é bom se atentar para
seu alerta, ainda mais em uma economia já fragilizada. Em especial no contexto
em que a reforma volta a ser discutida no Congresso e no qual o governo
pressiona para que seja dada prioridade à CBS.
Especialista
no assunto, Appy reconhece que o desenho do tributo federal para substituir o
PIS e a Cofins teria efeitos positivos de longo prazo no crescimento econômico.
Avalia, porém, que esse benefício futuro é bem menor com a CBS sozinha do que
com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que inclui também
tributos estaduais e municipais e que poderia resolver os diversos problemas do
ICMS, ISS e PIS/Cofins.
“O
ICMS é o maior problema tributário que nós temos. O PIS/Cofins é o segundo
maior”, salientou, destacando que a aprovação de uma ampla reforma pode levar o
mercado a antecipar seus efeitos positivos, via redução dos juros, acelerando a
retomada do crescimento. Ele diz ainda que a reforma ampla é deflacionária no
longo prazo e, como tem transição, não deve trazer problemas de curto prazo.
Appy
nega haver riscos de aumento de carga tributária com a PEC 45, hipótese que tem
sido levantada nos bastidores da equipe econômica. Segundo ele, o texto é claro
em garantir que haverá equilíbrio em relação ao nível atual de carga e o fato
de haver uma fase de dois anos de testes com alíquota baixa e oito anos de
transição viabilizariam essa promessa, o que, diz, não ocorreria no caso da
CBS.
No
último fim de semana, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou o
retorno do tema. Em seguida cobrou a apresentação de um relatório por parte do
deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que tem a nada trivial missão de construir
um texto de consenso para as PECs 45 e 110 e o projeto que cria a CBS.
O
movimento de Lira surpreendeu muita gente. Há diversas interpretações sobre sua
real intenção, se seria agradar o mercado financeiro, de quem tem estado muito
próximo, ou para tentar dividir a atenção da CPI da Pandemia, relatada por seu
inimigo político em Alagoas, o senador Renan Calheiros (MDB). A CPI tem deixado
desesperado o governo Bolsonaro, ao qual Lira se aliou. Seja qual for a
motivação, o fato é que o tema voltou ao radar
Dias
depois de anunciar a volta das discussões, Lira deu sinal de que apoiaria uma
reforma fatiada, o que agradou a Economia. O time de Paulo Guedes considera
arriscado um movimento que inclua já os impostos estaduais e municipais.
Uma
fonte do governo defendeu ao Valor a
estratégia gradualista. Lembrando que o Brasil já deixou muitas vezes o bom em
busca do ótimo, o interlocutor avalia que é melhor avançar onde haveria
consenso. Essa fonte confirma que há chance de o governo aceitar mais de uma
alíquota para fazer avançar a CBS. Não seria o ideal do ponto de vista teórico,
diz, mas, se servir para reduzir impactos setoriais, viabilizando um acordo
para aprovação do projeto de lei, valeria a pena.
O
interlocutor reconhece que, para a economia brasileira, seria melhor uma
reforma ampla, que corrigisse todos os problemas, mas aponta para a dificuldade
de consenso em torno do IVA Nacional (IBS) e os riscos de se ficar sem nada. “A
nossa solução pelo menos marca um início de mudança e trará crescimento
econômico. Fazer o PIS/Cofins não é pouca coisa, tanto que ninguém fez isso
antes”, disse.
O
diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali, que tem ajudado o
setor de serviços nessas discussões, defende que a CBS tenha várias alíquotas
para evitar um grande impacto em preços relativos e o risco de se alimentar a
inflação. A mesma lógica, explica, se aplicaria ao IBS.
Segundo
ele, “alíquotas variáveis neutras resolveriam mais de 90 % dos problemas, pois
acabariam com a complexidade e litígios sobre os insumos”. “Seria desastroso,
especialmente para o emprego, aumentar impostos sobre os serviços ao
consumidor, como habitação, mensalidades, passagens, exames médicos.”
O
cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André César, se
mostra cético com o cenário para o andamento da reforma tributária. “Lira
conseguiu retomar o debate, jogar luz no tema, mas não creio que a reforma vai
ocorrer agora. Foi movimento para chamar atenção e colocar as pessoas para
conversar. Quando ele fala em fatiar, mostra isso”, disse.
Ele
lembra que Lira está em uma fase de “morde-assopra” com o governo e que ele
pode estar fazendo movimento para ganhar poder junto ao governo. O analista
considera que há complicadores para a reforma, como o fato haver três propostas
na mesa, dificultando o trabalho de Aguinaldo Ribeiro para ter um texto de
consenso. Além disso, destaca, o foco da sociedade está direcionado para a
pandemia.
Até o momento Ribeiro não sinalizou se vai atender o prazo de Lira e o que vai entregar em termos de proposta. De fato, o país demanda para logo uma melhora em seu sistema. Não só na tributação de consumo. Mexer na terrível regressividade tributária, avançando na cobrança de Imposto de Renda e dividendos (fontes indicam que isso pode entrar em eventual relatório de Ribeiro), também é fundamental. Por etapas ou de uma só vez, a torcida é para que haja reforma de verdade e que a discussão não seja só mais uma tática diversionista dos políticos.
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