Impedido
de pôr abaixo o edifício democrático, o morador da 'casa de vidro' vem
destruindo capacidades estatais
O
presidente foi derrotado em seu intento de reduzir a democracia a mera fachada
do autoritarismo plebiscitário. O Congresso e o STF, os poderes subnacionais, a
imprensa e a sociedade organizada travaram suas investidas. As Forças Armadas,
que ele supunha suas, não lhe deram o apoio esperado.
Impedido
de pôr abaixo o edifício democrático, o morador da "casa
de vidro" vem paulatinamente destruindo capacidades estatais —a
habilidade de mobilizar os conhecimentos acumulados nas burocracias públicas e
as estruturas administrativas--, necessárias ao funcionamento cotidiano de
qualquer governo.
No excelente livro "O Quinto Risco", que descreve o início da gestão Trump, o jornalista e escritor americano Michael Lewis observa que a ignorância e a negligência caracterizaram o trato da máquina governamental pelo ídolo do nosso ex-capitão. Essa conduta, aponta Lewis, propicia a ascensão aos escalões superiores de três tipos de seres: os que querem defender interesses privados, próprios ou daqueles a quem servem; os que desejam apequenar o Estado; e os muitos que são pura e simplesmente incompetentes.
Basta
uma rápida passada de olhos pelos mais altos postos da administração federal,
cujo chefe abstraído não se interessa em conduzir, para identificar os mesmos
tipos, com frequência acumulando mais de uma das características apontadas por
Lewis.
Estão
aí os Salles, Araújos, Weintraubs, Pazuellos, Vélezes, Ribeiros, Frias,
Guedes... Logo abaixo, os que mandam para o Amapá o oxigênio destinado ao
Amazonas; os que erram nas transferências do Fundeb ou na correção das provas
do Enem; quem assume a direção das políticas de pós-graduação sem saber o que é
um currículo acadêmico; aqueles incapazes de distinguir uma partida de madeira
ilegal de uma adequadamente certificada; aqueles que se acumpliciam com a
invasão de áreas indígenas por garimpeiros ou os que não conseguem fazer um
cadastro adequado de beneficiários de programas emergenciais.
A
entronização da incompetência, somada à má-fé nos cargos de chefia de agências
públicas, é apenas uma das formas de destruição de capacidades estatais. Outra
é deixar à mingua de recursos as agências que produzem informação da maior
relevância —como o IBGE—
ou as responsáveis pelo cumprimento da legislação vigente —como o Ibama, o
ICMBio, a Funai. Os malfeitos se completam com a revogação, por decreto ou
portaria, de extenso rol de regulamentos infralegais que dão conteúdo e
orientação à ação cotidiana da máquina pública.
Uma
devastação de cujos efeitos o país não terá como escapar.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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