Bolsonaro cedeu a outras forças políticas o terreno que era seu
Jair Bolsonaro está ganhando fácil a corrida para saber qual ocupante do Palácio do Planalto conseguiu perder mais rápido o capital político conquistado numa eleição direta e plebiscitária. É curioso observar como ele mesmo “trabalhou” para criar um vácuo político imediatamente ocupado.
De
fato, nunca o Executivo brasileiro foi tão controlado, contido ou encurralado
pelo Judiciário e Legislativo. Têm razão os generais de pijama que cochicham a
Bolsonaro que STF e Congresso extrapolaram suas competências. Mas não se trata,
como pretendem Bolsonaro e seus seguidores (em diminuição acentuada) de uma
“conspiração”.
A principal responsável é a atuação do próprio Bolsonaro e sua extraordinária incompetência política. No momento em que enfrentar a crise da pandemia e suas consequências para a economia demandaria uma altíssima capacidade de liderança, coordenação e foco estratégico, o “centro” do poder está ocupado por uma curiosa aliança tácita, volátil e fluida de juízes e parlamentares.
Bolsonaro
tinha uma grande pauta de mudanças e reformas logo que assumiu que hoje se
resume em permanecer onde está. Cedeu instrumentos de poder real e efetivo
(como o controle do Orçamento) e foi obrigado a respeitar limites de atuação
política (estipulados pelo STF) pela mesma razão: não ter visão, capacidade de
condução e muito menos entender o que é a política, embora tivesse passado 27
anos no fundo da Câmara dos Deputados.
Ele
sabe muito bem, por outro lado, que o jogo dos donos do poder em Brasília
obedece aos fatores de longa memória, a saber: compadrio, patrimonialismo,
corporativismo, teias de laços pessoais e oligárquicos, acomodação de
interesses à custa dos cofres públicos, clientelismo. Nessa rede que se revelou
indevassável (que o diga a Lava Jato) Bolsonaro está manietado, pessoal e
politicamente.
Sua
mais recente “cartada” é jogar o jogo dos donos do poder no Judiciário, por
meio das nomeações que terá de fazer para tribunais superiores e na
Procuradoria-geral da República. É ocupar por dentro instâncias decisivas de
poder político, como tem sido o Judiciário brasileiro (e o MPF). O caminho é o
mesmo que movimentos como o chavismo percorreram, por exemplo, até desfigurar o
que existia de democracia (a base disso é a lealdade ao chefe e não à lei ou
instituições).
No
caso do Brasil o perigo dessa “marcha por dentro das instituições” é muito
menor. O chamado “sistema” continua intacto. E, ao contrário de outros “ismos”
da nossa história política (varguismo, ou lulismo), o bolsonarismo é um
conjunto de propostas e ideias sem definição clara, rumo definido, coordenação
eficaz e com escasso domínio dos instrumentos clássicos de poder ou coerção.
Bolsonarismo é mais um estado de espírito do que qualquer outra coisa.
Talvez
a única “base social” nítida do bolsonarismo seja a ligação de seus expoentes
políticos com as denominações políticas e religiosas evangélicas – mas, aqui,
cabe lembrar aos seguidores do “mito” (um atributo que está resvalando para o
ridículo) que o conjunto de forças evangélicas é fracionado, dividido entre si
e alguns de seus principais nomes apoiaram todos os governos anteriores e
provavelmente o farão no futuro. Não acham que devam “lealdade” ao presente
chefe.
Por
último, esse “estado de espírito” bolsonarista – o da polarização, defesa da
ignorância, intolerância e boçalidade política geral – está construindo
depressa no grande e movediço terreno das atitudes das pessoas um movimento
contrário caracterizado por indignação, cansaço, tristeza e falta de esperanças
nesse “mito” e, por enquanto, em qualquer outro candidato (o que inclui Lula).
Mas esse candidato surgirá: a demanda foi criada por Bolsonaro, assim como ele mesmo atendeu a uma clara demanda. Segue convencido de ter sido beneficiado por um milagre (sobreviveu à facada) e que só Deus pode tirá-lo de onde o colocou. Ignora-se se as forças diversas do chamado Centrão, às quais Bolsonaro entregou seu futuro político, o fazem por acreditar em desígnios divinos. O fato é que, no momento, acham mais conveniente deixá-lo por lá.
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