quinta-feira, 29 de abril de 2021

Adriana Fernandes - Regras e dribles

- O Estado de S. Paulo

A pandemia da covid-19 e a crise do Orçamento disparada pela cobiça por mais emendas parlamentares estão mostrando a necessidade de reconstrução do arcabouço fiscal e orçamentário do País após o fim da crise sanitária.

O Brasil tem regras demais, políticas públicas eficientes de menos e tentativas intermináveis de dribles. O resultado tem sido a perda de credibilidade e a costura com remendos dos buracos com mais regras complexas e discussões sem fim de interpretação das que já existem.

O fato é que a pandemia mostrou que as regras não funcionaram bem. Nem para garantir o direcionamento rápido e necessário de recursos para mitigar o impacto da crise sanitária ou para assegurar que esse dinheiro não fosse utilizado para fins que não o enfrentamento da doença.

Pelo contrário, o que assistimos é a renovação tardia dos programas (com agravantes na vida das pessoas e empresas que mais precisam do socorro) e a busca desenfreada para a construção de manobras cada vez mais sofisticadas para se passar ao largo da legislação acionando os botões da gastança.

Gastando não com o que é prioridade na pandemia, mas pulverizando em demandas paroquiais e eleitoreiras o pouco que sobra após o pagamento das despesas obrigatórias. De um lado, o time da "responsabilidade fiscal” retardando o socorro com medo de uma explosão de gastos. De outro lado, o outro time maquinando as manobras.

Difícil saber o alcance desse retrocesso, mas fácil observar que do jeito que está não dá para continuar. A necessidade de rever essa governança está na ordem do dia. As mudanças podem não vir em 2022, ano eleitoral e quando se espera mais folga orçamentária, mas definitivamente serão acionadas em 2023, primeiro ano do governo do próximo presidente.

Mesmo que complexo, será com certeza assunto das eleições presidenciais porque a pandemia chamou a atenção da população para as prioridades de gastos não essenciais que o governo e o Congresso estão apostando. E também para as suas consequências. A resposta tem sido o crescimento da indignação. Se os políticos agora ignoram e dão de ombro para as críticas, terão problemas nas eleições. Até lá, fica evidente a necessidade de aprofundar a discussão. É preciso sair, porém, do debate polarizado de “com ou sem teto de gastos”, cheio de armadilhas ideológicas que vêm impedido a discussão de saídas objetivas do impasse.

Em webinar sobre a “responsabilidade fiscal em tempos de pandemia”, organizado essa semana pelo Tribunal de Contas da União e a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, constatou-se que em algum momento será preciso rever o arcabouço de regras fiscais, o controle excessivos de alguns pontos e a inexistência de controle sobre outros.

São duas instituições importantes nesse campo. Uma que “late” chamando atenção para os problemas e outra que “morde” quando identifica os erros e as falhas. Estarão daqui em diante em parceria num convênio que será assinado, antecipou Felipe Salto, diretor executivo da IFI.

A realidade é que o risco fiscal de hoje tem refletido a descoordenação da política fiscal, até mais do que o tamanho do déficit. Não dá para manter regras “para inglês ver” ou como disseram os participantes do debate “para brasileiro ver”, já que a maior parte da dívida pública do País está nas mãos de investidores locais.

“Vamos cair na real. Enquanto nossas instituições não assumirem a posição firme de respeitar a restrição orçamentária e verem que não dá para satisfazer interesse do deputado A ou C para ele votar ou trancar na gaveta a pauta, não estaremos dando nenhum passo”, disse Affonso Celso Pastore.

É que o temos visto agora com a desconstrução da regra do teto de gastos, sem que necessariamente ele tenha sido alterado. Com a LRF foi a mesma coisa. Com duas décadas de existência, ela não impediu que renúncias tenham nascido e prosperado sem as compensações exigidas. E para corrigir os desvios foi se criando mais normas e regrinhas, muitas delas incluídas na Constituição como vimos agora na aprovação da PEC emergencial.

Uma “lipoaspiração” na Constituição é o que defendeu José Roberto Afonso, um dos pais da LRF. Ele insistiu na definição de um limite para a dívida pública.

Após a pandemia, mais do nunca, o Brasil vai precisar olhar para a qualidade dos gastos nas suas políticas e revisar os seus programas com esse olhar. Por enquanto, as demandas têm sido a de mais e mais gastos.

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