Dentro
e fora da CPI é o pós-Bolsonaro que está em jogo
O
sincericídio do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na instalação da CPI
da pandemia mostrou que o potencial de uma investigação do gênero é dado pela
quantidade de erros que alvos cometem a partir da iminência de seu
funcionamento. Primeiro foi o ex-secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten,
que partiu para o ataque contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, na
tentativa de se blindar da investigação sobre a intermediação entre indústrias
farmacêuticas e o governo.
Depois
veio o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, que, ao revelar ter tomado
vacina escondido do presidente, como mostraram Thaísa Oliveira e Cézar Feitosa
(CBN), poderá ser convocado para explicar porque o governo, publicamente,
empurra a população ao matadouro enquanto seus ministros, privadamente, se
acautelam contra o vírus.
Ao escancarar a cobrança aos aliados contra a instalação da CPI, Flávio Bolsonaro fragilizou ainda mais seu pai. O governo gastou muito mais do que podia para eleger Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à presidência da Câmara e do Senado. Entregou ao Centrão grandes orçamentos da administração pública como o FNDE, a Codevasf e a Funasa. E, finalmente, acabou de renovar o passe de sua sobrevivência ao custo de R$ 49 bilhões para as emendas parlamentares no Orçamento de 2021, como notou Delfim Netto (“FSP”).
Nada
disso foi suficiente para dar sossego ao governo. E, a partir de agora, nada
dará. Além de escancarar a incúria governamental na condução da pandemia, a CPI
tem um dano intangível sobre a base governista e os cofres públicos. Como os
atores da comissão terão, a partir de agora, um palanque antecipado para 2022,
resta aos adversários tentar sair da sombra de seu protagonismo.
Tome-se,
por exemplo, o que acontecerá em Alagoas. O relator da CPI, Renan Calheiros
(MDB-AL), não precisará renovar seu mandato em 2022, mas deixou claro, em
discurso com referências ao fascismo, à República do Galeão, às batalhas de
Monte Castelo, a Slobodan Milosevic e Augusto Pinochet, que joga para voltar ao
cargo de mais poder que já ocupou, o de presidente do Senado. Tem como
condições necessárias para isso, ainda que não suficientes, que seu filho eleja
um sucessor no governo de Alagoas e que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva volte ao poder.
Se
Renan contará com uma CPI que tende a galvanizar o debate nacional até as
eleições, seu principal adversário regional, o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), só teria como rivalizar se desengavetasse um dos mais de 100
pedidos de impeachment que lá repousam. Como não deseja desfazer a sociedade
com este governo, lhe restou ressuscitar as reformas tributária e
administrativa. Agrada seus interlocutores no mercado financeiro, que precisam
de tempo para se desfazer de posições alavancadas pela aposta neste governo, e
escancara a Câmara à atuação de lobbies que, neste momento de atomização do
poder, podem agravar distorções. Basta ver o que aconteceu com o projeto
aprovado na Casa liberando a vacinação privada.
Suas
contingências diferem daquelas de seu parceiro, o senador Ciro Nogueira
(PP-AL). A Ciro resta tentar o governo do seu Estado, visto que a única vaga ao
Senado será disputada pelo governador Wellington Dias (PT), favorecido pela
candidatura de Lula. Disputará contra o candidato de Dias, mas mostrou, na CPI,
a maestria no jogo duplo.
A
Lira resta renovar seu mandato de deputado federal por Alagoas. Não terá
problemas para fazê-lo, o mesmo não pode ser dito da renovação de seu mandato
na presidência da Câmara se Bolsonaro não for reeleito. Satisfeitas as ambições
de Lira e Renan, as duas Casas legislativas ficariam sob o comando da dupla de
alagoanos em 2023, o que parece improvável. Até Deodoro da Fonseca e Floriano
Peixoto se revezaram no poder.
Para
tornar sua recondução incontornável, resta a Lira fazer uma bancada suprapartidária
maior do que a de hoje e eleger um aliado em Alagoas. Sua agenda busca
contemplar ambas as prioridades. Numa semana está em contatos empresariais em
São Paulo, noutra vai a Campo Alegre, na Zona da Mata alagoana, para inaugurar
190 casas populares.
Com
a Secretaria de Governo sob o comando de seu grupo, Lira não terá dificuldades
de avançar ainda mais no Orçamento de 2022, mas não terá vida fácil em Alagoas,
onde o governador dispõe de R$ 6 bilhões para investir até as eleições, graças
à concessão do saneamento, a privatização da folha de pagamentos e às reformas
administrativa e previdenciária. Alagoas deixou de ser o golfo que Graciliano
Ramos vaticinava com a queda nos homicídios por 16 meses consecutivos e a
redução de 65% na relação entre dívida líquida/receita.
O
único flanco que Renan Filho tem desguarnecido é sua pretensão ao Senado. O
presidente da Assembleia Legislativa assumiria o governo e se tornaria,
automaticamente, candidato natural à reeleição, contrariando a vontade do
governador de fazer, como sucessor, um dos secretários projetados por sua
gestão. Um acordo fica cada dia mais difícil.
Só
um projeto ainda os une, o de fazer o presidente do Superior Tribunal de
Justiça, Humberto Martins, ministro no Supremo. Desembargador pelo quinto
constitucional, Martins chegou ao STJ no governo Lula pelas mãos de Renan. No
cargo, salvou Lira da Lei da Ficha Limpa.
Além
dos dois alagoanos, Martins tem o apoio de Flávio Bolsonaro, que conta com o
filho do ministro, Eduardo Martins, para iniciá-lo no mercado da advocacia da
capital federal. Depois de uma visita desastrada ao Palácio do Alvorada, quando
causou má impressão sobre o presidente, Martins conseguiu ser recebido em
outras três ocasiões em que a ansiedade se manteve sob mais controle.
Duas
ações resumem a postulação de Martins. O ministro Gilmar Mendes votou na
terça-feira pela incompetência do juiz Marcelo Bretas na ação penal contra
advogados contratados pela Fecomercio, entre eles o filho do presidente do STJ,
acusado, em delação, de ter recebido R$ 77 milhões, maior fatia entre os
causídicos. Na semana passada, a ministra Rosa Weber negara o pedido da PGR
pela suspensão de inquérito do STJ contra procuradores cujos diálogos foram
captados. Neles, Humberto Martins aparece como beneficiário de propinas
reveladas pelo ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, em delação.
Um ministro com esses precedentes seria, obviamente, refém do Planalto. A aliança que se forma em torno dele, porém, mostra que é o pós-Bolsonaro que já está em jogo.
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