Parece
ousadia a nossa querer viver tanto
"É
lindo viver", escreveu nesta quarta (28) o jornalista João
Batista Natali, intubado durante 21 dias por complicações da Covid-19.
Paulo Guedes não deve concordar. Nem Jair Bolsonaro.
Natali
contou que, ainda internado, chorou compulsivamente ao ouvir "Paixão
segundo São Mateus", de Bach, depois do longo período em que "deixou
de existir". Eu me emocionei ao imaginar Natali impactado ao experimentar
novamente, depois de ter flertado de perto com a morte, momento tão banal: uma
música bonita no rádio.
Esse apreço pela vida deve ser coisa de jornalista sentimentaloide, como somos eu e Natali. Horas antes de o texto do jornalista ser publicado na Folha, o titular da economia dizia que a longevidade é insustentável aos cofres públicos. "Todo mundo quer viver cem anos."
Vinda
de um integrante do governo Bolsonaro, a declaração não surpreende, apenas
confirma o desprezo que presidente e colaboradores sentem pelo maior bem que
qualquer ser humano pode ter: a vida. Vamos lembrar que, há um ano, a reação de
Bolsonaro, ao ser questionado sobre as mais de 5.000 mortes causadas pela Covid-19,
foi esta: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?". Nesta quinta
(29), o Brasil deve chegar à trágica marca de 400 mil mortos. Como a situação
ainda deve piorar, talvez Guedes fique mais tranquilo.
Que
ousadia a nossa querer viver tanto. Para ouvir Bach? Para ver sobrinhos e netos
crescerem? Para tomar um chope gelado? Sentir o coração bater por uma nova
paixão? Para nadar no mar? Para poder voltar a abraçar as pessoas?
Recorro às palavras da juíza Andrea Pachá, em recente tuíte: "Só entende o desejo de envelhecer e completar o ciclo da existência, experimentando a longevidade, aquele que ama a vida e a entende como direito humano fundamental. Sentimento inexplicável para o ministro que se indigna com os velhos que insistem em viver".
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