As
propostas de Joe Biden significam uma guinada histórica?
O
filósofo francês Edgar Morin, em entrevista ao jornal “Le Monde”, há um ano,
sugeriu a possibilidade de as forças do bem saírem vitoriosas no pós-pandemia,
ainda que sejam fracas e dispersas. E que, nessa situação, quando o improvável
pode acontecer, é sadio tomarmos o partido da esperança. Entendi que aí havia
um chamamento bonito e sedutor.
Referia-se
à interdependência, evidenciada pela pandemia, entre economia, política,
sociedade, clima, planeta e cidade. E que o mundo poderia traçar-se um novo
rumo, atento aos valores mais nobres de Humanidade.
Tinha lido meses antes Byung-Chul Han, o filósofo sul-coreano/alemão. Muito me impressionou a descrição dos danos ao trabalho e às profissões, levados pelas novas tecnologias, sob incentivo da hegemonia financeira vigente. Sumiram profissões, empregos e trabalhos, deixando à deriva multidões desassistidas. Han atribui a esse estado o sentimento de frustração de parcelas crescentes da população, causando o que, para ele, é a doença mais importante deste século: a depressão. Sem dúvida, fenômeno incrementado pós-2008, quando governos carrearam fortunas para salvar os bancos e o sistema financeiro — e deixaram à míngua os mortais endividados.
Também
a obra do economista francês Thomas Piketty é acachapante, ao demonstrar o
avassalador crescimento da desigualdade de renda nas últimas décadas, quando,
no geral, em inúmeros países estudados, com destaque para o Brasil, 1% da
população mais rica detém renda equivalente a toda a renda de 50% da população
mais pobre. Piketty propõe a taxação das grandes fortunas como um dos caminhos.
Nesse
quadro potencializado pela pandemia e pelos efeitos desastrosos do governo
Trump, o presidente Joe Biden propõe uma guinada histórica. Seu plano inicial,
apoiado em US$ 1,9 trilhões já aprovados, pretende ser reforçado por quantia
ainda maior. Estão em debate pacotes que somam US$ 4,1 trilhões.
Com
atenção prioritária para o campo social, sanitário e climático, Biden pretende
dirigir o Estado americano para um protagonismo que lembra a Era Roosevelt, e
alguns comentaristas consideram significar “o enterro da era de 40 anos da
hegemonia neoliberal”, como diz o jornalista espanhol Claudi Pérez, no diário
“El País”. “O estímulo de Biden é o despertar de uma nova era”, escreveu o
historiador econômico Adam Tooze, citado por Pérez.
Com
investimentos dirigidos à saúde pública, à defesa do planeta, ao conhecimento,
à inovação, à infraestrutura e ao atendimento aos estratos que perderam suas
profissões e seus empregos, Biden pretende construir uma agenda norte-americana
de larga repercussão mundial. Vai além de Piketty e articula um acordo global
pró-taxação das multinacionais. Serão metas alcançáveis?
A
nova agenda terá forte influência em nossas cidades. Evidência da desigualdade,
como demonstrada pela pandemia, a cidade do século XXI será o espaço onde as
novas forças se estruturarão, atentas ao clima, ao planeta, à saúde, aos
lugares coletivos, à moradia saudável.
Penso
que, decididamente, devemos nos alinhar com Morin. O pós-pandemia poderá ser um
novo tempo, para melhor. Com cautela, mas sem pudor, devemos exaltar a
esperança.
*Arquiteto
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