Por
que Pazuello tenta se esquivar da CPI da Covid?
O
Globo
Em
quase 15 meses de pandemia, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi figura
central na política do governo Bolsonaro para combater o novo coronavírus —
esteve à frente do ministério de 16 de maio de 2020 a 23 de março deste ano,
quando, após gestão desastrosa, foi substituído por Marcelo Queiroga. Não é
razoável que Pazuello use todos os artifícios para evitar a CPI da Covid, que
investiga ações e omissões que levaram o Brasil a superar a marca dos 430 mil
mortos.
O
depoimento de Pazuello está marcado para o dia 19, mas, ontem, atendendo a
pedido da AGU, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, concedeu habeas
corpus para que Pazuello possa ficar em silêncio sempre que entender que não
precisa responder a perguntas da CPI. A defesa dele temia que as declarações
pudessem ser usadas no inquérito que investiga o colapso em Manaus, aberto pelo
STF e remetido à primeira instância depois de ele ter perdido foro
privilegiado.
Inicialmente, o depoimento estava agendado para 5 de maio, mas Pazuello o desmarcou na véspera. Alegou ter tido contato com dois assessores que testaram positivo para Covid-19. A desistência provocou críticas na comissão, mas, por deferência ao ex-ministro, os senadores abdicaram de pedir o exame de Covid-19. Porém se surpreenderam ao saber que a quarentena só valia para a CPI. Dois dias depois, ele recebeu no hotel onde estava hospedado o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência.
Pazuello,
que chegou a ser treinado pelo Planalto para enfrentar a CPI, teria muito a esclarecer.
A começar pela aquisição de vacinas. Há um consenso de que a atual escassez é
decorrente da inépcia para garantir as doses no ano passado. Na quinta-feira, o
depoimento do ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo expôs a
negligência do governo, ao revelar que, desde maio de 2020, a farmacêutica fez
ao menos cinco propostas que foram recusadas. Em agosto, ofereceu 70 milhões de
doses — e não 6 milhões, como dissera Pazuello ao Senado — para entrega, de
forma escalonada, a partir de 2020. Mas o contrato só foi assinado em março
deste ano. Murillo afirmou ter tido apenas dois contatos com Pazuello, o
primeiro só em novembro.
O
depoimento seria importante também para jogar luz sobre o colapso em Manaus,
onde pacientes morreram por falta de oxigênio. Pazuello até hoje não conseguiu
dizer quando foi informado de que os estoques eram críticos. Precisa dar
respostas ainda sobre a cloroquina. Um de seus primeiros atos como ministro foi
ampliar o uso do medicamento para o tratamento da Covid-19, embora a droga seja
comprovadamente ineficaz contra a doença, além de causar efeitos adversos
graves. Teria de explicar também quem deu a ordem para que o Exército
produzisse cloroquina aos borbotões, desperdiçando recursos públicos.
É
certo que o depoimento de Pazuello, numa comissão em que o governo é minoria,
não agrada ao Planalto. Qualquer deslize poderia respingar em Bolsonaro, e a
situação até agora não é nada favorável ao presidente. Mas, em vez de tentar se
esquivar da CPI, Pazuello deveria ajudar a esclarecer um dos momentos mais
sombrios da história do país. É legítimo que se queira saber o que nos levou à
calamidade, e Pazuello é peça-chave no quebra-cabeça. Afinal, tem medo de quê?
O
Globo
O fato mais relevante no novo conflito entre israelenses e palestinos não é o alcance maior dos foguetes lançados pelo Hamas sobre Israel, nem a reação com bombardeios e o contra-ataque a Gaza. Tudo isso repete o padrão anterior. A novidade está na revolta que irrompeu dentro do próprio território israelense, em cidades como Lod, Ramla, Jaffa, Acre ou Haifa, onde tradicionalmente sempre houve convívio pacífico entre judeus e árabes com cidadania israelense.
Depois
da morte de um árabe de 25 anos, jovens de Lod promoveram uma onda de saques,
incêndios e agressões a alvos judaicos. O presidente de Israel, Reuven Rivlin,
comparou os ataques a pogroms. Em Bat Yam, subúrbio de Tel Aviv, extremistas
judeus depredaram lojas árabes, lincharam um motociclista palestino e até um
judeu que confundiram com um árabe. Cenas semelhantes se repetiram em Acre,
Haifa e Tiberíades. A rebelião interna aguça a tensão que culminou na revolta
contra o despejo de quatro famílias palestinas em Jerusalém Oriental, pretexto
para o Hamas voltar ao ataque. Em ambas as populações, árabe e judaica, a
juventude extremista reage com violência.
Os
envolvidos nasceram depois das históricas negociações que, em 1993, trouxeram a
esperança de paz com dois estados independentes. Os choques são a prova do
fracasso em educar, dos dois lados, a nova geração para a paz e o convívio
mútuo. Em vez disso, o ódio infiltrou até as áreas que sempre pareceram imunes
ao conflito étnico.
Para
os palestinos, a experiência de autonomia fracassou. À corrupção endêmica da
Autoridade Palestina (AP), se alia a sujeição à política expansionista de
Israel, que jamais abriu mão de colonizar vastos setores da Cisjordânia, com
ambição de integrá-los a seu território. Gaza, devolvida pelos israelenses em
2005, tornou-se bastião de extremistas islâmicos que, embora sustentados pelo
Irã, têm na redução do poder da AP um interesse comum com o governo de Benjamin
Netanyahu. O líder da AP, Mahmoud Abbas, viu-se obrigado a cancelar eleições
marcadas para este ano, por temer derrota para o Hamas também na Cisjordânia.
Em
Israel, há 12 anos Netanyahu tenta a todo custo evitar um estado palestino
explorando a divisão entre Hamas e AP. Político hábil, equilibra-se entre as
facções da política israelense, dribla escândalos de corrupção e faz
malabarismos para manter o poder. Antes do conflito, estava prestes a perder o
cargo para uma coalizão que, pela primeira vez, levaria partidos árabes ao
governo israelense, consolidando a democracia e apontando um novo caminho ao
país.
Agora,
tudo ficou em suspenso, enquanto ressurge o espectro da separação étnica,
alimentado por extremistas islâmicos e judeus. “Israel não pode reivindicar
vitória”, diz o ex-chanceler israelense Shlomo Ben-Ami. “A coexistência frágil
de judeus e árabes dentro de suas fronteiras foi abalada. O consenso
predominante entre israelenses de que o nacionalismo palestino fora derrotado —
e de que não seria necessária uma solução política ao conflito — está em
frangalhos.” Deixar de educar para a paz não daria noutra coisa.
Por mais discussão
Folha
de S. Paulo
Licença
ambiental pode ser aperfeiçoada, mas texto da Câmara desfaz controles
O
observador desavisado poderia enxergar no marco
do licenciamento ambiental aprovado na quinta (13) pela Câmara um
passo para a desburocratização. Seria preciso desconhecer, contudo, a agenda
ecocida do governo Jair Bolsonaro e os interesses dos setores agrícolas mais
retrógrados.
Não
que o trâmite atual das licenças seja alguma maravilha. Desde antes da nomeação
de Ricardo Salles para amputar as garras da fiscalização do Ministério do Meio
Ambiente, o processo era excessivamente moroso, não raro onerando
empreendedores sem claro benefício para a saúde da natureza ou da população.
Agora, colapsa.
A
modernização era imperativa. Além de aparar eventuais excessos nos
regulamentos, ela deveria privilegiar reforço de recursos humanos, capacitação
e equipamentos do Ibama, bem o oposto do que Salles e Bolsonaro fazem.
Com
o braço fiscalizador do Estado manietado, a isenção do licenciamento para ampla
gama de atividades, do agronegócio à infraestrutura, constitui medida
temerária.
Na
prática, o país corre risco de retroceder aos desatinos da ditadura militar, em
que a expansão de estradas, usinas, minas e monocultura deflagrou uma frente de
devastação —sobretudo na Amazônia— ainda hoje mal controlada.
No
contexto atual, a autodeclaração de ausência de impacto ambiental, que o texto
pretende instituir, tende a ser entendida como carta branca para desmatar,
poluir e atropelar comunidades que se encontrem na rota de grileiros,
garimpeiros, pecuaristas sem compromisso com o aumento da produtividade e
empreiteiras de olho em obras faraônicas.
Não
seria outro o objetivo de incluir no projeto aprovado a dispensa de consulta a
populações indígenas, quilombolas e administradores de unidades de conservação
porventura na área de influência dos empreendimentos.
Parlamentares
descumprem assim compromissos com transparência e controle social, como de
resto fizeram ao não publicar o texto que entraria em votação.
O
imediatismo oportunista custará caro ao Brasil, não só em perda de
biodiversidade e qualidade de vida; a repercussão entre investidores e
importadores de produtos nacionais pode ser negativa.
Bolsonaro
parece acreditar que engana o mundo falando de sustentabilidade em reuniões de
cúpula enquanto seu governo e o Congresso desfazem o que resta de governança
ambiental no país.
Noticia-se
um movimento no Senado para submeter o projeto irresponsável da Câmara de
Arthur Lira (PP-AL) a audiências públicas. Antes tarde que nunca.
Inflação americana
Folha
de S. Paulo
Volta
da aceleração de preços nos EUA traz novos riscos para a economia mundial
Com
alta de 0,77% em abril e 4,2% nos últimos doze meses, a inflação
assusta nos Estados Unidos. Embora a taxa não pareça tão ameaçadora para
padrões brasileiros, quando se trata do centro financeiro mundial o
impacto é marcante.
A
variação em um ano foi a maior desde setembro de 2008 e se estendeu além dos
itens voláteis, como alimentos e energia. O chamado núcleo da inflação, que
exclui esses componentes, subiu ainda mais no mês passado, 0,92%, e indica
pressões mais amplas.
Por
certo há elementos temporários, derivados da reabertura da economia americana,
que vai ganhando velocidade. Passagens aéreas, hotelaria e parte dos serviços,
por exemplo, foram afetadas pelo súbito aumento de demanda, que permite às
empresas recompor margens de lucro perdidas durante a pandemia.
Mas
há riscos que podem ser mais duradouros, derivados de insuficiência de insumos
e problemas logísticos. A pandemia alterou os padrões de consumo, e levará
tempo até um novo equilíbrio.
Enquanto
isso, no mercado de trabalho também aparecem as evidências de crescimento
desbalanceado. Mesmo com criação de vagas menor que a esperada no mês passado e
ampla ociosidade no mercado de trabalho, a inflação salarial também vem
subindo. O pacote de gastos públicos do presidente Joe Biden, ademais, tende a
apressar a volta do emprego.
A
alta da inflação assusta porque pode obrigar o Federal Reserve, o banco central
americano, a reduzir estímulos mais cedo.
A
autoridade monetária sugere que a taxa de juros permanecerá próxima de zero até
2023, mas, se a inflação subir muito além dos 2% de forma sustentada e a
economia voltar rapidamente ao pleno emprego, o quadro poderá ser outro.
Por
ora, o Fed sugere que considera as pressões como temporárias e ainda há amplo
espaço para a criação de vagas de trabalho. Da mesma forma que a pandemia levou
a colossais estímulos fiscais e monetários, porém, a saída da crise poderá
trazer novos desafios.
A
inflação permaneceu dormente nas últimas duas décadas, o que permitiu uma queda
estrutural nos juros globais. O risco hoje é que o Fed, otimista, deixe a
economia superaquecer e depois tenha de pisar bruscamente no freio.
Nessa
hipótese,a exuberância dos mercados de ações, imóveis e ativos em geral será
abalada. Um cenário de crise financeira ainda parece distante, mas o grau de
incerteza se tornou mais alto que o usual.
Esqueletos, impostos e reforma
O
Estado de S. Paulo
Decisão
do STF sobre PIS/Cofins é mais um esqueleto bilionário que vai complicar muito
a gestão das contas da União
Mais um esqueleto bilionário vai complicar a gestão, já muito difícil, das contas da União. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pode impor ao Tesouro um custo de R$ 258,3 bilhões, segundo estimativa provisória. Em mais uma derrota para o governo, a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins passará a valer a partir de 2017, quando essa alteração foi sacramentada pela Corte. A mudança afeta duplamente as finanças públicas. Além de reduzir a base de arrecadação do poder central, possibilita às empresas beneficiadas a cobrança de uma vultosa compensação.
Duas
derrotas foram impostas ao governo. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
defendia a vigência da nova regra a partir do julgamento encerrado na última
quinta-feira. Mas a alteração passa a valer a partir da decisão anterior, de 15
de março de 2017. Além disso, o governo reivindicava uma alteração mais branda,
com desconto do ICMS efetivamente pago pelas empresas depois do abatimento de
créditos fiscais. Mas, pela decisão do STF, deve-se descontar o ICMS destacado
na nota fiscal.
Especialistas
ainda poderão examinar e discutir minúcias técnicas da nova decisão do
tribunal, mas o resultado mais importante desse processo é muito simples. Ao
retirar o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, a Justiça extingue uma
anomalia, a cobrança de tributo sobre tributo. Aberrações desse tipo deveriam
ter desaparecido há muito tempo. Afinal, eliminar a tributação cumulativa foi
uma das bandeiras da grande reforma posta em vigor em 1967.
Lançado
naquela época, o novo tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias
(ICM, depois convertido em ICMS), foi inspirado em novo modelo europeu. Em cada
etapa da circulação – ao longo da transformação industrial, por exemplo – o
imposto deveria incidir apenas sobre o valor adicionado, eliminando-se do valor
de referência o tributo recolhido na fase anterior. O princípio deveria valer
para todo o sistema, incluído o recém-criado Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), cobrado e administrado pela União.
A
reforma de 1967 foi enorme avanço, mas o novo sistema sempre carregou defeitos.
Alguns foram reparados. Outros permaneceram. Além disso, uma falha original deu
origem a muitos problemas. Na Europa, o imposto sobre valor adicionado (IVA),
modelo do ICM, era cobrado pelo poder central e depois distribuído aos governos
subnacionais. No Brasil, a competência estadual sobre esse tipo de imposto deu
espaço a enormes distorções.
A
mais notável foi a guerra fiscal, praticada por meio da concessão de benefícios
para atração de empresas e de investimentos privados. Essa distorção deu origem
a outras, favorecendo, por exemplo, decisões de investimento baseadas
estritamente, ou quase, na expectativa de facilidades tributárias. Estados
prejudicados buscaram solução no STF, mas as decisões eram demoradas ou
ineficazes.
As
características principais do tributo estadual foram mantidas na Constituição
de 1988, com extensão da incidência a serviços (daí a alteração do nome para
ICMS). Também se manteve um defeito importante: na exportação, só bens
industrializados ficaram isentos – um erro enorme, especialmente num país
exportador de grandes volumes de produtos agropecuários e minerais. Com demora,
essa falha foi pelo menos atenuada.
O
problema da tributação de exportações nunca se resolveu completamente, porque
sempre sobraram créditos acumulados. Da mesma forma, problemas de incidência
nos investimentos e na produção nunca foram atacados de forma satisfatória.
Qualquer reforma séria levaria em conta essas questões jamais superadas – o
peso dos tributos sobre a produção e sobre a formação de capital, a incidência
sobre a exportação, as complicações associadas à competência estadual, o efeito
regressivo da tributação do consumo, etc. Não há como cuidar dessas questões
sem pensar em todo o sistema. Esta exigência foi ignorada pelo atual governo e
por seus aliados, comprometidos com uma reforma parcial, fatiada e
miseravelmente ineficaz.
O
desmonte do conhecimento
O
Estado de S. Paulo
Áreas
de ensino, ciência e pesquisa não têm prioridade no governo Bolsonaro
Se em seus primeiros meses o governo Bolsonaro começou relegando para segundo plano as áreas de ensino, ciência e pesquisa, contingenciando verbas e bloqueando recursos, com o advento da pandemia e da crise econômica por ela deflagrada a situação se agravou ainda mais, tornando-se dramática.
No
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a redução
do orçamento obrigou o órgão a financiar em 2021 somente 13% das 3.080 bolsas
de pós-graduação e pós-doutorado que já haviam sido aprovadas. A informação foi
divulgada recentemente pelo próprio órgão, deixando a comunidade científica
perplexa. Já a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
(Capes) perderá neste ano quase um terço do que recebeu em 2019. O Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) também sofreu
cortes drásticos, segundo levantamento da Academia Brasileira de Ciências, da
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes) e do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). Essas entidades também
lembraram que o orçamento previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovações (MCTI), em 2021, equivale a menos de um terço do que foi repassado
uma década atrás.
No
ensino superior, as universidades federais enfrentam graves dificuldades para
pagar despesas de custeio, como água, energia e segurança, não dispondo também
de recursos para manter pesquisas em andamento. Por causa dos cortes, o
orçamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) voltou ao patamar de
2008, quando tinha 20 mil alunos. Hoje ela conta com mais de 36 mil alunos, dos
quais 8,5 mil são apoiados por programas de ações afirmativas. Na Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), o reitor Marcus David informou que as
atividades de ciência e tecnologia estão “acabando” na instituição.
Já
na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Reitoria anunciou que o orçamento
aprovado para 2021 equivale ao do exercício de 2010 e alegou que a redução de
recursos orçamentários, conjugada com contingenciamentos, está levando à
“destruição” da instituição. A reitora Denise de Carvalho e o vice-reitor
Carlos Rocha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicaram
artigo no jornal O Globo alertando
para o risco de a instituição “fechar as portas” a partir de julho. “A
universidade está sendo inviabilizada”, concluíram.
Outra
instituição importante, a Universidade de Brasília (UnB) distribuiu nota
lembrando que “a redução crescente dos recursos, associada a bloqueios e
contingenciamentos, prejudica a execução do planejamento da instituição. A
política de contínua redução orçamentária trouxe dificuldades e desafios nunca
antes vivenciados”. Por seu lado, o MEC lamenta a redução dos recursos da rede
federal de ensino superior e informa que não tem medido esforços no Ministério
da Economia para tentar “uma recomposição e/ou mitigação das reduções
orçamentárias das instituições federais de ensino superior” e obtido um repasse
que, apesar de pequeno, garante a elas algum fôlego financeiro para os próximos
meses.
Independentemente
desses esforços, a situação em que as áreas de ensino, ciência e pesquisa se
encontram não se deve apenas à crise econômica. Ela trouxe inúmeros problemas,
não se pode negar. Mas a verdade é que as dificuldades enfrentadas por essas
três áreas decorrem do fato de elas jamais terem sido consideradas prioritárias
desde o início de um governo que não sabe o que é planejamento e não tem noção
de futuro.
Determinado
por razões políticas e ideológicas no início do governo, o desinvestimento no
CNPq, na Capes e nas universidades federais vem, paradoxalmente, ocorrendo no
momento em que o Brasil mais necessita de pesquisadores e universidades
trabalhando a pleno vapor. Por isso, atribuir a asfixia financeira do ensino,
da ciência e da pesquisa às dificuldades econômicas causadas pela pandemia,
como as autoridades educacionais vêm fazendo, é mais do que escamotear a
verdade. É um crime praticado contra os cidadãos e as futuras gerações.
Liberdade
e lei da selva
O
Estado de S. Paulo
Discurso
de Jair Bolsonaro que recusa os limites da civilização é sedutor
O presidente Jair Bolsonaro faz da irresponsabilidade seu principal ativo eleitoral. Convida os brasileiros a ignorar leis, normas de convivência democrática e restrições características da civilização. Apresentando-se como protetor da liberdade, é na verdade um intrépido campeão da lei da selva.
É
com esse espírito que, em meio a uma pandemia que já causou mais de 430 mil
mortes, Bolsonaro provoca aglomerações quase todos os dias, garante que as
Forças Armadas (“meu Exército”, como diz o presidente) jamais obrigarão os
cidadãos a ficar em casa e qualifica de “ditadores” os governadores e prefeitos
que adotaram medidas restritivas para conter a contaminação.
Há
poucos dias, Bolsonaro chegou a anunciar que tem “pronto” um “decreto” para
impedir que Estados e municípios continuem a determinar restrições de movimento
no enfrentamento da pandemia. Ninguém no governo sabe da existência do tal
“decreto”, que ademais seria inconstitucional – o Supremo Tribunal Federal já
esclareceu, logo no início da pandemia, que, conforme o princípio federativo
inscrito na Constituição, a União pode legislar sobre o combate à pandemia,
desde que respeite a autonomia dos demais entes subnacionais.
A
esta altura, já está claro que a Constituição mencionada pelo Supremo não é a
mesma que Bolsonaro diz prestigiar. O presidente informou que seu “decreto”
nada mais é que “a cópia dos incisos do artigo 5.º da Constituição, que todos
nós juramos defender”, em referência ao artigo sobre direitos fundamentais.
Explicou que “o nosso direito de ir e vir é sagrado, a nossa liberdade de crença
e trabalho também”, razão pela qual “não se justifica, daqui para frente,
depois de tudo o que nós passamos, fechar qualquer ponto do nosso Brasil”. Por
fim, disse que “aquele que abre mão de parte da liberdade em troca de
segurança, por menor que seja, acaba no futuro sem liberdade e segurança”, e
arrematou: “Preferimos morrer lutando a perecer em casa”.
É
evidente que a exegese constitucional de Bolsonaro é esdrúxula, condizente não
com o espírito da Carta, mas com uma visão distorcida sobre os direitos e a
liberdade.
Não
se trata de ignorância. Bolsonaro já foi informado diversas vezes, da maneira
mais didática possível, que são absolutamente legais as medidas adotadas por
Estados e municípios, e mesmo assim as classifica como inconstitucionais. Ou
seja: o presidente decidiu, de forma deliberada e pública, ignorar a
Constituição que ele jurou respeitar e, no lugar dela, inventou um texto
constitucional que expressa não um pacto democrático, mas a utopia da ausência
total de limites.
Na
condição de presidente da República, Bolsonaro deveria saber que, num Estado
Democrático de Direito, não há direito absoluto. Mas Bolsonaro resolveu
proclamar a prevalência do que entende ser liberdade sobre qualquer outro
direito – anunciando, inclusive, que seus eleitores, a quem chama de “povo”,
estão dispostos a morrer por ela.
Essa
liberdade absoluta que os bolsonaristas reivindicam nada tem a ver com a
liberdade característica da democracia. É, ao contrário, a expressão do estado
de natureza de que nos falava Hobbes – estágio primitivo em que todos se
julgavam soberanos de si mesmos e, portanto, no direito de fazer o que bem
entendessem. O desejo era a lei.
Os
bolsonaristas, portanto, recusam a civilização, que se traduz pela imposição de
limites legais e morais nos mais diferentes aspectos da vida em sociedade. É um
discurso extremamente sedutor para os que atribuem seus problemas e fracassos a
decisões políticas tomadas no âmbito de uma democracia em que não se sentem
representados.
Bolsonaro
surge assim como o líder dessa massa de descrentes da democracia. Sua
irreverência pelas leis – pilota moto sem capacete, não usa máscara onde é
obrigatório, ignora restrições municipais contra aglomerações – é ato político
deliberado: serve para manifestar desprezo pelas instituições democráticas,
sinalizando a seus seguidores que estão livres para fazer o que bem entenderem,
sem qualquer freio. Desde é claro que ele mande e os outros obedeçam.
É
a barbárie.
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