É
verdade que o relator da CPI da Covid, Renan Calheiros, tem pegado pesado
contra o governo Bolsonaro. Até tentou prender Fabio Wajngarten, ex-secretário
de Comunicação e bolsonarista de raiz. Isso bastou para que Bolsonaro pai e o
filho Flávio considerassem a CPI um circo onde “vagabundos” estão inquirindo
“homens de bem”.
O
“vagabundo”, claro, vai para Renan. Logo, deve-se supor que “homens de bem” são
todos os inquiridos, já que os Bolsonaros não especificaram alguém em especial.
Ocorre
que todos os inquiridos contaram histórias que comprometem o governo e exibem o
modo desastroso como administra o combate à pandemia. Mesmo o aliado Wajngarten
entregou farto material à CPI, ao revelar que a Pfizer oferecera vacinas para
um governo que nem sequer respondera à farmacêutica.
O
homem de bem que testemunhou no dia seguinte, o executivo da Pfizer Carlos
Murillo, acrescentou os detalhes. Se o governo Bolsonaro tivesse ouvido e
assinado a proposta feita pela empresa em agosto do ano passado, o Brasil teria
18,5 milhões de doses entre dezembro de 2020 e o atual trimestre.
Isso daria para vacinar 9,25 milhões de pessoas, equivalente a 50% dos que receberam as duas doses da CoronaVac e Oxford/AstraZeneca até aqui. Quantos doentes e quantas mortes teriam sido evitadas? Quantas pessoas, imunizadas, não teriam podido voltar ao trabalho presencial, ajudando a animar a atividade econômica?
A
CPI está, de fato, emparedando Bolsonaro, mas não por causa dos “vagabundos”, e
sim graças às revelações dos “homens de bem”, as testemunhas.
Tanto
é verdade, que o governo está fazendo o possível para evitar o testemunho de
outro homem que considera “de bem”, o general Pazuello. Aliás, situação difícil
para o general: se calar, confessa que fez coisas de que não pode falar; se
falar, entrega o chefe.
Acrescente
a isso as pesquisas desta semana mostrando que: a população apoia a CPI; acha
que o combate à pandemia é ruim; desaprova Bolsonaro; e prefere Lula ao atual
presidente.
Resulta
uma das piores semanas para Bolsonaro. Sua reação: foi a Alagoas atacar os
vagabundos, deu uma de Trump ao dizer que ele, Bolsonaro, só perde se houver
fraude e... de novo, gente, defendeu a cloroquina.
Se
ele ouve alguém, só pode ser o gabinete paralelo, a sua turma, de uma
incompetência assustadora. Exemplo: Wajngarten levou para uma reunião com uma
executiva da Pfizer o filho vereador, Carlos Bolsonaro, e o assessor Filipe
Martins. O que eles entendem de vacinas ou de negociações internacionais?
Alguns
bolsonaristas dizem que o chefe fez bem em adiar as compras até ter a certeza
de que a vacina é boa.
Outro
equívoco. Quando a Pfizer começou a oferecer a vacina que ainda estava em
testes, os especialistas já sabiam que era enorme a chance de sucesso. A
companhia alemã BioNTech já desenvolvera a nova tecnologia e era provável que
obtivesse sucesso com o coronavírus.
Por
isso, os governos minimamente informados compraram as vacinas antes da
conclusão dos testes.
A
verdade é que Bolsonaro não se interessou e zombou da Pfizer. Por que agora
está comprando?
Para
tirar a vacina do governador Doria.
Pode
conseguir algo com isso. Se confirmada a entrega de 200 milhões de doses da
Pfizer, o país chegará ao início de 2022 com a maior parte da população
vacinada, incluindo as doses da CoronaVac e da AstraZeneca.
Aí
teremos uma batalha de narrativas. Não será difícil mostrar o desastre do
governo Bolsonaro, o atraso no combate à pandemia e quanto isso custou em vidas
e atividade econômica. Ocorre que, no momento, há apenas duas narrativas
políticas fortes, a de Lula e a de Bolsonaro, ainda que em viés de baixa.
Como
diz Fernando Henrique Cardoso, há espaço para uma terceira via. Mas falta o
nome, a pessoa. De todo modo, com o avanço da CPI, nesses termos, surge no
horizonte a hipótese de um segundo turno sem Bolsonaro.
A ver.
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