O Globo
Não sabemos o que acontecerá com o Twitter
após Elon Musk sacramentar a compra e tomar posse. Ainda assim, quem navegou
pela rede nestes dias viu muitas certezas. Uma turma da direita autoritária
eufórica e quem se preocupa com a democracia enlutado. Jair Bolsonaro, o
presidente da República, conquistou um salto de seguidores — 65 mil num único
dia. Efeito Musk? Segundo o Bot Sentinel, não: 61 mil eram robôs. Que, aliás,
Musk promete banir. Muita gente está, até, achando que este é um debate a
respeito da liberdade de expressão e de seus limites. Mas não é.
Tanto mudou nos últimos séculos que um dos conceitos que se perderam foi a ideia original de liberdade de imprensa. Porque lá na Primeira Emenda da Constituição americana, em 1787, James Madison redigiu que o Congresso não poderia impor limites por lei aos exercícios das liberdades de expressão e de imprensa, tratando as duas coisas como distintas. Hoje compreendemos essa ideia como um direito particular a jornalistas. Não era nisso que Madison pensava, e relembrar seu conceito nos ajuda a pensar o Twitter.
Até surgir o telégrafo, só havia duas
maneiras de tornar pública uma mensagem. Uma era subir no banquinho e falar bem
alto. Talvez algumas centenas de pessoas ouvissem. Outra era redigir, obter
acesso a uma gráfica e imprimir cópias para distribuir. Essa é a liberdade de
imprensa original. A liberdade de reproduzir e distribuir.
Quando os iluministas que inventaram a
democracia encaravam o problema da reprodução e da distribuição de uma ideia,
pensavam num tipo de consumo de informação que tinha por característica ser
lento e introspectivo. A leitura é um exercício que fazemos em solidão. A
distribuição dos impressos levava dias para atingir outras cidades. Liberdade
de imprensa pressupunha estimular um hábito por natureza reflexivo. Só podia
fazer bem.
Eles compreendiam que manifestar uma ideia
é um ato. Registrar a ideia no papel, copiar e mandar para longe era outro ato
bastante distinto. Portanto são duas liberdades separadas.
O problema no Twitter não é com a
manifestação de ideias. O problema é na distribuição. Nas redes, demora
segundos para o escrito no Recife chegar a Tóquio. E a leitura exige reação
imediata. É, por natureza, reativa, não reflexiva.
Não é um algoritmo que decide quem recebe
quais tuítes, informaram funcionários da empresa ao jornalista Will Knight, da
Wired. É uma pilha de algoritmos que se relacionam a partir dos hábitos de
consumo de cada usuário. Musk diz que pretende abrir para quem quiser esses
códigos. Pois bem, até o fim do ano os parlamentos de cada país da União
Europeia já deverão ter ratificado a nova Lei dos Serviços Digitais. Queira o
bilionário ou não, abrir o código não será o bastante. Todas as plataformas
terão de explicar, no território europeu, em linguagem que nós entendemos, por
que está nos mostrando o que mostra.
Assim saberemos por que o Twitter decide
que milhões devem receber, por exemplo, propaganda antivacina.
Essa lei europeia vai pegar. Nós,
brasileiros, costumamos importar as boas leis digitais. Some isso à intenção já
anunciada por Musk de que os bots acabem e de que todo usuário seja
autenticado. Ora, o selinho azul quer dizer CPF conhecido. Todos passarão a ser
legalmente responsáveis pelo que escrevem. O fim do anonimato em grandes
plataformas é um problema em ditaduras, mas uma bênção em democracias sob
ataque.
É cedo para dizer. Mas a soma de novas leis
com algumas dessas iniciativas pode querer dizer que os autoritários festejaram
cedo demais.
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