Correio Braziliense
A exposição do Correio
Braziliense cobre duas gerações, pelas quais passaram a renúncia de Jânio
Quadros, o golpe militar que destituiu João Goulart em 1964, a implantação do
regime militar e muito mais
A exposição comemorativa do Correio
Braziliense sobre os 62 anos de Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil,
reúne as capas deste jornal desde a inauguração da nova capital do país, em
1960, quando circulamos pela primeira vez. É um mosaico da trajetória histórica
das estruturas do poder central e suas ações, para os quais a cidade foi
projetada e construída, graças à audácia de Juscelino Kubitschek e à
genialidade de Lucio Costa e Oscar Niemeyer.
CB 61 1 mostra um ciclo completo da vida
política, econômica e cultural do Brasil, a partir de seus protagonistas no
planalto central, que se tornou o polo dinâmico do Centro-Oeste, mas também a
evolução e o comportamento de uma sociedade inicialmente formada por peões e
funcionários públicos, que, pouco a pouco, se tornou muito mais complexa, até
se transformar na grande metrópole cosmopolita atual e um fator da integração
territorial nacional. Duas gerações de candangos, compreendidos como os
cidadãos naturais de Brasília, produziram uma espécie de síntese do nosso
processo civilizatório, mais ou menos como imaginava o fundador da Universidade
de Brasília (UnB), Darcy Ribeiro.
Os fatos políticos ao longo desses 62 anos foram todos devidamente registrados pelo Correio Braziliense, que acompanhou os bastidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, bem como a reação da sociedade às decisões dos poderosos, ao longo da história. As manchetes e fotografias publicadas nesse período são flagrantes da História do Brasil, revisitada a cada aniversário da cidade ou fato político relevante do presente, para os quais o fio da história nos permite melhor compreendê-los.
O falecido historiador britânico Tony Judt,
que lecionou em Cambridge, Oxford, Berkeley e New York University, inspirou-se
em John Maynard Keynes para escrever a coletânea de ensaios Quando os fatos
mudam, cujo título tomamos emprestado para a coluna. A frase completa é:
“Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. E o senhor, o que faz?”
Os textos oriundos de suas intervenções
públicas na imprensa foram compilados por sua viúva, a historiadora Jennifer
Homans, e publicadas postumamente nessa obra. Embora datadas, as preocupações
por ele levantadas se atualizam e permanecem como espécie de fios condutores a
auxiliarem a compreensão de um mundo que parece, a cada dia, se desfazer em
pedaços. Judt faleceu em 2010, aos 62 anos, como um dos maiores intérpretes do
século XX, com destaque para o monumental pós-guerra. Uma História da Europa
desde 1945. Quase todos os assuntos que abordou, de alguma maneira,
influenciaram a trajetória do nosso país.
Novo olhar
A exposição do Correio Braziliense cobre
duas gerações, pelas quais passaram a renúncia de Jânio Quadros, o golpe
militar que destituiu João Goulart em 1964, a implantação do regime militar, o
chamado milagre econômico, a liquidação da oposição armada, o avanço da
oposição democrática, a crise do modelo de capitalismo de Estado, a campanha
das Diretas Já, a eleição de Tancredo Neves, a transição à democracia com
Sarney, a hiperinflação, o esgotamento do modelo de substituição de
importações, a abertura comercial e o impeachment de Collor, o combate à
inflação e as privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso, o esgotamento
das políticas liberais e a ascensão de Lula, a derrocada de Dilma Rousseff e a
reforma trabalhista de Michel Temer, a eleição de Jair Bolsonaro e a volta dos
militares ao poder.
Esse um resumo brevíssimo, mas que lições
podemos tirar desses fatos para que os erros não se repitam e o legado positivo
desse ciclo histórico sirva de ponte para o futuro? Essa é a reflexão que um
olhar atento à exposição das capas de Correio pode provocar. As notícias do
Correio, ao longo desses 62 anos, são revisitadas porque marcam o nosso
presente, porém, a interpretação dos fatos ocorridos não deve ser a mesma de
quando aconteceram.
Judt nos mostra que, em muitos momentos da
história, fatos singulares foram decisivos para mudanças inimaginadas por seus
protagonistas. A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, representou uma ruptura
com toda a ordem mundial anterior, com desdobramentos duradouros. Agora,
estamos diante de uma nova ruptura global, cujos desdobramentos são
imprevisíveis, tanto quando era a Guerra da Ucrânia quando a antiga União
Soviética foi dissolvida. A ordem econômica global, por exemplo, passa por
mudanças que podem resultar em duas institucionalidades econômicas distintas,
uma liderada pelos Estados Unidos, outra pela China, com as quais o Brasil
objetivamente terá de se relacionar. Somente isso mudará nossa inserção nas
cadeias de comércio e na economia mundial.
Nesse período de 62 anos, no plano político, o evento mais marcante foi o ciclo de 20 anos do regime militar, cuja herança ainda está viva na memória daqueles que viveram sob o autoritarismo. Quem imaginaria os desdobramentos da eleição de Jânio Quadros, em 1960, quando Brasília foi inaugurada? Em alguns momentos da atual conjuntura, temos a sensação de que a história se repete. Entretanto, para que isso ocorra, seria preciso que nada houvesse mudado; por exemplo, que Brasília — não somente suas estruturas de poder — não tivesse se transformado numa metrópole complexa, com uma sociedade vibrante e democrática, em sintonia com o futuro.
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