Folha de S. Paulo
Muitos, no Brasil, estão zangados com
comitê, especialmente o Colunismo de Acusação
O Comitê de Direitos Humanos da ONU não
poderia ter sido mais eloquente
sobre as violações aos direitos de Luiz Inácio Lula da Silva praticados
pelo Estado brasileiro por intermédio da Lava Jato, muito especialmente pelo
então juiz Sergio Moro.
Também
o PowerPoint de Deltan Dallagnol —que contou com a aprovação de Moro—
aparece no texto como uma das agressões ao devido processo legal. O sempre
excelente Jamil Chade antecipou a decisão no UOL e fez uma boa síntese do caso.
Para Lula, a
decisão tem peso moral, não jurídico. E certamente será tratada, e com toda
razão, na campanha eleitoral. Segundo o comitê, ao ser impedido de se
candidatar, em 2018, o petista teve ainda solapados os seus direitos políticos.
Muitos, no Brasil, estão zangados com o comitê, especialmente o "Colunismo de Acusação", que atuou como uma espécie de anexo da força-tarefa, indiferente à evidência de que, numa democracia, a correção de qualquer mal, também o da corrupção, tem de se dar segundo regras.
Coube ao Estado brasileiro tentar
justificar as ações de Moro e do Ministério Público. Mas o grupo chegou à
conclusão, sem muita dificuldade, de que elas eram incompatíveis com uma
sociedade democrática, assentada em leis. A verdade é que se confundiu por
aqui, ao longo de quase seis anos, o exercício da oposição com o da persecução
penal.
Operou-se uma mistura perversa de
"lawfare" —uso da lei para perseguição política— com uma leitura
torta do conceito de "direito penal do inimigo", como
se fosse razoável suspender as garantias constitucionais de um adversário
ideológico sob o pretexto, sempre!, de combater a corrupção....
Goste-se ou não da decisão, o fato é que o
comitê da ONU atua como um olhar externo, neutro desde a partida, sobre o
processo. Por aqui, infelizmente, a guerra ideológica e as batalhas políticas
turvaram o juízo de muita gente.
Mais uma vez, o país foi engolfado pelo
moralismo amoral, que consiste em substituir a presunção de inocência pela de
culpa, de modo que o acusado se vê na contingência de produzir a prova
negativa, dispensando-se o órgão acusador de apresentar a evidência do crime.
Este escriba conhece cada detalhe, como
canta Chico César, "da maldade de gente boa". Quando, já em 2014,
comecei a constatar laivos de messianismo e de viés político na tal "Lava
Jato", virei alvo da fúria dos que se queriam justos.
Em 2016, Dallagnol
tricotou contra mim em conversinha indecorosa com Moro no Telegram,
chamando-me "jurista", com aspas, como se desqualificação fosse. Ele
reclamava porque escrevi então, com todas as letras, que apresentara uma
acusação sem provas e que seu PowerPoint era uma excrescência. Logo eu, não é?,
que alguns pretendiam ser um exemplo de militante antipetista. Ocorre que
abandonei a militância aos 21 anos.
Não tenho como lidar com as decepções e com
os desenganos de terceiros em relação às expectativas boas ou más que alimentam
a meu respeito. Agora cito Jorge Mautner: "Eu não peço desculpa/ E nem
peço perdão/ Não, não é minha culpa/ Essa minha obsessão".
E complemento a palavra: sou obcecado pelo
devido processo legal. Se não posso confiar no Estado julgador, por intermédio
do Poder Judiciário, vou confiar em quê? Na luta armada? Infelizmente, noto à
margem, remanescem certos cacoetes que o lava-jatismo imprimiu à cobertura
jornalística.
Os veículos profissionais de comunicação
deveriam organizar seminários para rever seus respectivos procedimentos durante
a Lava Jato. De cara, uma pergunta teria de ser respondida: "Por que
jamais se investigaram os investigadores que falavam em nome da pretensão
punitiva do Estado?" Já ali havia, e isto me parece inequívoco, uma adesão
a um lado da contenda e uma quebra da necessária imparcialidade.
"E Daniel Silveira, Reinaldo, não seria
ele também vítima de ilegalidades?" Não! Mas deixo a sugestão: o
presidente revoga
o seu decreto inconstitucional, e o deputado cumpre os rigores da lei, como
fez Lula. E sempre se poderá, adicionalmente, apelar ao Comitê de Direitos
Humanos da ONU. Que tal?
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