Valor Econômico
Tensão com reguladores marca a história de
‘Big Techs’
A história das grandes empresas de
tecnologia da informação é uma história de tensão permanente com as autoridades
públicas e de relações de amor e ódio com os consumidores. Das dez maiores
companhias do mundo em valor de mercado, sete são de TI, incluindo Apple,
Microsoft, Alphabet (dona do Google) e Amazon. Essas companhias já
ultrapassaram a barreira do trilhão de dólares nas bolsas e dominam o topo da
lista, cuja única exceção é a Saudi Aramco, de petróleo.
Com tanto poder econômico concentrado, seria natural que governos e legisladores se preocupassem com a influência desmedida que essas companhias podem ter na sociedade. Mas não é só a abundância de recursos que preocupa. Órgãos antitruste já lidaram, anteriormente, com situações de abuso econômico, quando ficou comprovado que monopólios legais usaram sua posição privilegiada para tirar concorrentes do caminho ou obter benefícios indevidos. Basta lembrar do episódio histórico da AT&T.
O caso antitruste começou em 1974 e
terminou em 1982, com um acordo em que a companhia de telecomunicações - que
dominava os serviços de telefonia na maior parte do território americano -
aceitou se desfazer dos negócios regionais, ficando com as ligações de longa
distância. A decisão deu origem a mais sete operadoras, as “Baby Bells”, já que
a AT&T, considerada uma espécie de mãe, era chamada de “Ma Bell”.
Agora, o movimento de ascensão das “Big
Techs” inspira outro tipo de receio porque o negócio dessas companhias se
tornou muito mais complexo e intrincado. Que ninguém se engane: infraestrutura
continua sendo fundamental porque é dela que as empresas dependem para criar
negócios e fazer dinheiro, como destacou a futurista americana Amy Webb,
recentemente, numa entrevista exclusiva ao Valor. Na Microsoft, para citar um exemplo, parte
vital do faturamento vem da infraestrutura e dos serviços de nuvem, embora a
marca continue associada ao sistema operacional Windows. O mesmo ocorre com a
Amazon, um dos principais destinos de comércio eletrônico, mas que tem na AWS,
seu braço de nuvem, um motor financeiro indispensável.
A questão é que a geral atual das “Big
Techs” não se restringe à infraestrutura. Dependendo do modelo de negócio, o
campo de atuação majoritário chega à fronteira da transcendência. Quando um
algoritmo recomenda o que comprar numa loja virtual ou sugere o que assistir no
streaming, o que se está fazendo é influenciar diretamente a vontade pessoal.
Não tem a ver com cabos, antenas, postes ou servidores. Claro que a decisão
final sobre o que fazer sempre caberá ao indivíduo, mas seria tolice minimizar
a capacidade de sugestão dos algoritmos e da inteligência artificial. Quem
duvida deveria assistir ao documentário “O Dilema das Redes” (2020), em que o diretor
americano Jeff Orlowski descreve como as redes sociais trabalham para deixar as
pessoas conectadas o maior período de tempo possível - e como isso influencia o
pensamento de indivíduos e grupos sociais.
Isso nos leva ao campo da mídia social e,
em particular, ao movimento do bilionário Elon Musk, que nesta semana comprou o
Twitter por US$ 44 bilhões. Declarações de Musk, que se autodefine como um
“absolutista da liberdade de expressão”, têm preocupado autoridades e
especialistas, que temem um afrouxamento das regras de moderação de conteúdo na
rede. A ameaça é que, com menos controle sobre o que é postado, aumente a
circulação de notícias falsas, manifestações de ódio e mensagens
preconceituosas.
Nos Estados Unidos, a Casa Branca informou
que o presidente Joe Biden reafirmou sua preocupação com o poder das “Big
Techs”, “não importa quem possui ou administra o Twitter”, e declarou que as
plataformas de mídia social “precisam ser responsabilizadas pelos danos que
causam”. Em contraste, os republicanos comemoraram o negócio, com a esperança
de que a conta do ex-presidente Donald Trump volte a ser liberada. Trump foi
banido pela direção do Twitter, que avaliou que suas mensagens na rede
contribuíram para a invasão do Congresso americano, em janeiro do ano passado.
Não é fácil estabelecer leis ou
regulamentos no campo da tecnologia porque sua matéria-prima é a inovação: os
conglomerados são precursores em suas áreas ou foram hábeis em identificar a
próxima grande onda e comprar os potenciais rivais mais bem preparados. Leva
tempo para perceber quais serão as forças dominantes, que modelos de negócio
vão prevalecer e como isso afetará a competição. A legislação se segue à
inovação, e não o contrário.
No caso dos serviços de internet, as
autoridades também demoraram a tomar uma atitude porque as novidades
tecnológicas foram muito bem-aceitas pelo consumidor. Havia um temor
generalizado de que criar regulamentos poderia desacelerar a curva de inovação.
Durante muito tempo, os usuários se sentiram satisfeitos em ter acesso a
ferramentas digitais cada vez melhores, aparentemente sem custo, alheios à
máxima de que não existe almoço grátis.
Quando se percebeu que o mercado de
publicidade on-line havia passado por uma profunda concentração, com riscos
crescentes à privacidade e impacto direto na competição em mercados de mídia e
entretenimento, o cenário já era estava dominado por pouquíssimas companhias
muito grandes, em vez de uma variedade de empresas pequenas e promissoras, como
parecia no princípio.
Nos EUA, na Europa e em alguns outros
países, como Austrália, os esforços agora são para rever esse quadro e
estabelecer regras que favoreçam a competição.
No caso da liberdade de expressão, tão
importante quanto tanto evitar brechas para a censura é não permitir que os
mecanismos de moderação de conteúdo sejam confundidos, propositalmente ou não,
com instrumentos de censura ou opressão. É desse equilíbrio que se depende para
fazer da internet - e das etapas que estão por vir, como o metaverso - uma
terra livre; não uma terra sem lei.
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