O Globo
Comemorei, na Avenida da Liberdade, os 50
anos da Revolução dos Cravos, que, sem tiros e sem sangue, libertou o país de
40 anos de ditadura fascista
Com muita inveja cívica, comemorei na
Avenida da Liberdade os 50 anos da Revolução dos Cravos, que libertou Portugal
de 40 anos da ditadura fascista e obscurantista de Salazar, que censurou,
prendeu, torturou, matou e aterrorizou com sua polícia secreta, parando o país
no tempo do medo, do atraso e da pobreza.
É o feriado mais importante de Portugal, a
data mais querida de sua História, que celebra uma revolução sem uma gota de
sangue, marcada pela coragem, serenidade e autoridade moral do capitão
Salgueiro Maia, adorado pela tropa, e uma nova geração de capitães cansados de
matar pretos e morrer nas inúteis e injustas guerras coloniais na África, que
planejam depor uma ditadura que calava, torturava e matava opositores.
Salgueiro liderou uma coluna de blindados de Santarém a Lisboa e enfrentou,
literalmente, de peito aberto os tanques do governo e um general boçal e
violento.
Foi como uma cena de duelo de faroeste. Numa rua de Lisboa, uma pequena coluna de blindados e soldados rebeldes fica cara a cara com os tanques do governo, separados por 50 passos e um tempo tecido a tensão e medo. Salgueiro desce do blindado, põe seu fuzil no chão, e com um lenço branco na mão caminha lentamente em direção ao general que grita ameaças e palavrões, dá ordens de prisão e tiros para o alto.
Com serenidade, Salgueiro tenta dialogar
para um final pacífico de uma guerra que a ditadura já perdeu, pela adesão
maciça de outros capitães e suas tropas, e, à medida que as noticias se
espalham, pela população que desobedece às ordens de ficar em casa e vai para
as ruas.
O general ordena abrir fogo contra
Salgueiro, mas ninguém obedece, seus soldados abandonam os tanques e percorrem
a rua para se unir aos rebeldes, deixando-o sozinho à frente dos tanques vazios
e do ridículo.
O povo vai para as ruas aplaudir e
agradecer os capitães e soldados libertadores com beijos e flores. Cravos
vermelhos no cano de fuzis, na boca de canhões e no peito de soldados se
tornaram o eterno símbolo de uma revolução sem tiros e sem sangue.
A velha, viciada e violenta elite militar
salazarista fica isolada nos palácios com os bispos e arcebispos da Igreja
Católica, os banqueiros e os políticos governistas, enquanto os rebeldes tomam
os quartéis e as ruas. As tropas de Salgueiro cercam o palácio do governo e ele
vai, com respeito e serenidade, dar o ultimato ao presidente Marcelo Caetano.
Tiros, mortos e feridos, só quando agentes
da PIDE, a abjeta polícia secreta, entrincheirados em sua sede, abriram fogo
contra a multidão que os cercava. Pouco depois, as tropas dos capitães
arrombavam os portões do prédio mais odiado de Portugal e os espiões,
torturadores e assassinos fugiam por saídas secretas e eram caçados como ratos
nas ruas de Lisboa.
O momento mais emocionante é a invasão do
presídio e a libertação dos presos políticos que correm para os braços de suas
famílias.
Foi a vitória da coragem e da serenidade contra a violência e o ódio.
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