Editoriais
À prova de golpes
Folha de S. Paulo
Alternância de poder e acerto de pesquisas
atestam lisura das urnas eletrônicas
Em 1996, quando as urnas eletrônicas
começaram a ser utilizadas nos principais colégios eleitorais, havia
preocupação com dificuldades que os votantes poderiam ter no manejo da
inovação. Os temores se mostraram exagerados, bem como foram poucos os
problemas técnicos naquela primeira experiência.
"O voto eletrônico, ao dificultar
fraudes e agilizar a apuração, é excelente contribuição à democracia, apesar
das pequenas falhas", anotou
a Folha na ocasião.
No pleito municipal de 2000, quando as
urnas eletrônicas passaram a ser empregadas em todo o território nacional, era
evidente o sucesso e a importância do sistema. "É notável a evolução
conquistada pela Justiça Eleitoral no que tange à organização das votações no
Brasil", escreveu este
jornal.
O país de dimensões continentais, milhares
de municípios e imensa população logrou, com tecnologia própria, organizar
eleições seguras e de resultados rapidamente conhecidos e reconhecidos, o que
contribuiu para a mais duradoura quadra de estabilidade democrática de sua
história.
Ao longo de mais de duas décadas e 13 anos eleitorais, nada se registrou que pudesse amparar as suspeitas que Jair Bolsonaro (PL) lança, interessada e irresponsavelmente, sobre as urnas. Ele próprio conquistou no período cinco mandatos de deputado federal e um de presidente da República —não sofreu derrota, aponte-se, em votações informatizadas.
A alternância de poder tem sido observada
em todas as instâncias de governo, o que desmoraliza teses conspiratórias de
favorecimento. Os terminais digitais captaram tanto a ascensão do PT nos anos
2000 quanto a onda direitista e antipolítica de 2018.
Ontem e hoje, os números apurados mostram
aderência consistente às pesquisas de intenção de voto realizadas por
institutos independentes.
O Datafolha, aliás, aponta que 82% dos
brasileiros aptos a votar declaram hoje confiar nas urnas eletrônicas, num
crescimento expressivo ante os 69% de dezembro de 2020; já a parcela dos que
não confiam encolheu de 29% para 17%. Demonstra-se com eloquência que Bolsonaro
prega no vazio.
Ou, quando muito, atiça os ânimos de alguns
poucos dispostos a participar de seus ensaios golpistas, que alternam
intimidações e recuos enquanto se mantém elevado o risco de derrota em outubro.
Trata-se de uma ofensiva estúpida contra
uma valiosa conquista nacional e, ao fim e ao cabo, contra todos os eleitores e
eleitos do país.
Ventos nórdicos
Folha de S. Paulo
Pedido de adesão de Finlândia e Suécia à
Otan é revés para Putin, mas traz risco
Desde o século 12, a Escandinávia vive uma
relação conflituosa com o colosso eurasiano situado nas suas fronteiras a
leste, hoje materializado na Rússia de Vladimir Putin.
Foram mais de dez guerras ao longo do
período. Em 1809, os suecos foram obrigados a ceder o que hoje é a Finlândia ao
Império Russo, dando à luz a notória neutralidade nórdica. Ela foi encorpada
pela posição finlandesa depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando
combateu a União Soviética em duas ocasiões.
Helsinque protegeu sua soberania com o não
alinhamento militar. Com isso, ao lado da Suécia, o país seguiu fora da Otan, a
aliança militar criada pelos Estados Unidos em 1949. Nas sete décadas até o dia
24 de fevereiro deste ano, quando Putin invadiu a Ucrânia, o distanciamento foi
conveniente.
Não que as duas nações fossem alheias ao
Ocidente: integram a União Europeia desde 1994, o que indica de que lado estão.
Mas a guerra mudou tudo.
A Finlândia saiu na frente e, na quinta
(12), declarou
querer fazer parte da Otan.
No dia seguinte, a Suécia divulgou um relatório embasando a mesma iniciativa,
que deverá ser anunciada em breve.
Moscou protestou e sugeriu que responderá
na mesma moeda ao aumento de forças junto às suas fronteiras, com o reposicionamento
de armas nucleares.
Isso traz riscos aos ocidentais, que têm
agido dentro de um limite ao armar os ucranianos sem se envolverem diretamente
no conflito. O caráter algo farsesco deste arranjo traz o temor de uma Terceira
Guerra Mundial, atômica, devidamente insuflado pelo Kremlin.
Enquanto tal cenário permanece remoto, o
Ocidente segue escalando a tensão, apostando que Putin possa curvar-se às
dificuldades militares que enfrenta em campo.
A expansão da Otan após o ocaso soviético
de 1991 é uma obsessão política da Rússia. Os EUA não foram magnânimos ao
vencer a Guerra Fria, e desde então o colegiado ganhou 14 países ex-comunistas.
Nesse sentido, um objetivo declarado por
Moscou na guerra é justamente evitar Kiev no clube.
O ressentimento russo é explicável, embora desconsidere que antes era Moscou
quem tinha aliados armados na franja leste europeia.
Dessa maneira, a eventual adesão nórdica
atesta uma grande derrota estratégica de Putin. Ela ainda pode passar por
reveses, contudo.
A Turquia, membro rebelde da Otan que é
próxima do autocrata, já expressou
reservas a Finlândia e Suécia. Com poder de veto a novos sócios,
como todos os 30 integrantes da aliança, o país deverá cobrar caro para mudar
de ideia.
Se Ancara ficar irredutível, o discurso de união contra o Kremlin será duramente atingido.
Ilusão à venda
Folha de S. Paulo
Privatização anunciada da Petrobras é
tarefa dificílima até para governo hábil
Entre os episódios que entraram para o
folclore das previsões bombásticas e nunca cumpridas do ministro Paulo Guedes,
da Economia, destaca-se a meta de arrecadar R$ 1 trilhão ou mais com a venda de
todas as empresas estatais.
É evidente que nunca se chegou perto da
cifra, calculada sabe-se lá como. Ainda na primeira metade do governo, em
agosto de 2020, o então secretário especial de Desestatização, Salim Mattar,
deixou o cargo devido à frustração com o andamento de seus projetos.
Não é que a privatização tenha ficado
inerte nos últimos anos. De acordo com o boletim oficial mais recente, em
setembro do ano passado contava-se a exorbitância de 158 estatais federais
—ainda assim 51 a menos que as 209 do início do governo Jair Bolsonaro (PL).
Essa redução, porém, deu-se basicamente por
meio de alienação, incorporação ou liquidação de subsidiárias, não de empresas
controladas diretamente pelo Tesouro Nacional. No caso destas últimas, os
empecilhos econômicos, jurídicos e políticos são muito maiores.
É com tal realidade em mente que se deve
encarar a intenção manifestada pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo
Sachsida, de fazer avançarem
estudos para a privatização da Petrobras —a maior companhia
brasileira, com patrimônio líquido de R$ 437 bilhões apurado em março deste
ano.
Egresso da equipe de Guedes, Sachsida é um
economista liberal que abraça o bolsonarismo na política. Não partilha dos
pendores intervencionistas do presidente, decerto, e tampouco parece mais
realista que o ministro da Economia.
A venda da gigante petroleira não é
factível no horizonte do mandato de Bolsonaro, na suposição de que o presidente
esteja de fato disposto a levar a ideia adiante. Mesmo se considerados prazos
mais longos, a tarefa é dificílima.
O governo sofre hoje para concretizar a
privatização da Eletrobras, proposta há quase cinco anos, ainda sob Michel Temer
(MDB), e alvo de múltiplas emendas do Congresso e debates no Tribunal de Contas
da União. Podem-se esperar resistências muito mais amplas e ferozes no caso da
Petrobras.
Esta Folha é em princípio favorável à desestatização, obviamente desde que o processo mire a eficiência econômica e o interesse social. A condução de tal empreitada depende de capacidade de convencimento e negociação, o que está longe de figurar entre os atributos da atual administração.
Lula
faz o eleitor de bobo
O
Estado de S. Paulo
Petista quer fazer o País acreditar que, se ele é ‘inocente’, então nunca houve petrolão. Ao agir assim, e prometer ‘recuperar’ a Petrobrás depois que o PT quase a destruiu, é um insulto
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter recuperado seus direitos
políticos após a anulação de suas condenações judiciais no âmbito da Operação
Lava Jato, mas isso não significa, nem de longe, que ele tenha sido absolvido
pela Justiça nem tampouco que possa apagar o passado, como tenta fazer ao
inventar um discurso sobre a Petrobras nesta pré-campanha à Presidência da
República. Ao agir assim, Lula trata como idiotas milhões de brasileiros que
não se ajoelham sob o altar do PT e que lembram muito bem como o partido tomou
a Petrobras de assalto para transformar a empresa em instrumento de política econômica
e um centro privado de financiamento de campanha e enriquecimento ilícito.
Qualquer
cidadão minimamente informado e que ainda seja capaz de analisar os fatos sem
ter o raciocínio comprometido por paixões políticas sabe que a anulação das
sentenças penais condenatórias de Lula se deu por razões de natureza
processual, não de mérito. A rigor, as decisões favoráveis ao ex-presidente
tomadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) – que, ao fim e ao cabo, lhe restituíram o direito de disputar eleições –
dizem respeito apenas aos erros cometidos pelo Ministério Público Federal (MPF)
e pela primeira instância da Justiça Federal em Curitiba; Lula não foi
“inocentado” de nada.
De
forma muito ardilosa, Lula explora essa peculiaridade de sua situação
jurídico-penal para tentar apagar o “petrolão” da história. O ex-presidente
sabe que o “mensalão” e o “petrolão” serão temas incontornáveis em sua
tentativa de voltar ao Palácio do Planalto. Logo, tenta induzir parte dos
eleitores a acreditar que, se ele próprio não foi condenado pelo maior
escândalo de corrupção da história do País, é porque não houve escândalo de
corrupção algum. Simples assim.
Lula
quer fazer o País acreditar que o “petrolão” não existiu e que ele, caso seja
eleito, vai “recuperar a Petrobras”, sabe-se lá do quê. “Nós precisamos fazer
com que a Petrobras volte a ser uma grande empresa nacional, uma das maiores do
mundo”, disse Lula no discurso de lançamento de sua pré-candidatura, no dia 7
passado. “(Temos de) Colocá-la de novo a serviço do povo brasileiro”, arrematou
o ex-presidente.
Em
primeiro lugar, é de justiça reconhecer que a Petrobras voltou a ser uma grande
empresa durante o governo de Michel Temer. Lula pode contar com a amnésia de
parte dos brasileiros, mas cabe recordar que foi durante o governo Temer que a
Petrobras se reergueu dos escombros do “petrolão” ao adotar uma administração
mais profissional, sobretudo a partir da reorientação de sua política de
preços, que passou a ser atrelada às variações do dólar e da cotação do óleo no
mercado internacional. Os resultados positivos da empresa desde então falam por
si sós.
Lula
também aposta na desinformação ao prometer “colocar a Petrobras a serviço do
povo brasileiro”. Trata-se de uma falácia eleitoreira, no melhor cenário, ou de
uma ameaça de intervenção, no pior. Embora a União seja sua maior acionista, a
Petrobras não é uma empresa estatal pura, é uma empresa de economia mista e
capital aberto. Presta-se, portanto, a atingir seus objetivos empresariais por
meio de uma gestão eficiente, com vistas a remunerar os investimentos que
recebe de seus acionistas. Não se presta a ser um instrumento de execução de
políticas públicas que favoreçam governos de turno. A corrupção, sem dúvida
alguma, causou enormes prejuízos à Petrobras e aos seus acionistas, mas foi a
apropriação da empresa durante os governos petistas, os maus investimentos que
foi obrigada a fazer e o sacrifício da boa administração em nome dos interesses
eleitorais do PT que quase a levaram à bancarrota.
Nesse
aspecto, Lula e o presidente Jair Bolsonaro têm uma ideia muito semelhante
sobre a Petrobras. Ambos enxergam a empresa como um anexo do Palácio do
Planalto. A vitória de um ou de outro na eleição presidencial de outubro
prenuncia tempos difíceis não apenas para a empresa, mas para o País.
O
mau começo do ministro Sachsida
O
Estado de S. Paulo
Ao propor a venda da Petrobras, o novo ministro de Minas e Energia pode ter servido ao presidente acuado,mas cuidou mal de um assunto sério
Começou
mal o novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, muito mais conhecido
por seu entusiasmo bolsonarista do que por sua competência para a função
recém-assumida. Seu primeiro ato, segundo anunciou, seria pedir estudos para a
desestatização da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo (PPSA), responsável pelos
contratos de exploração das jazidas oceânicas mais profundas. Não há como
realizar essas privatizações neste fim de mandato nem tem sentido discuti-las
agora. O pronunciamento de Sachsida pode ter servido, por um breve momento,
para desviar a atenção da figura de seu chefe, um presidente acuado num cenário
de inflação desatada, juros muito altos, inadimplência elevada e amplo
desarranjo da produção e do emprego.
Sachsida
substituiu um ministro, o almirante Bento Albuquerque, afastado por Bolsonaro
depois de mais uma alta do preço do diesel. Sem ter conseguido submeter a
Petrobras a seus objetivos políticos, o presidente optou por eliminar o
ministro responsável pela área energética. Na melhor hipótese, do ponto de
vista presidencial, esse ato serviria para marcar o demitido como culpado pelo
encarecimento do combustível. O almirante seria convertido em bode expiatório –
expressão usada por vários comentaristas. Mas como disfarçar a inflação de
1,06% em abril, a mais alta para o mês em 26 anos, e a taxa de 12,13% acumulada
em 12 meses?
Em
nenhum momento o novo ministro cuidou diretamente, em seu discurso inicial, dos
preços dos combustíveis ou da inflação. Sua crítica a “medidas pontuais”, de
impacto às vezes “oposto ao desejado”, poderia ser interpretada como recusa das
tentativas improvisadas de conter os aumentos nas bombas. Mas seria difícil
imaginá-lo criticando o presidente. Sachsida mostrou-se um entusiasmado
bolsonarista desde antes da eleição, em 2018, e participou, depois, de
manifestações a favor do presidente.
Sem
discutir as funções, os objetivos e problemas do Ministério de Minas e Energia,
Sachsida dedicou boa parte de seu pronunciamento a questões de política
econômica. Comentando as tendências do investidor internacional, falou sobre a
importância de apresentar o Brasil como um porto seguro para a aplicação de
capitais. Alongou essas observações, mas sem dizer se o País já tem essa imagem
ou como se poderia consolidá-la.
Não
explicou, por exemplo, como poderá ser visto como “porto seguro” um país no
qual as instituições democráticas são ameaçadas pelo presidente da República.
Não mostrou a segurança de uma economia onde se adota um orçamento secreto, as
normas fiscais são com frequência atropeladas e a política econômica é decidida
de improviso, no dia a dia, sem planejamento e sem rumo. Não indicou por que se
deve confiar num mercado com ampla instabilidade cambial, resultante
principalmente da insegurança causada pelos desmandos presidenciais. Além
disso, como desconhecer essa instabilidade, se a frequente fuga dos
investidores já é um forte sinal de insegurança?
Não
causaram surpresa a frouxidão e as omissões do discurso do novo ministro de
Minas e Energia. Como servidor do Ministério da Economia, de onde saiu para o
novo posto, Sachsida era conhecido pela insistência em mostrar um quadro sempre
melhor que a realidade vivida pelas famílias, conhecida no dia a dia dos
mercados e descrita pela imprensa profissional. Por que perder tempo criticando
as projeções do mercado e das instituições multilaterais, além das avaliações
dos jornalistas, quando o próprio ministério reduziu de 2,1% para 1,5% sua
estimativa de crescimento econômico em 2022?
Discutir
a privatização da Petrobras ou de qualquer estatal é perfeitamente razoável
quando se pensa em fortalecer uma economia de mercado. Mas o assunto envolve
questões constitucionais ligadas a valores e objetivos do Estado. Um debate
sério deve incluir considerações estratégicas e políticas, trate-se de privatização
ou de estatização. Melhor esperar o início do novo mandato presidencial para
abrir esse processo, com a participação, talvez, de atores mais
qualificados.
O
papel de um Estado moderno
O
Estado de S. Paulo
Anatel acerta ao se preocupar em criar condições para ampliar a competição no setor, e não apenas salvar empresas
No
Brasil de hoje, o papel das instituições tem sido deturpado de forma
deliberada. As Forças Armadas, cuja função constitucional é a defesa nacional,
têm sido usadas pelo presidente Jair Bolsonaro para semear dúvidas sobre o
processo eleitoral. Em um evidente abuso de prerrogativas, Bolsonaro usa o
dispositivo do perdão presidencial para beneficiar um aliado, afrontar o
Supremo Tribunal Federal (STF) e reacender o ânimo de seus seguidores. Câmara e
Senado assumiram o controle do Orçamento para favorecer interesses paroquiais.
Em um contexto de confusão generalizada, é auspicioso, portanto, que haja algum
discernimento dentro do governo, como demonstrou o novo presidente da Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Manuel Baigorri, ao Estadão.
Os
avanços tecnológicos nas telecomunicações são inegáveis. Há menos de 30 anos, o
País registrava filas de espera para linhas de telefonia fixa que se contavam
em anos, algo impensável para as novas gerações. Os celulares servem para tudo
– troca de mensagens, câmeras fotográficas, transações bancárias, instrumentos
de geolocalização e, inclusive, ligações. A internet proporcionou que o
necessário isolamento social no auge da pandemia de covid-19 fosse menos penoso
para toda a sociedade. No Brasil, isso tudo foi fruto da privatização da
Telebras, realizada no fim da década de 1990. Não restam dúvidas de que todo
esse desenvolvimento não seria possível sem a presença de empresas privadas
concorrendo entre si.
Esse
ambiente competitivo, porém, não nasce de forma natural. Em um setor que tende
à consolidação e que possui uma demanda crescente de investimentos, é dever de
um Estado moderno criar regras que possibilitem o surgimento e a sobrevivência
de novos negócios. Essa foi a essência da mensagem do presidente da Anatel ao
pregar esforços para garantir o estabelecimento de um quarto operador regional
no mercado. O formato do leilão do 5G, realizado no ano passado, foi um passo
nessa direção, quando assegurou que uma parte das frequências fosse reservada a
empresas de menor porte. Agora, após o fatiamento das operações da Oi móvel
entre Vivo, Claro e TIM, a agência reguladora promete fiscalizar o cumprimento,
por parte das três, das contrapartidas impostas para fechar a compra – como
obrigações de ofertas de roaming e de serviços a operadoras de redes móveis
virtuais e compromissos de compartilhamento de espectro.
Muitos
erros foram cometidos no passado recente com base na premissa de fazer da Oi
uma campeã nacional do setor. O desfecho da história da operadora, a despeito
do rol de mudanças legais e regulatórias encomendadas por administrações
petistas, é prova incontestável de que a tarefa de salvá-la nunca deveria ter
sido assumida por nenhum governo. Por outro lado, estabelecer condições para
que o mercado se ajuste, garantir um ambiente saudável para pequenas e médias
empresas e fiscalizar o cumprimento de contrapartidas impostas às grandes
companhias é, precisamente, função do Estado e, em particular, da Anatel.
A decepção no setor de infraestrutura
O Globo
Um dos maiores problemas do Brasil é a
produtividade baixa — e ela tem relação óbvia com falta de investimento em infraestrutura, como estradas,
saneamento, energia, telecomunicações, portos e mobilidade urbana. Em 1980, um
trabalhador americano produzia, em média, o equivalente a três brasileiros ou
seis coreanos. Hoje o americano continua sendo mais produtivo, mas é preciso
contar com mais brasileiros (cinco) e menos coreanos (dois).
Para acabar com esse desequilíbrio, o
investimento em infraestrutura é urgente. É verdade que também temos de avançar
em educação e acesso a capital, mas um brasileiro com a mesma educação e
quantidade de recursos que um americano continuará produzindo menos. O caminhão
com insumos demorará mais a chegar, o funcionário levará mais tempo entre a
casa e o trabalho, ficará mais cansado, terá mais problemas de saúde.
Essa é mais uma área em que o governo de
Jair Bolsonaro decepcionou. Entre 2019 e 2021, o investimento em infraestrutura
no Brasil diminuiu na comparação com o período entre 2016 e 2018. Em valores
médios anuais corrigidos pela inflação, saímos de R$ 151,1 bilhões (ou 1,76% do
PIB) para R$ 140,4 bilhões (1,73%), segundo dados publicados neste mês pela
consultoria Inter.B. É muito pouco perto da nossa necessidade mínima para
resgatar o crescimento: duas décadas ininterruptas com investimento da ordem de
3,64% do PIB.
Bolsonaro foi duplamente incapaz: não
manteve o volume de recursos públicos, tampouco permitiu atrair mais capital
privado. Muitos investidores estrangeiros decidiram não pôr dinheiro aqui por
causa da destruição da reputação do país: devastação ambiental, ameaças a
indígenas, ministros delirantes, negacionismo na pandemia e ataques à
democracia. “Uma frase muito repetida é ‘vamos aguardar’ ”, afirma o economista
Claudio Frischtak, da Inter.B.
Ao aliar-se ao Centrão, Bolsonaro desistiu
de aperfeiçoar a governança na relação do Estado com as empresas, um problema
histórico. Promoveu um sem-número de desatinos: dinheiro alocado sem
racionalidade técnica por meio das emendas do relator; o jabuti das térmicas
encarecendo a energia na lei de privatização da Eletrobras; para completar, a
discussão na Câmara para barrar aumentos da conta de luz e a articulação para
financiar com dinheiro público gasodutos sem nenhuma lógica econômica.
Nem tudo deu errado. A aprovação do novo
marco do saneamento foi um dos avanços. A privatização da Cedae e de aeroportos
atraiu novos investidores, apesar da lentidão nos novos leilões. Mas foi pouco
diante do que o país precisa. Mantido o ritmo atual de investimento, o Brasil
chegará a 2040 como a grande economia mais distante do estágio ideal, segundo a
Global Infrastructure Hub, ligada ao G20.
Para os padrões internacionais, o setor
privado tem no Brasil uma participação alta nos investimentos em infraestrutura
(de dois terços). Mas não há outra saída senão aumentá-la. A crise fiscal
inviabiliza os investimentos públicos. Sem atrair novos investidores, o nó da
infraestrutura não será desfeito.
É inaceitável a profusão de pistas de pouso
do garimpo ilegal na terra ianomâmi
O Globo
O garimpo clandestino tem transformado as
terras ianomâmis, maior reserva indígena do Brasil, num polo de ilegalidade. É
um escândalo haver 277 pistas de pouso na comunidade. O número consta de
mapeamento feito pelo próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama),
como revelou reportagem do GLOBO. Pode haver ainda mais. Uma ação do Ministério
Público Federal (MPF) afirma que a fiscalização cobre apenas um terço da
logística de apoio ao garimpo.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), que
deveria proteger essas comunidades, também tem conhecimento da aberração.
Relatórios sigilosos da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente
Contato, a que O GLOBO teve acesso, mostram o avanço contumaz dessa
infraestrutura ilegal durante o governo Bolsonaro. Em 2019, havia três pistas
de pouso e 14 helipontos ao longo do Rio Mucajaí, uma das principais regiões
exploradas pelo garimpo. No fim do ano passado, uma ação da Secretaria de
Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça identificou 87
instalações desse tipo.
Além dos danos óbvios, como devastação da
floresta e contaminação dos rios por mercúrio, a atividade traz riscos para a
aviação comercial. Em março de 2021, um avião da Latam que ia para o aeroporto
de Boa Vista, capital de Roraima, teve de arremeter para não colidir com um
helicóptero do garimpo.
Certamente não é coincidência que as pistas
de pouso tenham se multiplicado na gestão Bolsonaro. A leniência com que o
governo trata madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais é um incentivo à
proliferação de atividades clandestinas que degradam a floresta e expõem os povos
indígenas a doenças. A fiscalização por vezes é inócua. O Ministério
Público Federal afirma que 29 aeronaves apreendidas em operações voltaram a
operar no garimpo. Por isso recomendou que elas fossem destruídas ou ganhassem
novo destino.
O drama imposto aos povos ianomâmis tem
sido notório e está longe de se restringir aos danos ambientais. Relatórios de
lideranças indígenas fazem acusações de aliciamento de menores, abuso sexual de mulheres e
crianças, trabalho forçado e oferecimento de bebidas alcoólicas, além de
outras barbaridades. No fim do mês passado, Júnior Hekurari Yanomami,
presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’Kwana
(Condisi-YY), denunciou que uma menina de 12 anos fora estuprada e morta por
garimpeiros. A Polícia Federal fez operação na região e não comprovou a
denúncia. Junior alegou que os indígenas haviam sido silenciados pelos
invasores.
Se o governo sabe que existem pistas de
pouso clandestinas nas terras ianomâmis, deveria inutilizá-las, além de
apreender aeronaves e maquinário. Seria uma forma de atacar a infraestrutura
que sustenta cerca de 20 mil garimpeiros ilegais. Operações eventuais não
resolverão, especialmente diante do desmonte das estruturas de fiscalização.
Com uma política ambiental tóxica, em três anos e meio Bolsonaro deixou o garimpo
ilegal se expandir pela floresta. Será bem mais difícil combatê-lo. Se é que
ele quer.
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