O Globo
A economia tem razões que a política
desconhece. A inflação tem impacto na eleição, porque o chefe do Executivo sempre
será responsabilizado pelo desconforto econômico que ela provoca. A alta dos
preços é um problema terrível, mas ajuda os governos, pelo menos no curto
prazo, porque eleva a arrecadação e torna mais fácil arbitrar os conflitos.
Para se ter uma ideia, se a inflação continuar em dois dígitos, como está
agora, será fácil cumprir a regra do teto de gastos no ano que vem. Como nem
todas as despesas são indexadas e as receitas crescem conforme a inflação, isso
abre espaço no teto. O cálculo no mercado é de um espaço, por enquanto, de R$
30 bilhões em 2023.
A inflação é o inimigo da economia e tem que ser combatida, porque seu efeito mais perverso é tirar renda dos mais pobres e vulneráveis. Mas tem efeitos aleatórios, como esse, de tornar mais fácil a redução da dívida pública.
O ex-presidente Lula disse que se for
eleito vai acabar com o teto de gastos, o presidente Bolsonaro também prometeu
mudá-lo. Tudo inútil porque a regra já foi alterada várias vezes pela dupla
Bolsonaro-Guedes. O teto já não é o que foi quando ajudou a derrubar a inflação
de dois dígitos para o centro da meta ao ser implantado no governo Temer. Se a
inflação for constante e crescente, torna ainda mais fácil alocar os recursos.
Com teto ou sem ele sempre foi assim. A alta dos preços machuca a sociedade,
mas ajuda os governos. É por isso que levou tanto tempo a ser enfrentada no
Brasil. Derrotada pelo Plano Real, depois de uma longa luta, ela está voltando
a níveis perigosos no governo Bolsonaro.
Os aumentos dos preços do petróleo, e seus
derivados, irritam a classe média, alimentam a inflação, perturbam as empresas.
Mas levam muito dinheiro para os cofres públicos. Um dos cálculos que vi no
mercado financeiro mostra que se o petróleo ficar em US$ 115, e o dólar em R$
5,00, a receita do setor público relacionada ao produto será de 3% do PIB, a
fortuna de R$ 360 bilhões em 2022. Se ficar em US$ 100, as receitas serão de
2,7% do PIB. Isso tornará mais fácil ter equilíbrio nas contas públicas, no
governo central e nos estados.
Uma das modificações na regra do teto de
gastos tirou o incentivo que o governo federal tinha de buscar a inflação mais
baixa em surtos inflacionários. Quando o teto foi criado, a regra era que ele
seria corrigido pela inflação do meio do ano, e as despesas indexadas pelo índice
do final do ano. Havia uma razão para isso. Era importante já saber, no meio do
ano, o espaço das despesas para preparar um orçamento mais realista. No começo
do ano passado, as projeções eram que a inflação atingiria o ponto máximo em
junho e depois cairia. Isso faria o teto subir pelo pico, e os benefícios, o
salário mínimo, despesas previdenciárias crescerem menos. Haveria um espaço
para gastar. O problema é que a inflação não seguiu a previsão. Ela acelerou. E
esse “espaço fiscal” sumiu. O Ministério da Economia se comportou como se
tivesse sido lesado e mudou a regra. Foi feita uma alteração constitucional
para isso. Um absurdo completo. Agora, tanto o teto quanto as despesas
indexadas sobem pela inflação do fim do ano. Como nem todas as despesas são
indexadas, o resultado da maluquice é que quanto maior for a inflação, mais
folga haverá e mais fácil será arbitrar os conflitos.
A inflação tem essa ambiguidade. Se subir,
ajuda o governo, mas aumenta a impopularidade do governante. Ele pode reagir
fazendo pacote de bondades e ainda dizer que cumpriu metas fiscais.
E o que vai acontecer com a inflação deste
ano? Em geral, os economistas preveem que o acumulado de 12 meses cairá ao
longo do segundo semestre, saindo de dois dígitos. O economista-chefe do Banco
Alfa, Luis Otávio Leal, fez uns exercícios para a coluna. Se a inflação média
do segundo semestre for igual à de 2020, quando a economia estava se
recuperando do primeiro semestre ruim, só voltaria a um dígito em novembro.
Seriam 14 meses de dois dígitos, algo inédito na era Real. Se for igual ao
segundo semestre do ano passado, em que houve vários choques, só volta a um
dígito em fevereiro de 2023 completando 18 meses.
Esse é o cenário de fundo da disputa
eleitoral este ano. Na política, a inflação alta sempre prejudicou o
governante. Na economia, tem efeitos contraditórios, tira renda das famílias,
mas favorece as contas públicas. O mais aconselhável sempre será lutar contra
ela.
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