domingo, 15 de maio de 2022

Míriam Leitão: O contraditório efeito da inflação

O Globo

A economia tem razões que a política desconhece. A inflação tem impacto na eleição, porque o chefe do Executivo sempre será responsabilizado pelo desconforto econômico que ela provoca. A alta dos preços é um problema terrível, mas ajuda os governos, pelo menos no curto prazo, porque eleva a arrecadação e torna mais fácil arbitrar os conflitos. Para se ter uma ideia, se a inflação continuar em dois dígitos, como está agora, será fácil cumprir a regra do teto de gastos no ano que vem. Como nem todas as despesas são indexadas e as receitas crescem conforme a inflação, isso abre espaço no teto. O cálculo no mercado é de um espaço, por enquanto, de R$ 30 bilhões em 2023.

A inflação é o inimigo da economia e tem que ser combatida, porque seu efeito mais perverso é tirar renda dos mais pobres e vulneráveis. Mas tem efeitos aleatórios, como esse, de tornar mais fácil a redução da dívida pública.

O ex-presidente Lula disse que se for eleito vai acabar com o teto de gastos, o presidente Bolsonaro também prometeu mudá-lo. Tudo inútil porque a regra já foi alterada várias vezes pela dupla Bolsonaro-Guedes. O teto já não é o que foi quando ajudou a derrubar a inflação de dois dígitos para o centro da meta ao ser implantado no governo Temer. Se a inflação for constante e crescente, torna ainda mais fácil alocar os recursos. Com teto ou sem ele sempre foi assim. A alta dos preços machuca a sociedade, mas ajuda os governos. É por isso que levou tanto tempo a ser enfrentada no Brasil. Derrotada pelo Plano Real, depois de uma longa luta, ela está voltando a níveis perigosos no governo Bolsonaro.

Os aumentos dos preços do petróleo, e seus derivados, irritam a classe média, alimentam a inflação, perturbam as empresas. Mas levam muito dinheiro para os cofres públicos. Um dos cálculos que vi no mercado financeiro mostra que se o petróleo ficar em US$ 115, e o dólar em R$ 5,00, a receita do setor público relacionada ao produto será de 3% do PIB, a fortuna de R$ 360 bilhões em 2022. Se ficar em US$ 100, as receitas serão de 2,7% do PIB. Isso tornará mais fácil ter equilíbrio nas contas públicas, no governo central e nos estados.

Uma das modificações na regra do teto de gastos tirou o incentivo que o governo federal tinha de buscar a inflação mais baixa em surtos inflacionários. Quando o teto foi criado, a regra era que ele seria corrigido pela inflação do meio do ano, e as despesas indexadas pelo índice do final do ano. Havia uma razão para isso. Era importante já saber, no meio do ano, o espaço das despesas para preparar um orçamento mais realista. No começo do ano passado, as projeções eram que a inflação atingiria o ponto máximo em junho e depois cairia. Isso faria o teto subir pelo pico, e os benefícios, o salário mínimo, despesas previdenciárias crescerem menos. Haveria um espaço para gastar. O problema é que a inflação não seguiu a previsão. Ela acelerou. E esse “espaço fiscal” sumiu. O Ministério da Economia se comportou como se tivesse sido lesado e mudou a regra. Foi feita uma alteração constitucional para isso. Um absurdo completo. Agora, tanto o teto quanto as despesas indexadas sobem pela inflação do fim do ano. Como nem todas as despesas são indexadas, o resultado da maluquice é que quanto maior for a inflação, mais folga haverá e mais fácil será arbitrar os conflitos.

A inflação tem essa ambiguidade. Se subir, ajuda o governo, mas aumenta a impopularidade do governante. Ele pode reagir fazendo pacote de bondades e ainda dizer que cumpriu metas fiscais.

E o que vai acontecer com a inflação deste ano? Em geral, os economistas preveem que o acumulado de 12 meses cairá ao longo do segundo semestre, saindo de dois dígitos. O economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otávio Leal, fez uns exercícios para a coluna. Se a inflação média do segundo semestre for igual à de 2020, quando a economia estava se recuperando do primeiro semestre ruim, só voltaria a um dígito em novembro. Seriam 14 meses de dois dígitos, algo inédito na era Real. Se for igual ao segundo semestre do ano passado, em que houve vários choques, só volta a um dígito em fevereiro de 2023 completando 18 meses.

Esse é o cenário de fundo da disputa eleitoral este ano. Na política, a inflação alta sempre prejudicou o governante. Na economia, tem efeitos contraditórios, tira renda das famílias, mas favorece as contas públicas. O mais aconselhável sempre será lutar contra ela.

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