O Globo
As Forças Armadas andam muito suscetíveis
às críticas que recebem das “forças desarmadas”, expressão do presidente do
Tribunal Superior Eleitoral(TSE) ministro Edson Fachin que provocou mais um
impasse retórico entre os militares e o Judiciário. Quando disse que “quem
trata das eleições são as forças desarmadas”, Fachin tinha um objetivo claro:
advertir que não serão admitidas, dentro dos marcos legais,
interferências externas no sistema eleitoral das urnas eletrônicas.
Logo surgiram outros “recados” do lado militar, afirmando que se sentiram
atacados pela frase do ministro do STF e presidente do TSE, assim como se
sentiram “ofendidos” pelo comentário do ministro do STF Luis Roberto Barroso
quando disse que os militares estavam sendo “orientados” para desacreditarem as
urnas eletrônicas. Em nenhum dos casos houve ofensa, apenas reação a fatos
concretos que estão à vista de todos.
O presidente Bolsonaro, que, como sempre, ensaiara um recuo em seus ataques
diante da agudeza da frase de Fachin, voltou a eles quando constatou que os
militares sentiram-se mal com as criticas do TSE. Não age como um líder
democrático que tenta apaziguar os ânimos quando estes estão acirrados. Diz-se
que as crises entravam no gabinete do então presidente Fernando Henrique
Cardoso maiores do que saiam.
Com Bolsonaro é ao contrário, ele alimenta a crise com os militares, pois é ela
que o coloca como a alternativa de defesa de seus pares, enquanto vende a tese
internamente de que a volta do PT ao governo será o caminho para transformar o
Brasil num país “comunista”.
No momento, a crise vai sendo cozinhada em fogo brando, mas o andar dos
processos no Supremo Tribunal Federal, agora unificados, transformando as
atividades de divulgação de fake news parte da campanha contra as urnas
eletrônicas, pode trazer problemas jurídicos para o presidente da República e
seus filhos. Se Bolsonaro não aceitava perder a reeleição antes, agora mesmo é
que os fantasmas que o assombram exigirão ainda mais ações radicalizadas para
barrar uma vitória provável do ex-presidente Lula.
Por isso, o ministro Fachin foi assertivo mais uma vez: “Ninguém e nada
interferirá na Justiça Eleitoral. Nós não admitiremos do ponto de vista da
Justiça Eleitoral qualquer circunstância que obste a manifestação da vontade
soberana do povo brasileiro de escolher seus representantes. Uma geração deu
sua vida durante 21 anos da ditadura civil-militar nesse país para que nós
pudéssemos a partir de 88 exercer o direito de escolher. E cada um, de forma
livre e consciente, cada um segundo a sua cosmovisão. Quem vai ganhar as
eleições de 2022 no Brasil é a democracia”.
O ministro Edson Fachin é visto pelos militares como um dos ministros
favoráveis a Lula. Sua decisão de anular processos contra Lula por erro de
jurisdição é interpretada como uma ação para inocentar Lula, quando, na
verdade, Fachin queria impedir que a Segunda Turma considerasse o ex-juiz
Sérgio Moro parcial e suspeito.
O Congresso Brasileiro de Magistrados, que se realiza em Salvador, acabou sendo
o palco de reverberação desses desentendimentos. O ministro do STF Alexandre de
Moraes, que presidirá o TSE durante as eleições, afirmou ontem que a democracia
no Brasil será garantida nas eleições de outubro com uma votação “limpa e
transparente” por meio das urnas eletrônicas.
Moraes disse ainda que o Poder Judiciário não vai “se acovardar” diante das
milícias digitais. “O Judiciário não pode baixar a cabeça para movimentos
populistas”, afirmou. “As milícias digitais produzem conteúdo falso, notícias
fraudulentas. Já o ministro do STF Luís Roberto Barroso afirmou que a
democracia passa por um processo de “erosão” em todo o mundo.“A democracia foi
a ideologia vitoriosa no século XX, mas nos últimos tempos alguma coisa não parece
estar bem. É um período que está sendo chamado de “recessão democrática”,
“legalismo autocrático”, e outros nomes para esse momento de erosão da
democracia”. Barroso, que presidiu o TSE na fase de testes das urnas, e
enfrentou a campanha contra o sistema eletrônico de votação, exortou a
que os democratas se unam para encontrar caminhos para superar essa “recessão
democrática”.
O que está em jogo nesse embate sem sentido sobre as urnas eletrônicas é
fundamentalmente a democracia brasileira. Não é possível que em uma democracia,
os vencedores da eleição sejam escolhidos a dedo, e outros vetados.
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