Folha de S. Paulo
Disputa pelo gasto público vai se acirrar e
pode afundar governo já no ano que vem
O gasto do governo federal com militares
ficou estável em relação a 2019 ou 2017, se a despesa é calculada como
proporção do PIB
(da renda anual da economia).
A despesa com militares da ativa e seus
aposentados e pensionistas cresceu, sim. Mas cresceu quase tanto quanto o PIB,
quanto a economia.
A despesa com servidores civis diminuiu
0,46% do PIB desde 2019. Seus salários foram em geral congelados; os militares
tiveram rearranjos na carreira e uma
Previdência especial, cortesia de Jair
Bolsonaro.
Mas o assunto aqui não é essa diferença de
tratamento. A diferença entre civis e militares é apenas um exemplo da grande
disputa por dinheiros públicos (e privados, via impostos), que vai se acirrar a
partir de 2023.
Deixando de lado outras consequências sérias, por ora, para financiar a despesa extra haverá mais impostos ou mais dívida. Mesmo com a reformulação ou abandono do teto de gastos, haverá disputas graves.
Em termos estritos, o teto foi um limite de
despesa apenas em 2018 e 2019. Em 2017, primeiro ano de vigência, o teto era
alto. Michel
Temer aumentou despesas para si antes de limitá-las para governos
seguintes.
Em 2020 e 2021, houve
gastos extraordinários com a epidemia, com um resto relevante neste 2022,
que tem despesas infladas ainda pelas gambiarras
aprovadas no final do ano passado.
Em fins de 2019, era evidente que o teto
logo viria a ser estourado ou haveria cortes incapacitantes na despesa do
governo. Em 2023, o problema vai voltar, piorado pelas ilusões eufóricas da
eleição.
O governo ora gasta menos do que no final
de 2019 (na despesa calculada como proporção do PIB). O grosso do "ajuste"
ocorreu por meio de redução de despesa com pessoal civil, Previdência do
INSS, abono salarial e seguro-desemprego e custeio administrativo.
Ainda assim, o governo federal tem déficit,
mesmo sem contar a despesa com juros. A partir de 2023, a dívida vai crescer,
pois a receita não vai aumentar tão rápido como agora (cortesia de inflação e
commodities), haverá mais juros para pagar e o crescimento do PIB será
baixíssimo (ou um tico melhor, se o eleito promover um "choque de
confiança" no final do ano).
Os servidores civis vão querer reajuste.
Haverá pressão pelo reajuste
do salário mínimo além da inflação, o que elevará despesas previdenciárias.
O governo federal quererá aumentar o gasto
em obras. A despesa de investimento é praticamente a metade do que era (em
termos de PIB) à de Lula 2 e Dilma 1.
Parte da despesa de investimento é dirigida
para obras paroquiais e de baixo impacto econômico, determinadas por emendas
parlamentares. O valor das emendas quase triplicou de 2019 para 2021. Ora
equivale a mais de metade do investimento federal. Vai haver disputa aqui ou
aumento grande de despesa, pois os parlamentares não vão abrir mão desse poder
rendoso.
De onde sairia dinheiro para um programa
mínimo social (SUS, casas, creches, renda básica)?
Sem remanejamento e controle das maiores
despesas atuais (Previdência e salários crescendo menos do que o PIB), sairia
de mais imposto (ou redução de favores tributários, o que dá na mesma) e/ou de
mais dívida. Mesmo que se acredite na ideia temerária de que mais despesa
resulta em mais crescimento do PIB, no curto prazo vai haver apenas mais
dívida. A perspectiva de que a dívida pública vá crescer sem limite dará em
besteira.
É possível mudar sem que tudo vá pelos
ares, sem que o próximo governo comece a afundar já em 2023. Mas a situação
socioeconômica, política, das contas públicas e da economia mundial é
muitíssimo pior do que em 2003. Como tentar fazer essa mágica será tema de
outras colunas.
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