Correio Braziliense / Estado de Minas
O presidente da Rússia,
Vladimir Putin, está ficando sem opções que não sejam humilhantes. A guerra
pode lhe custar o poder, a grande aposta de Biden e dos líderes europeus
A guerra da Ucrânia está sendo para a
Rússia de Vladimir Putin o que o Vietnã representou para os Estados Unidos. É
uma guerra por procuração, na qual o que existe de mais moderno em termos de
guerra híbrida está sendo empregado pela Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan), liderada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, contra as tropas
russas invasoras. Se havia alguma dúvida quanto a isso, dois vazamentos de
informações foram esclarecedores:
No primeiro, o Times revelou que “os EUA
forneceram informações de inteligência a respeito de unidades russas que
permitiram aos ucranianos localizar e matar muitos dos generais russos que
morreram em ação na guerra da Ucrânia, de acordo com graduadas autoridades
americanas”. No segundo, após uma reportagem da NBC News, o Times noticiou que
os EUA “forneceram informações de inteligência que ajudaram as forças
ucranianas a localizar e atacar” o Moskva, o principal navio de guerra da
esquadra russa no Mar Negro, que, depois, naufragou.
Na época da guerra fria, o equilíbrio estratégico militar entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética permitia que direita e esquerda disputassem o poder nos seus respectivos países, sobretudo na Europa, por uma via democrática, exceto nas áreas de influência das duas potências. Na zona do agrião, como diria o comentarista de futebol João Saldanha, as duas potências entravam de sola: foi assim na Hungria e antiga Checoslováquia, invadidas pelas tropas do Pacto de Varsóvia; e na América Latina, onde as intervenções diretas e os golpes militares apoiados pelos Estados Unidos barraram a ascensão da esquerda durante quase toda a guerra fria. A “crise dos mísseis” em Cuba, a exceção, em 1962, quase levou o mundo à guerra nuclear.
A derrota americana no Vietnã foi o
primeiro de uma série de eventos nos quais os Estados Unidos fracassaram, como
na Revolução Iraniana e no Afeganistão. A derrota soviética nesse país pode ser
considerada o sinal de que a desintegração da União Soviética estava mais
próxima do que se imaginava, antes mesmo que a queda do Muro de Berlim. O
colapso do chamado “socialismo real” deu aos Estados Unidos a hegemonia nesse
novo mundo unipolar, no qual a globalização avançou protagonizada por políticas
neoliberais e a Otan demonstrou seu poder de intervenção na Sérvia, no Iraque,
na Líbia e no Afeganistão. A emergência da China como potência econômica, nas
últimas duas décadas, porém, colocou essa hegemonia em xeque no plano
econômico.
Derrota anunciada
A Rússia já está derrotada, moralmente e
financeiramente. Ao afrontar a Organização do Tratado do Atlântico Norte, Putin
pavimentou o caminho para sua expansão, inclusive para países tradicionalmente
neutros, como a vizinha Finlândia e a Suécia. Os dois países participaram da
reunião da Otan realizada ontem, na qual a Turquia retirou suas objeções à
expansão do organismo. Com isso, a Rússia fica extremamente isolada no Mar
Báltico. O problema é que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, está ficando
sem opções que não sejam humilhantes. A guerra pode lhe custar o poder, a
grande aposta de Biden e dos líderes europeus.
Biden mantém uma posição firme, mas também
não sabe como sair da confrontação com a Rússia. O presidente da Ucrânia,
Volodymyr Zelenski, trabalha para tornar a Ucrânia membro da Otan ou obter um
pacto militar bilateral com os Estados Unidos. Ambos acreditam que a Ucrânia
pode pôr os russos para correr. Putin fracassou no seu objetivo original: tomar
Kiev e mudar o regime ucraniano; agora, corre o risco de fracassar na tentativa
de controlar o antigo centro industrial da Ucrânia, a região do Donbass, cuja
população tem origem russa em sua maioria, numa guerra mais longa e muito
desgastante.
A distância entre Washington e Hanói é de
13.336 km; entre Kiev e Moscou, são apenas 775 km. A doutrina militar russa se
baseia na profundidade do território e na guerra aeroespacial. Uma derrota na
Ucrânia nem se compara à dos Estados Unidos no Vietnã. Putin tem duas possibilidades:
jogar a toalha e bater em retirada, diante da resistência crescente do Exército
ucraniano, armado e assessorado pelos serviços de inteligência dos Estados
Unidos, ou escalar a guerra convencional e destruir a Ucrânia, com
consequências imprevisíveis, porque isso pode resultar numa intervenção direta
da Otan, como aconteceu com a Sérvia. A diferença é que a Rússia tem um arsenal
nuclear.
Em termos globais, há outros aspectos a
serem considerados: (1) As sanções econômicas adotadas contra a Rússia utilizam
com êxito toda a institucionalidade da economia mundial; (2) o Reino Unido
pós-Brexit, fora da União Europeia, em aliança com os Estados Unidos, reafirmou
sua hegemonia político-militar na Europa; (3) a Alemanha e a França perderam o
protagonismo;(4) a guerra da Ucrânia também serve de advertência à China, em
relação a Taiwan; (5) o pacto militar entre Estados Unidos, Reino Unido e
Austrália e os acordos bilaterais da Austrália com o Japão e a Índia
representam a expansão da Otan para o Indo-Pacífico, principal eixo do comercio
mundial hegemonizado pela China.
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