segunda-feira, 9 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A parte da elite que apoia o atraso

O Estado de S. Paulo

Seduzidos pelas canetadas populistas de Bolsonaro, alguns empresários flertam com o apoio à sua reeleição, atentando não só contra os interesses nacionais, mas contra o seu próprio

Desde as eleições de 2018, entrou na cena pública um escrete de folclóricos empresários bolsonaristas, tão histriônicos e incorrigíveis como o seu “mito”. Mas, às vésperas de novas eleições, segundo a colunista do Estado Adriana Fernandes, novas lideranças empresariais têm flertado com o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro. Com assombrosa capacidade de abstração, elas excluem de seus cálculos a mistura de estagnação econômica, autoritarismo político, indigência administrativa, instabilidade institucional e degradação moral que é o governo Bolsonaro.

A psique infantil e insegura do presidente; as afrontas ao decoro e à liturgia do cargo; as relações obscuras com milicianos; a truculência no debate público; as crises institucionais artificiais; as calúnias ao sistema eleitoral e as ameaças de descumprir a vontade das urnas; a degradação da administração federal; o obscurantismo que asfixia a educação, a cultura e a ciência; a devastação do patrimônio ambiental; o nanismo diplomático que, oscilando entre a negligência geopolítica e os insultos a parceiros internacionais, resultou num descrédito sem precedentes; o escárnio pelas minorias; a sabotagem às medidas de contenção do vírus da covid-19 e à imunização, resultando em milhares de mortes evitáveis; o descompromisso com as reformas e privatizações, malgrado suas tonitruantes promessas eleitorais; o sequestro do Orçamento com os fisiologistas do Centrão e a deterioração das contas públicas; os indícios de corrupção na compra de vacinas, verbas escolares e licenças a criminosos ambientais; a captura da máquina pública para fins eleitoreiros; a predisposição a privilegiar interesses familiares sobre os corporativos, os corporativos sobre os de governo e os de governo sobre os de Estado – nenhuma dessas mostras de incompatibilidade com os deveres de um estadista parece pesar na intenção de voto desses empresários.

Tampouco os motiva a estratégia do “voto útil” contra o suposto “mal maior”, questionável, mas compreensível, ante a ameaça do mandarinato lulopetista de recobrar o poder e restabelecer seu desenvolvimentismo irresponsável, sua hostilidade ao livre mercado, os gastos descontrolados, o aparelhamento do Estado e a capilarização da corrupção, tendo como corolário o retrocesso socioeconômico.

Não, as razões são mais primárias e constrangedoras: uma mescla de egoísmo e credulidade.

Entusiasmados com uma momentânea melhora nos indicadores econômicos, afagados por benefícios, créditos e isenções sacados a golpes da caneta presidencial, encantados pelos gráficos fabricados no Ministério da Economia e pelas gesticulações do seu “superministro”, esses empresários parecem comprar um pacote de inovações “estruturais” prometidas para o próximo mandato.

A novidade não é a insensibilidade com o opróbrio da esmagadora maioria de seus conterrâneos, a fome, o desemprego, a inflação que corrói a renda das famílias pobres. Essa indiferença é moeda corrente em parte significativa das elites nacionais. O surpreendente é a ignorância em relação aos seus próprios interesses. Com tantos anos de experiência, essa parcela do empresariado parece que ainda não entendeu que os votos comprados pelo populismo hoje cobram juros escorchantes amanhã, seja pela fuga de capitais, escassez de investimentos públicos, deterioração do capital humano e degradação institucional, seja pelos demais ingredientes que alimentam a estagnação da economia, a incivilidade nas ruas ou a rapacidade das classes políticas.

Que esse engano é autoengano, ou seja, que ainda resta um laivo recôndito de preocupação republicana, depreende-se do relato da colunista Adriana Fernandes, segundo o qual “o apoio à reeleição é ainda envergonhado”.

Diversas vezes a elite empresarial e suas associações se manifestaram contra os desmandos de Bolsonaro na área ambiental, educacional, sanitária ou diplomática. É hora de se mobilizarem para expor tudo o que há de vergonhoso no voto de seus colegas seduzidos pelo canto desafinado da sereia bolsonarista. Se não for pelos interesses nacionais, que seja ao menos para preservar seus próprios interesses.

Ataques bilionários à ordem federativa

O Estado de S. Paulo

Ações eleitoreiras do presidente, com apoio no Congresso Nacional, sujeitam Estados, municípios e Distrito Federal a grandes perdas financeiras

O Brasil, vejam só, é uma república federativa, expressão usada no artigo 1.º da Constituição, mas esse detalhe tem sido negligenciado, em Brasília, quando se trata de conter o preço do óleo diesel e favorecer o presidente Jair Bolsonaro. Pela mesma Constituição, a Câmara dos Deputados “compõe-se de representantes do povo” e o Senado, “de representantes dos Estados e do Distrito Federal”. Se essas palavras fossem levadas a sério no Congresso, dificilmente os cofres estaduais estariam correndo o risco de perder R$ 57,4 bilhões por causa da redução de impostos sobre combustíveis e outros produtos. Essa perda potencial foi noticiada pelo Estadão, com base em estimativas das Fazendas estaduais.

Presidente do Senado e do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) defende a revisão, pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), da decisão tomada em 24 de março a respeito da tributação do óleo diesel pelos Estados. Nessa ocasião, o Conselho decidiu unificar em R$ 1,006 o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado na comercialização do diesel. O acordo foi uma forma de atender à Lei Complementar n.º 192, aprovada neste ano. Essa lei determinou a adoção de uma alíquota unificada pelos Estados.

Os governos estaduais obedeceram à lei, mas tentando preservar seus interesses fiscais e administrativos. O presidente do Senado chamou de estranha essa tentativa. Segundo ele, causou “estranheza” o estabelecimento da alíquota única para o diesel no “patamar mais elevado” vigente no País. “Ao agir assim”, acrescentou o senador, o Confaz “neutralizou e esvaziou os objetivos da lei.”

Muito mais estranheza deveriam causar as ações do Congresso Nacional, e especialmente do Senado, contra os interesses fiscais dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Ao determinar o congelamento do ICMS sobre combustíveis, os congressistas impuseram uma perda potencial de R$ 30,9 bilhões, se essa política for mantida até o fim deste ano. A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deve resultar, em 2022 e 2023, num prejuízo acumulado de R$ 26,5 bilhões para os entes federados. Esse tributo é federal, mas parte de sua receita deve ser transferida aos cofres estaduais, municipais e do Distrito Federal.

Em todos esses casos, determinações do Congresso violaram os interesses dos governos subnacionais, numa clara violência aos melhores padrões de uma ordem federativa. Mas o caráter indefensável dessas decisões fica mais claro quando se considera sua motivação. Essas decisões estiveram sempre em consonância com os interesses políticos – especialmente eleitorais – do presidente Jair Bolsonaro.

Sem conseguir impor sua vontade ao comando da Petrobras, e sem poder para controlar os preços nas bombas, o presidente da República decidiu recorrer à redução de impostos para agradar aos compradores, especialmente aos caminhoneiros, seus supostos aliados. Além disso, o ministro da Economia anunciou a diminuição da alíquota do IPI, numa ação conveniente para as pretensões do presidente, mas dificilmente justificável em termos de política fiscal, de reforma tributária ou de estratégia de desenvolvimento.

Embora tenha melhorado neste ano, a situação financeira do poder central está longe de ser tranquila. Quem assumir a Presidência em 2023 terá motivos de preocupação com a saúde das contas federais. Além disso, seria grotesco atribuir valor reformista à diminuição de um imposto ou avaliar essa iniciativa, sem articulação com quaisquer outras, como parte de uma política de crescimento e modernização.

Sem clara justificação técnica, a baixa do IPI é tão eleitoreira quanto a intervenção federal no ICMS e igualmente incompatível com os padrões de uma efetiva ordem federalista. Essas questões podem ser um tanto complicadas para o presidente Bolsonaro, mas devem ser perfeitamente acessíveis ao senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso e político familiarizado com o texto conhecido, oficialmente, como Constituição da República Federativa do Brasil.

A Previdência sob constante pressão

O Estado de S. Paulo

O número de beneficiários continua a crescer bem mais que a população total, e mais que o número de contribuintes

Mudanças nas regras de aposentadorias e pensões aprovadas nos últimos anos estão evitando que o sistema previdenciário se torne insolvente ou estão pelo menos postergando o momento em que isso possa ocorrer. A reforma mais recente, promulgada em novembro de 2019, foi apontada como capaz de produzir uma economia de gastos de até R$ 800 bilhões em um ano e, assim, contribuir para a estabilidade das contas e a tranquilidade dos contribuintes. A despeito da importância dessas mudanças, persiste o risco de surgimento de novos desequilíbrios nas contas da Previdência, tanto para a do setor privado como a dos servidores públicos.

Em artigo publicado há algum tempo no Estadão, o economista Pedro Fernando Nery destacou que, apesar da possível redução do déficit de todos os regimes previdenciários sob responsabilidade do governo federal (dos servidores civis, dos militares e do regime geral do Instituto Nacional do Seguro Social, o INSS), “ainda há o que reformar”. A melhora nas contas previdenciárias neste ano será propiciada basicamente pela inflação, que pode beneficiar algumas receitas enquanto os gastos dos regimes de servidores civis e de militares não se alteram. A melhora do mercado de trabalho formal, de sua parte, vem propiciando crescimento expressivo da arrecadação do INSS.

Parte dos problemas estruturais do sistema previdenciário decorrentes da mudança do padrão de evolução da população foi enfrentada pelas reformas mais recentes, mas parte deles continua a ameaçar o equilíbrio das contas no longo prazo. Em estudo sobre a evolução dos benefícios pagos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS, de responsabilidade do INSS) publicado na revista Informações Fipe, o economista Rogério Nagamine Costanzi mostra uma evolução preocupante.

Por causa do envelhecimento da população nos últimos anos, o número de benefícios do RGPS vem crescendo em velocidade bem maior do que o aumento da população total. Entre dezembro de 2001 e dezembro de 2021, o estoque total de benefícios de responsabilidade do INSS (aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais) passou de 20 milhões para 36,4 milhões. Em média, a cada ano 816 mil benefícios se acrescentaram à lista. O aumento médio anual foi de 3,02%.

Considerando-se apenas as aposentadorias e pensões, o estoque de benefícios passou de 17,9 milhões para 31,5 milhões em 20 anos (crescimento anual médio de 2,87%). Nesse ritmo, lembra o autor do estudo, o número dobra a cada 25 anos.

Tanto a alta média anual do total de benefícios como a do número de benefícios do RGPS são maiores do que o crescimento da população. Estima-se em 0,91% o aumento da população brasileira em 2022, na comparação com a de 2021. Nos últimos anos, o aumento porcentual da população jovem tem sido menor do que o da população com mais de 60 anos de idade. Isso significa que o número de beneficiários cresce mais do que o de potenciais contribuintes para a sustentação do sistema previdenciário. Nesse ritmo, em algum momento as contas não fecharão. 

Site que atua no Brasil deve respeitar a Justiça brasileira

O Globo

É notório o esforço das grandes plataformas digitais para tentar se esquivar de todo tipo de obrigação jurídica e dificultar a vida das autoridades que tentam lhes impor obediência à lei nos países onde atuam. No caso recente de maior repercussão, o Telegram enrolou quanto pôde as autoridades eleitorais brasileiras até aceitar se submeter às regras que as grandes proprietárias de redes sociais, muitas a contragosto, haviam acatado para combater a desinformação neste ano eleitoral.

O Telegram não é o único a se comportar de modo furtivo. Numa ação no Supremo Tribunal Federal (STF), com julgamento previsto para a próxima quarta-feira, uma entidade que representa os provedores de internet reivindica o direito de não fornecer informações diretamente à Justiça brasileira. Alegam que, como seus servidores e dados não estão situados em território nacional, só devem se submeter a decisões de autoridades dos países em que têm sede, obtidas mediante acordos de cooperação internacional do Brasil com esses países.

Trata-se, por óbvio, de um rematado absurdo. Na prática, equivaleria a um juiz brasileiro, diante de indícios de crimes cometidos na internet, precisar envolver a Justiça dos Estados Unidos — onde fica a matriz da maioria das plataformas — para, nas palavras de advogados que examinam o caso, poder obter a “comunicação entre brasileiros, por meio de terminais localizados no Brasil, por intermédio de serviço ofertado no Brasil por empresa com estabelecimento em território nacional”.

É verdade que o Brasil mantém um acordo eficaz de cooperação com as autoridades americanas, conhecido pela sigla MLAT. Mas o tempo médio que um pedido leva para ser atendido é de 13 meses. A burocracia para que surta efeito é tão grande que, muitas vezes, há desistência ou, quando chega a resposta, ela é inútil.

Imagine as autoridades brasileiras tentando desbaratar uma rede de traficantes ou pedófilos que usam serviços digitais precisarem esperar meses pelo aval de seus correspondentes americanos para poder agir. Ou, num caso mais controverso, pedindo informações sobre disseminadores de desinformação que violem a legislação brasileira sobre liberdade de expressão, mas estejam protegidos pela americana. Não faz sentido algum empresas estrangeiras com filial no Brasil só aceitarem se submeter à lei ou às autoridades de seus países de origem. Se atuam no Brasil, devem respeitar a legislação nacional e atender às demandas de nossas autoridades — usufruindo, claro, as proteções garantidas pela Constituição. Os acordos internacionais de cooperação são importantes e cumprem seu papel, mas não podem esvaziar a jurisdição das autoridades brasileiras.

Não faltam outros motivos para o STF ignorar o caso. Para fugir de sua obrigação legal, os provedores entraram com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), mecanismo jurídico que demanda controvérsia relevante e de cunho constitucional sobre as leis em questão. Não é o caso. Trata-se apenas de uma interpretação das normas em vigor, todas elas infraconstitucionais. O STF nem seria, portanto, a instância correta para arbitrar o caso. Por isso mesmo, deveria rejeitar a ação ou dar-lhe um desfecho que preserve sua própria autoridade.

É bem-vinda a redução constatada nas taxas de letalidade policial

O Globo

A redução da letalidade policial e a queda no número de policiais assassinados no Brasil em 2021 são duas boas notícias reveladas por um levantamento do site g1 dentro do Monitor da Violência, parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. As taxas ainda são altas, mas é um alento saber que é possível reduzi-las. De acordo com a pesquisa, 6.133 civis foram mortos por policiais no ano passado, 4,5% a menos que em 2020. Foi o menor patamar em quatro anos. O total de policiais mortos caiu 17%, de 221 para 183.

Constatação importante: segundo os pesquisadores, a queda resulta de políticas públicas. Entre as medidas que podem ter contribuído para ela, apontam o aperfeiçoamento dos sistemas de controle, como a instalação de câmeras nas fardas dos PMs (o Estado de São Paulo registrou queda de 30% na letalidade policial); o treinamento por meio de cursos específicos; o aumento no uso de armas não letais; maior rigor na punição de crimes; a tendência de queda nos crimes contra a vida; mudanças nas dinâmicas das quadrilhas.

Apesar da redução nos indicadores, ainda há motivos para preocupação, porque 11 estados contrariaram a tendência, alguns com aumentos expressivos. É o caso de Mato Grosso do Sul, onde as mortes por policiais subiram 114%. O governo alegou que a pandemia causou distorções, mas o coronavírus atingiu todo o território nacional.

O Amapá lidera o ranking macabro das polícias mais letais. Apresenta taxa de 17,2 mortes por 100 mil habitantes, mais de seis vezes a média nacional, de 2,6. Também preocupam as polícias de Sergipe (nove por 100 mil); Goiás (oito); Rio (7,8) e Bahia (6,7). No Rio, houve aumento de 9% em 2021. As polícias fluminenses são responsáveis por duas em cada dez mortes por agentes do Estado no país. A questão é tão grave que o governo foi obrigado pelo Supremo Tribunal Federal a apresentar um plano para reduzir a letalidade policial.

Sabe-se que, há pelo menos quatro décadas, a insegurança integra a lista das principais preocupações dos brasileiros. Diante da leniência dos governos, quadrilhas de traficantes e milicianos controlam territórios, especialmente nas comunidades pobres, achacando moradores, impondo poder paralelo e espalhando terror. Isso é inadmissível num Estado democrático.

As mortes de civis por policiais e o assassinato de policiais também engrossam as estatísticas de violência. Causam estragos dos dois lados, destroem famílias e não resolvem o problema. Caso contrário, os números do crime não permaneceriam nas alturas.

Ainda que a redução no país não seja uniforme, é reconfortante saber que existem caminhos menos sangrentos para conter os índices de violência. E que estados que adotam políticas públicas com essa preocupação colhem resultados positivos. É preciso manter a tendência. Não há dúvida de que a criminalidade que se instalou de forma insidiosa no Brasil deve ser enfrentada pela polícia. Mas é preciso recorrer mais à inteligência, à tecnologia e ao planejamento e menos à força bruta.

Contra o investidor

Folha de S. Paulo

Lista de obstáculos à ampliação da capacidade produtiva se alonga com Bolsonaro

Investir é difícil, no setor público e nas empresas. Rentabilidade adequada, estabilidade econômica, confiança nas instituições e qualidade regulatória são alguns dos requisitos para que se possa mobilizar capital de longo prazo.

A agenda ambiental também aparece de maneira crescente como critério de decisão. A alta continuada do desmatamento na Amazônia já é tida como obstáculo insuperável para parcela considerável de investidores estrangeiros.

Problemas em todas essas frentes impedem no Brasil o avanço dos gastos destinados a ampliar a capacidade produtiva pública e privada, cruciais para romper o quadro de baixo crescimento econômico que já dura quatro décadas.

Como noticiou a Folha, dados do Cemec-Fipe mostram que a taxa média anual de investimentos entre 2018 e 2021 ficou na casa de 16% do Produto Interno Bruto, quando o ideal seria investir mais de 20%.

Mesmo o nível observado em 2021 —19,2% do PIB, acima da média de 18,1% nos últimos 25 anos— significa menos quando se excluem efeitos espúrios da contabilização de plataformas da Petrobras.

Pior, desde 2015 os novos aportes públicos e privados mal cobriram a depreciação, o que significa que o estoque de capital foi reduzido. Segundo o Ipea, no ano passado até houve crescimento de 1% nessa medida, o que ainda não passa de uma fração do necessário.

No que diz respeito ao investimento público, tem havido acentuado declínio da capacidade governamental. Estimativas do Tesouro Nacional mostram que, em 2021, nos três níveis de governo e estatais, o desembolso ficou em 2,05% do PIB, o segundo menor percentual da série iniciada em 1947.

Note-se que à falta de reformas para conter gastos perdulários e modernizar a administração de modo a abrir espaço no Orçamento, no governo de Jair Bolsonaro (PL) foi em muito piorada a gestão de verbas por parte do Congresso.

As chamadas emendas parlamentares, no mais das vezes sem nenhum critério de eficiência ou planejamento, destinam parcelas cada vez maiores dos parcos recursos federais disponíveis ao clientelismo do varejo político.

No caso do setor privado, os obstáculos de sempre permanecem. Apesar de mudanças legais positivas, da estruturação de bons projetos e de numerosas concessões nos últimos anos, além das boas perspectivas para o saneamento, houve pouco impacto palpável em áreas complexas como ferrovias, mercado de gás e cabotagem.

A agravar o quadro, temos um presidente que afronta normas, limites orçamentários e instituições em nome de suas ambições eleitorais e políticas, que não excluem ensaios golpistas.

Voto sem idade

Folha de S. Paulo

Tarefa de atrair eleitor à urna é dos políticos, não da obrigatoriedade ineficaz

Esta Folha é contrária ao voto obrigatório, o que não significa que considere desimportante uma ampla participação —voluntária— do eleitorado nos pleitos. Um interesse disseminado pela política, que não deve se limitar ao comparecimento às urnas, contribui para a vitalidade da democracia.

Nesse sentido, parecem positivos os dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a respeito do alistamento recente de jovens aptos a votar. Segundo a corte, 2 milhões de brasileiros de 16 a 18 anos de idade, cerca de 20% da população nessa faixa etária, obtiveram o título de eleitor entre janeiro e abril deste ano.

Trata-se de número superior aos verificados em 2014 (1,3 milhão) e 2018 (1,4 milhão), mas não é o bastante para concluir que esse estrato terá maior peso na disputa deste ano. Falta conhecer a composição total do eleitorado e o impacto da pandemia na emissão de títulos.

Houve mobilização nas redes sociais para estimular jovens a buscarem o título de eleitor, particularmente entre setores com preferências à esquerda. De acordo com pesquisa Datafolha de abril, 65% dos entrevistados de 16 a 24 anos consideram o governo Jair Bolsonaro (PL) ruim ou péssimo, ante 48% no conjunto da população.

Como se sabe, no Brasil o voto é facultativo para os menores de idade, assim como para os analfabetos e os idosos acima de 70 anos. A mesma norma deveria valer para toda a população. Não é a obrigatoriedade, afinal, que vai levar cidadãos a darem maior importância aos candidatos e aos mandatários.

Na prática, aliás, o eleitorado vai percebendo que é possível não comparecer às urnas —por falta de informação ou de interesse na disputa— sem arcar com maiores sanções, como mostra o aumento dos índices de abstenção.

Quanto a um desprestígio da política e, por vezes, da própria democracia, estudos e discussões sobre o fenômeno não são recentes, muito menos se limitam ao Brasil.

As hipóteses para explicá-lo vão de desigualdades sociais crescentes a um descompasso entre aspirações crescentes da sociedade e resultados dos governos; as consequências, mais aparentes, incluem a ascensão de lideranças populistas, quando não autoritárias.

Fato é que a atratividade da política depende necessariamente das palavras e das atitudes de políticos e seus partidos. Eles não terão sucesso em delegar a terceiros a tarefa de atrair o eleitor à urna.

Reduzir as contas de luz por mérito, nunca por mágica

Valor Econômico

A conta anual de subvenções para o setor elétrico alcança o vergonhoso patamar de R$ 32,1 bilhões, 34% a mais do que em 2021

A Câmara dos Deputados acaba de atualizar a velha máxima de que todo problema complexo tem uma solução simples, rápida e completamente errada. Tal como no Rio de Janeiro, onde o ex-prefeito Marcelo Crivella enviou retroescavadeiras para destruir as cancelas de pedágio da Via Amarela, agora parlamentares dão sua própria contribuição à insegurança jurídica no país, com as propostas de decretos legislativos que sustam os últimos reajustes das contas de luz. É populismo tarifário na veia. Para piorar, a iniciativa tem o endosso do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que se elegeu tentando demonstrar equilíbrio e capacidade de interlocução com o mercado. Razoabilidade e os projetos em tramitação, definitivamente, não combinam.

De fato, com 12 milhões de desempregados e renda per capita abaixo do que o país tinha em 2010, aumentos de dois dígitos nas tarifas de energia corroem ainda mais o poder de compra. Os números são preocupantes: Light (14,68%), CPFL Paulista (14,97%), Enel Rio (16,86%), Celpe (18,98%), Coelba (21,13%), Enel Ceará (24,88%). Outras 13 distribuidoras - incluindo Enel São Paulo, Cemig e Copel - têm seus reajustes programados até julho.

No entanto, antes de ações voluntaristas, é preciso refletir sobre os motivos que levaram a essa situação. Nos últimos dez anos, 17 medidas provisórias com foco no setor elétrico passaram pelo Congresso Nacional. Quase todas saíram com penduricalhos que vão acrescentando custos às tarifas. O auge do descompromisso foi alcançado com a chantagem imposta pelos legisladores para aprovar a MP da Eletrobras: a exigência de contratação de 8 mil MW de usinas térmicas a gás, em localidades onde hoje não existe suprimento do insumo, e de prorrogação de contratos decrépitos do Proinfa, firmados no começo dos anos 2000 como forma de dar incentivos para fontes renováveis que eram incipientes à época, mas há tempos andam com as próprias pernas e se viabilizam sem subvenções nos leilões de geração de energia.

Até a usina binacional de Itaipu, que gera eletricidade barata e abundante, tem jogado contra a modicidade tarifária ao direcionar seus recursos para todo tipo de obra que o orçamento público não consegue bancar: a segunda ponte Brasil-Paraguai, reforma do aeroporto de Foz do Iguaçu, casas populares no interior do Paraná, recuperação do Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro. Na prática, é o consumidor de energia financiando tudo isso.

Subsídios para consumidores rurais, para térmicas que usam o carvão mineral como combustível, para distribuidoras da região Norte, para residências de alta renda com placas fotovoltaicas em seus telhados vão se acumulando sem controle. A conta anual de subvenções para o setor elétrico alcança o vergonhoso patamar de R$ 32,1 bilhões - 34% a mais do que o valor registrado em 2021. O festival de benesses, com a disparada das contas de luz, só podia mesmo dar nisso: tentativas de solução populista, como houve recentemente com a gasolina e com o diesel.

A iniciativa dos deputados é um tiro no pé. Por ferir flagrantemente direitos contratuais das concessionárias, os decretos legislativos em tramitação serão derrubados na Justiça - caso aprovados. Contribuem, porém, para a percepção de insegurança jurídica de quem pensa em investir no Brasil. No ranking do Fórum Econômico Mundial, o país ocupa o 120º lugar em eficiência do aparato legal para a resolução de disputas. Foram editadas 5,9 milhões de normas nas três esferas de governo (União, Estados e municípios) desde a Constituição de 1988. Não raro, as agências reguladoras dão interpretações diferentes - dependendo do setor fiscalizado - a temas como reequilíbrio econômico e valor de indenizações, confundindo os investidores.

Apesar de tudo isso, o histórico do Brasil é de cumprimento dos contratos. Ativos como a rodovia Presidente Dutra encerraram há pouco o primeiro ciclo de concessão ao setor privado e foram relicitados com uma taxa de retorno correspondente à metade da fixada nos anos 1990. A estabilidade regulatória é um dos fatores para a queda da remuneração exigida pelos donos do dinheiro para alocar seus recursos no país. No momento em que tenta atrair recursos para a infraestrutura e universalizar o saneamento básico, tarefa para a qual serão necessários R$ 700 bilhões até 2033, o Estado não pode dar-se ao luxo de cometer tamanho vitupério contra o capital produtivo. Cabe alertar taxativamente os deputados: a ideia apresentada é péssima. Para reduzir as contas de luz por mérito, não por mágica, deve-se olhar com atenção a estrutura tarifária e revisar os subsídios.

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