Editoriais
A parte da elite que apoia o atraso
O Estado de S. Paulo
Seduzidos pelas canetadas populistas de Bolsonaro, alguns empresários flertam com o apoio à sua reeleição, atentando não só contra os interesses nacionais, mas contra o seu próprio
Desde as eleições de 2018, entrou na cena
pública um escrete de folclóricos empresários bolsonaristas, tão histriônicos e
incorrigíveis como o seu “mito”. Mas, às vésperas de novas eleições, segundo a
colunista do Estado Adriana
Fernandes, novas lideranças empresariais têm flertado com o apoio à reeleição
de Jair Bolsonaro. Com assombrosa capacidade de abstração, elas excluem de seus
cálculos a mistura de estagnação econômica, autoritarismo político, indigência
administrativa, instabilidade institucional e degradação moral que é o governo
Bolsonaro.
A psique infantil e insegura do presidente; as afrontas ao decoro e à liturgia do cargo; as relações obscuras com milicianos; a truculência no debate público; as crises institucionais artificiais; as calúnias ao sistema eleitoral e as ameaças de descumprir a vontade das urnas; a degradação da administração federal; o obscurantismo que asfixia a educação, a cultura e a ciência; a devastação do patrimônio ambiental; o nanismo diplomático que, oscilando entre a negligência geopolítica e os insultos a parceiros internacionais, resultou num descrédito sem precedentes; o escárnio pelas minorias; a sabotagem às medidas de contenção do vírus da covid-19 e à imunização, resultando em milhares de mortes evitáveis; o descompromisso com as reformas e privatizações, malgrado suas tonitruantes promessas eleitorais; o sequestro do Orçamento com os fisiologistas do Centrão e a deterioração das contas públicas; os indícios de corrupção na compra de vacinas, verbas escolares e licenças a criminosos ambientais; a captura da máquina pública para fins eleitoreiros; a predisposição a privilegiar interesses familiares sobre os corporativos, os corporativos sobre os de governo e os de governo sobre os de Estado – nenhuma dessas mostras de incompatibilidade com os deveres de um estadista parece pesar na intenção de voto desses empresários.
Tampouco os motiva a estratégia do “voto
útil” contra o suposto “mal maior”, questionável, mas compreensível, ante a
ameaça do mandarinato lulopetista de recobrar o poder e restabelecer seu
desenvolvimentismo irresponsável, sua hostilidade ao livre mercado, os gastos
descontrolados, o aparelhamento do Estado e a capilarização da corrupção, tendo
como corolário o retrocesso socioeconômico.
Não, as razões são mais primárias e
constrangedoras: uma mescla de egoísmo e credulidade.
Entusiasmados com uma momentânea melhora
nos indicadores econômicos, afagados por benefícios, créditos e isenções
sacados a golpes da caneta presidencial, encantados pelos gráficos fabricados
no Ministério da Economia e pelas gesticulações do seu “superministro”, esses
empresários parecem comprar um pacote de inovações “estruturais” prometidas
para o próximo mandato.
A novidade não é a insensibilidade com o
opróbrio da esmagadora maioria de seus conterrâneos, a fome, o desemprego, a
inflação que corrói a renda das famílias pobres. Essa indiferença é moeda
corrente em parte significativa das elites nacionais. O surpreendente é a
ignorância em relação aos seus próprios interesses. Com tantos anos de
experiência, essa parcela do empresariado parece que ainda não entendeu que os
votos comprados pelo populismo hoje cobram juros escorchantes amanhã, seja pela
fuga de capitais, escassez de investimentos públicos, deterioração do capital
humano e degradação institucional, seja pelos demais ingredientes que alimentam
a estagnação da economia, a incivilidade nas ruas ou a rapacidade das classes
políticas.
Que esse engano é autoengano, ou seja, que
ainda resta um laivo recôndito de preocupação republicana, depreende-se do
relato da colunista Adriana Fernandes, segundo o qual “o apoio à reeleição é
ainda envergonhado”.
Diversas vezes a elite empresarial e suas
associações se manifestaram contra os desmandos de Bolsonaro na área ambiental,
educacional, sanitária ou diplomática. É hora de se mobilizarem para expor tudo
o que há de vergonhoso no voto de seus colegas seduzidos pelo canto desafinado
da sereia bolsonarista. Se não for pelos interesses nacionais, que seja ao
menos para preservar seus próprios interesses.
Ataques bilionários à ordem federativa
O Estado de S. Paulo
Ações eleitoreiras do presidente, com apoio no Congresso Nacional, sujeitam Estados, municípios e Distrito Federal a grandes perdas financeiras
O Brasil, vejam só, é uma república
federativa, expressão usada no artigo 1.º da Constituição, mas esse detalhe tem
sido negligenciado, em Brasília, quando se trata de conter o preço do óleo
diesel e favorecer o presidente Jair Bolsonaro. Pela mesma Constituição, a
Câmara dos Deputados “compõe-se de representantes do povo” e o Senado, “de
representantes dos Estados e do Distrito Federal”. Se essas palavras fossem
levadas a sério no Congresso, dificilmente os cofres estaduais estariam
correndo o risco de perder R$ 57,4 bilhões por causa da redução de impostos
sobre combustíveis e outros produtos. Essa perda potencial foi noticiada
pelo Estadão, com
base em estimativas das Fazendas estaduais.
Presidente do Senado e do Congresso, o
senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) defende a revisão, pelo Conselho Nacional de
Política Fazendária (Confaz), da decisão tomada em 24 de março a respeito da
tributação do óleo diesel pelos Estados. Nessa ocasião, o Conselho decidiu
unificar em R$ 1,006 o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) cobrado na comercialização do diesel. O acordo foi uma forma de atender
à Lei Complementar n.º 192, aprovada neste ano. Essa lei determinou a adoção de
uma alíquota unificada pelos Estados.
Os governos estaduais obedeceram à lei, mas
tentando preservar seus interesses fiscais e administrativos. O presidente do
Senado chamou de estranha essa tentativa. Segundo ele, causou “estranheza” o
estabelecimento da alíquota única para o diesel no “patamar mais elevado”
vigente no País. “Ao agir assim”, acrescentou o senador, o Confaz “neutralizou
e esvaziou os objetivos da lei.”
Muito mais estranheza deveriam causar as
ações do Congresso Nacional, e especialmente do Senado, contra os interesses
fiscais dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Ao determinar o
congelamento do ICMS sobre combustíveis, os congressistas impuseram uma perda
potencial de R$ 30,9 bilhões, se essa política for mantida até o fim deste ano.
A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deve resultar, em
2022 e 2023, num prejuízo acumulado de R$ 26,5 bilhões para os entes federados.
Esse tributo é federal, mas parte de sua receita deve ser transferida aos
cofres estaduais, municipais e do Distrito Federal.
Em todos esses casos, determinações do
Congresso violaram os interesses dos governos subnacionais, numa clara
violência aos melhores padrões de uma ordem federativa. Mas o caráter
indefensável dessas decisões fica mais claro quando se considera sua motivação.
Essas decisões estiveram sempre em consonância com os interesses políticos –
especialmente eleitorais – do presidente Jair Bolsonaro.
Sem conseguir impor sua vontade ao comando
da Petrobras, e sem poder para controlar os preços nas bombas, o presidente da
República decidiu recorrer à redução de impostos para agradar aos compradores,
especialmente aos caminhoneiros, seus supostos aliados. Além disso, o ministro
da Economia anunciou a diminuição da alíquota do IPI, numa ação conveniente
para as pretensões do presidente, mas dificilmente justificável em termos de
política fiscal, de reforma tributária ou de estratégia de desenvolvimento.
Embora tenha melhorado neste ano, a
situação financeira do poder central está longe de ser tranquila. Quem assumir
a Presidência em 2023 terá motivos de preocupação com a saúde das contas
federais. Além disso, seria grotesco atribuir valor reformista à diminuição de
um imposto ou avaliar essa iniciativa, sem articulação com quaisquer outras,
como parte de uma política de crescimento e modernização.
Sem clara justificação técnica, a baixa do
IPI é tão eleitoreira quanto a intervenção federal no ICMS e igualmente
incompatível com os padrões de uma efetiva ordem federalista. Essas questões
podem ser um tanto complicadas para o presidente Bolsonaro, mas devem ser
perfeitamente acessíveis ao senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso e
político familiarizado com o texto conhecido, oficialmente, como Constituição
da República Federativa do Brasil.
A Previdência sob constante pressão
O Estado de S. Paulo
O número de beneficiários continua a crescer bem mais que a população total, e mais que o número de contribuintes
Mudanças nas regras de aposentadorias e
pensões aprovadas nos últimos anos estão evitando que o sistema previdenciário
se torne insolvente ou estão pelo menos postergando o momento em que isso possa
ocorrer. A reforma mais recente, promulgada em novembro de 2019, foi apontada
como capaz de produzir uma economia de gastos de até R$ 800 bilhões em um ano
e, assim, contribuir para a estabilidade das contas e a tranquilidade dos
contribuintes. A despeito da importância dessas mudanças, persiste o risco de
surgimento de novos desequilíbrios nas contas da Previdência, tanto para a do
setor privado como a dos servidores públicos.
Em artigo publicado há algum tempo no Estadão,
o economista Pedro Fernando Nery destacou que, apesar da possível redução do
déficit de todos os regimes previdenciários sob responsabilidade do governo
federal (dos servidores civis, dos militares e do regime geral do Instituto
Nacional do Seguro Social, o INSS), “ainda há o que reformar”. A melhora nas
contas previdenciárias neste ano será propiciada basicamente pela inflação, que
pode beneficiar algumas receitas enquanto os gastos dos regimes de servidores
civis e de militares não se alteram. A melhora do mercado de trabalho formal,
de sua parte, vem propiciando crescimento expressivo da arrecadação do INSS.
Parte dos problemas estruturais do sistema
previdenciário decorrentes da mudança do padrão de evolução da população foi
enfrentada pelas reformas mais recentes, mas parte deles continua a ameaçar o
equilíbrio das contas no longo prazo. Em estudo sobre a evolução dos benefícios pagos pelo Regime
Geral de Previdência Social (RGPS, de responsabilidade do INSS) publicado na
revista Informações Fipe, o economista Rogério Nagamine Costanzi
mostra uma evolução preocupante.
Por causa do envelhecimento da população
nos últimos anos, o número de benefícios do RGPS vem crescendo em velocidade
bem maior do que o aumento da população total. Entre dezembro de 2001 e
dezembro de 2021, o estoque total de benefícios de responsabilidade do INSS
(aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais) passou de 20 milhões para
36,4 milhões. Em média, a cada ano 816 mil benefícios se acrescentaram à lista.
O aumento médio anual foi de 3,02%.
Considerando-se apenas as aposentadorias e
pensões, o estoque de benefícios passou de 17,9 milhões para 31,5 milhões em 20
anos (crescimento anual médio de 2,87%). Nesse ritmo, lembra o autor do estudo,
o número dobra a cada 25 anos.
Tanto a alta média anual do total de
benefícios como a do número de benefícios do RGPS são maiores do que o
crescimento da população. Estima-se em 0,91% o aumento da população brasileira
em 2022, na comparação com a de 2021. Nos últimos anos, o aumento porcentual da
população jovem tem sido menor do que o da população com mais de 60 anos de
idade. Isso significa que o número de beneficiários cresce mais do que o de
potenciais contribuintes para a sustentação do sistema previdenciário. Nesse
ritmo, em algum momento as contas não fecharão.
Site que atua no Brasil deve respeitar a
Justiça brasileira
O Globo
É notório o esforço das grandes plataformas
digitais para tentar se esquivar de todo tipo de obrigação jurídica e
dificultar a vida das autoridades que tentam lhes impor obediência à lei nos
países onde atuam. No caso recente de maior repercussão, o Telegram enrolou
quanto pôde as autoridades eleitorais brasileiras até aceitar se submeter às
regras que as grandes proprietárias de redes sociais, muitas a contragosto,
haviam acatado para combater a desinformação neste ano eleitoral.
O Telegram não é o único a se comportar de
modo furtivo. Numa ação no Supremo Tribunal Federal (STF), com julgamento
previsto para a próxima quarta-feira, uma entidade que representa os provedores
de internet reivindica o direito de não fornecer informações diretamente à
Justiça brasileira. Alegam que, como seus servidores e dados não estão situados
em território nacional, só devem se submeter a decisões de autoridades dos
países em que têm sede, obtidas mediante acordos de cooperação internacional do
Brasil com esses países.
Trata-se, por óbvio, de um rematado absurdo. Na prática, equivaleria a um juiz brasileiro, diante de indícios de crimes cometidos na internet, precisar envolver a Justiça dos Estados Unidos — onde fica a matriz da maioria das plataformas — para, nas palavras de advogados que examinam o caso, poder obter a “comunicação entre brasileiros, por meio de terminais localizados no Brasil, por intermédio de serviço ofertado no Brasil por empresa com estabelecimento em território nacional”.
É verdade que o Brasil mantém um acordo
eficaz de cooperação com as autoridades americanas, conhecido pela sigla MLAT.
Mas o tempo médio que um pedido leva para ser atendido é de 13 meses. A
burocracia para que surta efeito é tão grande que, muitas vezes, há desistência
ou, quando chega a resposta, ela é inútil.
Imagine as autoridades brasileiras tentando
desbaratar uma rede de traficantes ou pedófilos que usam serviços digitais
precisarem esperar meses pelo aval de seus correspondentes americanos para
poder agir. Ou, num caso mais controverso, pedindo informações sobre
disseminadores de desinformação que violem a legislação brasileira sobre
liberdade de expressão, mas estejam protegidos pela americana. Não faz sentido
algum empresas estrangeiras com filial no Brasil só aceitarem se submeter à lei
ou às autoridades de seus países de origem. Se atuam no Brasil, devem respeitar
a legislação nacional e atender às demandas de nossas autoridades — usufruindo,
claro, as proteções garantidas pela Constituição. Os acordos internacionais de
cooperação são importantes e cumprem seu papel, mas não podem esvaziar a
jurisdição das autoridades brasileiras.
Não faltam outros motivos para o STF
ignorar o caso. Para fugir de sua obrigação legal, os provedores entraram com
uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), mecanismo jurídico que
demanda controvérsia relevante e de cunho constitucional sobre as leis em
questão. Não é o caso. Trata-se apenas de uma interpretação das normas em
vigor, todas elas infraconstitucionais. O STF nem seria, portanto, a instância
correta para arbitrar o caso. Por isso mesmo, deveria rejeitar a ação ou dar-lhe
um desfecho que preserve sua própria autoridade.
É bem-vinda a redução constatada nas taxas
de letalidade policial
O Globo
A redução da letalidade policial e a queda
no número de policiais assassinados no Brasil em 2021 são duas boas notícias
reveladas por um levantamento do site g1 dentro do Monitor da Violência,
parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e com o Fórum Brasileiro
de Segurança Pública. As taxas ainda são altas, mas é um alento saber que é
possível reduzi-las. De acordo com a pesquisa, 6.133 civis foram mortos por
policiais no ano passado, 4,5% a menos que em 2020. Foi o menor patamar em
quatro anos. O total de policiais mortos caiu 17%, de 221 para 183.
Constatação importante: segundo os
pesquisadores, a queda resulta de políticas públicas. Entre as medidas que
podem ter contribuído para ela, apontam o aperfeiçoamento dos sistemas de
controle, como a instalação de câmeras nas fardas dos PMs (o Estado de São
Paulo registrou queda de 30% na letalidade policial); o treinamento por meio de
cursos específicos; o aumento no uso de armas não letais; maior rigor na
punição de crimes; a tendência de queda nos crimes contra a vida; mudanças nas
dinâmicas das quadrilhas.
Apesar da redução nos indicadores, ainda há
motivos para preocupação, porque 11 estados contrariaram a tendência, alguns
com aumentos expressivos. É o caso de Mato Grosso do Sul, onde as mortes por
policiais subiram 114%. O governo alegou que a pandemia causou distorções, mas
o coronavírus atingiu todo o território nacional.
O Amapá lidera o ranking macabro das
polícias mais letais. Apresenta taxa de 17,2 mortes por 100 mil habitantes,
mais de seis vezes a média nacional, de 2,6. Também preocupam as polícias de
Sergipe (nove por 100 mil); Goiás (oito); Rio (7,8) e Bahia (6,7). No Rio,
houve aumento de 9% em 2021. As polícias fluminenses são responsáveis por duas
em cada dez mortes por agentes do Estado no país. A questão é tão grave que o
governo foi obrigado pelo Supremo Tribunal Federal a apresentar um plano para
reduzir a letalidade policial.
Sabe-se que, há pelo menos quatro décadas,
a insegurança integra a lista das principais preocupações dos brasileiros.
Diante da leniência dos governos, quadrilhas de traficantes e milicianos
controlam territórios, especialmente nas comunidades pobres, achacando
moradores, impondo poder paralelo e espalhando terror. Isso é inadmissível num
Estado democrático.
As mortes de civis por policiais e o
assassinato de policiais também engrossam as estatísticas de violência. Causam
estragos dos dois lados, destroem famílias e não resolvem o problema. Caso
contrário, os números do crime não permaneceriam nas alturas.
Ainda que a redução no país não seja
uniforme, é reconfortante saber que existem caminhos menos sangrentos para
conter os índices de violência. E que estados que adotam políticas públicas com
essa preocupação colhem resultados positivos. É preciso manter a tendência. Não
há dúvida de que a criminalidade que se instalou de forma insidiosa no Brasil
deve ser enfrentada pela polícia. Mas é preciso recorrer mais à inteligência, à
tecnologia e ao planejamento e menos à força bruta.
Contra o investidor
Folha de S. Paulo
Lista de obstáculos à ampliação da
capacidade produtiva se alonga com Bolsonaro
Investir é difícil, no setor público e nas
empresas. Rentabilidade adequada, estabilidade econômica, confiança nas
instituições e qualidade regulatória são alguns dos requisitos para que se
possa mobilizar capital de longo prazo.
A agenda ambiental também aparece de
maneira crescente como critério de decisão. A alta continuada do desmatamento
na Amazônia já é tida como obstáculo insuperável para parcela considerável de
investidores estrangeiros.
Problemas em todas essas frentes impedem no
Brasil o avanço dos gastos destinados a ampliar a capacidade produtiva pública
e privada, cruciais para romper o quadro de baixo crescimento econômico que já
dura quatro décadas.
Como
noticiou a Folha,
dados do Cemec-Fipe mostram que a taxa média anual de investimentos entre 2018
e 2021 ficou na casa de 16% do Produto Interno Bruto, quando o ideal seria
investir mais de 20%.
Mesmo o nível observado em 2021 —19,2% do
PIB, acima da média de 18,1% nos últimos 25 anos— significa menos quando se
excluem efeitos espúrios da contabilização de plataformas da Petrobras.
Pior, desde 2015 os novos aportes públicos
e privados mal cobriram a depreciação, o que significa que o estoque de capital
foi reduzido. Segundo o Ipea, no ano passado até houve crescimento de 1% nessa
medida, o que ainda não passa de uma fração do necessário.
No que diz respeito ao investimento
público, tem havido acentuado declínio da capacidade governamental. Estimativas
do Tesouro Nacional mostram que, em 2021, nos três níveis de governo e
estatais, o desembolso ficou em 2,05% do PIB, o segundo menor percentual da
série iniciada em 1947.
Note-se que à falta de reformas para conter
gastos perdulários e modernizar a administração de modo a abrir espaço no
Orçamento, no governo de Jair Bolsonaro (PL) foi em muito piorada a gestão de
verbas por parte do Congresso.
As chamadas emendas parlamentares, no mais
das vezes sem nenhum critério de eficiência ou planejamento, destinam parcelas
cada vez maiores dos parcos recursos federais disponíveis ao clientelismo do
varejo político.
No caso do setor privado, os obstáculos de
sempre permanecem. Apesar de mudanças legais positivas, da estruturação de bons
projetos e de numerosas concessões nos últimos anos, além das boas perspectivas
para o saneamento, houve pouco impacto palpável em áreas complexas como
ferrovias, mercado de gás e cabotagem.
A agravar o quadro, temos um presidente que
afronta normas, limites orçamentários e instituições em nome de suas ambições
eleitorais e políticas, que não excluem ensaios golpistas.
Voto sem idade
Folha de S. Paulo
Tarefa de atrair eleitor à urna é dos políticos,
não da obrigatoriedade ineficaz
Esta Folha é contrária ao voto obrigatório, o que
não significa que considere desimportante uma ampla participação —voluntária—
do eleitorado nos pleitos. Um interesse disseminado pela política, que não deve
se limitar ao comparecimento às urnas, contribui para a vitalidade da
democracia.
Nesse sentido, parecem positivos os dados
divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a respeito do
alistamento recente de jovens aptos a votar. Segundo a corte, 2 milhões de
brasileiros de 16 a 18 anos de idade, cerca de 20% da população nessa faixa
etária, obtiveram o título de eleitor entre janeiro e abril deste ano.
Trata-se de número superior aos verificados
em 2014 (1,3 milhão) e 2018 (1,4 milhão), mas não é o bastante para concluir
que esse estrato terá maior peso na disputa deste ano. Falta conhecer a
composição total do eleitorado e o impacto da pandemia na emissão de títulos.
Houve mobilização nas redes sociais para
estimular jovens a buscarem o título de eleitor, particularmente entre setores
com preferências à esquerda. De acordo com pesquisa Datafolha de abril, 65% dos
entrevistados de 16 a 24 anos consideram o governo Jair Bolsonaro (PL) ruim ou
péssimo, ante 48% no conjunto da população.
Como se sabe, no Brasil o voto é
facultativo para os menores de idade, assim como para os analfabetos e os
idosos acima de 70 anos. A mesma norma deveria valer para toda a população. Não
é a obrigatoriedade, afinal, que vai levar cidadãos a darem maior importância
aos candidatos e aos mandatários.
Na prática, aliás, o eleitorado vai
percebendo que é possível não comparecer às urnas —por falta de informação ou
de interesse na disputa— sem arcar com maiores sanções, como mostra o aumento
dos índices de abstenção.
Quanto a um desprestígio da política e, por
vezes, da própria democracia, estudos e discussões sobre o fenômeno não são
recentes, muito menos se limitam ao Brasil.
As hipóteses para explicá-lo vão de
desigualdades sociais crescentes a um descompasso entre aspirações crescentes
da sociedade e resultados dos governos; as consequências, mais aparentes,
incluem a ascensão de lideranças populistas, quando não autoritárias.
Fato é que a atratividade da política depende necessariamente das palavras e das atitudes de políticos e seus partidos. Eles não terão sucesso em delegar a terceiros a tarefa de atrair o eleitor à urna.
Reduzir as contas de luz por mérito, nunca
por mágica
Valor Econômico
A conta anual de subvenções para o setor
elétrico alcança o vergonhoso patamar de R$ 32,1 bilhões, 34% a mais do que em
2021
A Câmara dos Deputados acaba de atualizar a
velha máxima de que todo problema complexo tem uma solução simples, rápida e
completamente errada. Tal como no Rio de Janeiro, onde o ex-prefeito Marcelo
Crivella enviou retroescavadeiras para destruir as cancelas de pedágio da Via
Amarela, agora parlamentares dão sua própria contribuição à insegurança
jurídica no país, com as propostas de decretos legislativos que sustam os
últimos reajustes das contas de luz. É populismo tarifário na veia. Para
piorar, a iniciativa tem o endosso do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL),
que se elegeu tentando demonstrar equilíbrio e capacidade de interlocução com o
mercado. Razoabilidade e os projetos em tramitação, definitivamente, não
combinam.
De fato, com 12 milhões de desempregados e
renda per capita abaixo do que o país tinha em 2010, aumentos de dois dígitos
nas tarifas de energia corroem ainda mais o poder de compra. Os números são
preocupantes: Light (14,68%), CPFL Paulista (14,97%), Enel Rio (16,86%), Celpe
(18,98%), Coelba (21,13%), Enel Ceará (24,88%). Outras 13 distribuidoras -
incluindo Enel São Paulo, Cemig e Copel - têm seus reajustes programados até
julho.
No entanto, antes de ações voluntaristas, é
preciso refletir sobre os motivos que levaram a essa situação. Nos últimos dez
anos, 17 medidas provisórias com foco no setor elétrico passaram pelo Congresso
Nacional. Quase todas saíram com penduricalhos que vão acrescentando custos às
tarifas. O auge do descompromisso foi alcançado com a chantagem imposta pelos
legisladores para aprovar a MP da Eletrobras: a exigência de contratação de 8
mil MW de usinas térmicas a gás, em localidades onde hoje não existe suprimento
do insumo, e de prorrogação de contratos decrépitos do Proinfa, firmados no
começo dos anos 2000 como forma de dar incentivos para fontes renováveis que
eram incipientes à época, mas há tempos andam com as próprias pernas e se
viabilizam sem subvenções nos leilões de geração de energia.
Até a usina binacional de Itaipu, que gera
eletricidade barata e abundante, tem jogado contra a modicidade tarifária ao
direcionar seus recursos para todo tipo de obra que o orçamento público não
consegue bancar: a segunda ponte Brasil-Paraguai, reforma do aeroporto de Foz
do Iguaçu, casas populares no interior do Paraná, recuperação do Palácio do
Itamaraty no Rio de Janeiro. Na prática, é o consumidor de energia financiando
tudo isso.
Subsídios para consumidores rurais, para
térmicas que usam o carvão mineral como combustível, para distribuidoras da
região Norte, para residências de alta renda com placas fotovoltaicas em seus
telhados vão se acumulando sem controle. A conta anual de subvenções para o
setor elétrico alcança o vergonhoso patamar de R$ 32,1 bilhões - 34% a mais do
que o valor registrado em 2021. O festival de benesses, com a disparada das
contas de luz, só podia mesmo dar nisso: tentativas de solução populista, como
houve recentemente com a gasolina e com o diesel.
A iniciativa dos deputados é um tiro no pé.
Por ferir flagrantemente direitos contratuais das concessionárias, os decretos
legislativos em tramitação serão derrubados na Justiça - caso aprovados.
Contribuem, porém, para a percepção de insegurança jurídica de quem pensa em
investir no Brasil. No ranking do Fórum Econômico Mundial, o país ocupa o 120º
lugar em eficiência do aparato legal para a resolução de disputas. Foram
editadas 5,9 milhões de normas nas três esferas de governo (União, Estados e
municípios) desde a Constituição de 1988. Não raro, as agências reguladoras dão
interpretações diferentes - dependendo do setor fiscalizado - a temas como
reequilíbrio econômico e valor de indenizações, confundindo os investidores.
Apesar de tudo isso, o histórico do Brasil
é de cumprimento dos contratos. Ativos como a rodovia Presidente Dutra
encerraram há pouco o primeiro ciclo de concessão ao setor privado e foram
relicitados com uma taxa de retorno correspondente à metade da fixada nos anos
1990. A estabilidade regulatória é um dos fatores para a queda da remuneração
exigida pelos donos do dinheiro para alocar seus recursos no país. No momento
em que tenta atrair recursos para a infraestrutura e universalizar o saneamento
básico, tarefa para a qual serão necessários R$ 700 bilhões até 2033, o Estado
não pode dar-se ao luxo de cometer tamanho vitupério contra o capital
produtivo. Cabe alertar taxativamente os deputados: a ideia apresentada é
péssima. Para reduzir as contas de luz por mérito, não por mágica, deve-se
olhar com atenção a estrutura tarifária e revisar os subsídios.
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