O Globo
Picasso e Matisse atravessaram duas Guerras
Mundiais e a Guerra Civil Espanhola sem pegar em armas. Mas jamais largaram os
pincéis. Em 1937, Picasso pintou “Guernica”, o maior manifesto contra a
violência de todos os tempos. E, no auge da tristeza pela Segunda Guerra
Mundial, Matisse criou aquela que talvez seja a sua obra mais alegre, a série
“Jazz”.
Artistas, em tempos difíceis, se
manifestaram de diferentes maneiras. Alguns criando trabalhos que correram o
risco de ser vistos como datados tempos depois; outros, criando obras acusadas
de alienadas quando feitas, mas reconhecidas no longo prazo. Caetano Veloso e
Gilberto Gil foram presos e deportados pelos militares do Golpe de 1964, talvez
por causa de suas canções, talvez porque seu comportamento anunciava uma
revolução estética, que podia anteceder uma revolução política. Apesar da
violência que sofreram, nada impediu que, anos depois, compusessem canções de
celebração ao prazer, como “Odara” e “Palco”.
Também no período dos militares, Chico Buarque foi convidado a se retirar do país por causa de seus versos contundentes, e Geraldo Vandré foi defenestrado após a catarse provocada pela canção “Pra não dizer que não falei das flores”. Chico voltou tempos depois e continuou perseguido e censurado, a ponto de criar o heterônimo Julinho da Adelaide; e Vandré jamais foi o mesmo depois que voltou (ou continuou o mesmo, segundo outras versões).
Artistas serem personagens de guerras e
contendas políticas é algo que acontece desde que o mundo é mundo. Envolvendo
todas as manifestações culturais, e não apenas a pintura e a música. No Brasil,
pós-golpe de 1964, foram produzidas peças de teatro como “O abajur lilás”, de
Plínio Marcos; livros como “O cobrador”, de Rubem Fonseca; filmes como “O
bandido da luz vermelha”, de Rogério Sganzerla; e novelas como “O bem -amado”,
de Dias Gomes. Obras claramente oposicionistas, que passaram pelas frestas da
censura. Enquanto isso, na Argentina, a cantora Mercedes Sosa, intérprete da
canção “Gracias a la vida”, era perseguida pelos governantes.
Noutros tempos e noutros países também
sempre foi assim. Na Rússia de Stálin, na Itália de Mussolini ou na Alemanha de
Hitler, artistas também foram proibidos e perseguidos. Fato que ocorreu do
mesmo modo em Portugal, no governo Salazar, e na Espanha, no governo Franco.
Relatando uma dessas tragédias, o cinema relembrou recentemente a violência do
franquismo no filme de Pedro Almodóvar “Madres paralelas”,em que assassinos
falangistas são lembrados pelos crimes que cometeram durante a Guerra Civil
Espanhola. Curiosamente, todos esses ditadores, de diferentes nacionalidades,
apesar do medo e do pânico que sempre provocaram, acabaram sendo personagens da
mais ácida e crítica forma de arte que existe, o humor.
Em diferentes momentos da História, todos
eles acabaram virando piada. Como virou piada no Brasil o gesto do partido do
presidente Jair Bolsonaro, que tentou proibir cantores e compositores de se
manifestar durante os shows de um festival de música popular em São Paulo.
Evidentemente, essa proibição ilegal e descabida provocou inúmeras
manifestações por parte dos artistas participantes e uma enorme adesão dos
jovens presentes. Fato que deverá se repetir nas próximas eleições.
Quanto à guerra entre a Rússia e a Ucrânia,
certamente o mais violento e descabido acontecimento dos últimos anos, muitos
dizem que ela não será documentada por grandes manifestações artísticas, já que
aconteceu nos tempos da internet, quando tudo é mais instantâneo e descartável.
Tudo tem menos arte. Dessa guerra, sabe-se até agora que só tem alguma certeza
a respeito dela quem está muito mal informado. Sabe-se também que diversos
pintores e escultores, tanto russos quanto ucranianos, já criaram obras sobre o
tema, assim como inúmeros artistas de outras áreas e nacionalidades. São
criadores de diferentes estilos e tendências, abrangendo desde gente
consagrada, como a banda Pink Floyd, a rappers iniciantes.
Se essas obras serão eternizadas ou não, só
o tempo dirá. Não é todo dia que uma guerra gera um “Guernica”.
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